Impondo-se como um dos cineastas norte-americanos mais peculiares das últimas décadas, Gus Van Sant tem vindo a consolidar uma obra tão ecléctica quanto desigual.
Reunindo muitas vezes a aclamação da crítica mas raramente gerando fenómenos junto do grande público, o realizador contém na sua filmografia alguns títulos próximos do mainstream (os interessantes “O Bom Rebelde” ou “Disposta a Tudo”, por exemplo) e, sobretudo, outros que se destacam por possuírem uma considerável de ousadia e experimentalismo (casos do marcante “O Cowboy da Droga”, do insípido “Gerry” ou do inventivo “Elephant”), tornando-se difícil antecipar como será o seu próximo projecto.
“Last Days – Últimos Dias”, a sua película mais recente, era uma das mais aguardadas de 2005, tendo sido um dos destaques da última edição do Festival de Cannes, onde obteve uma recepção crítica pouco consensual, oscilando entre a indiferença e a devoção.
O filme debruça-se sobre os últimos dias de Blake, um jovem músico norte-americano que vive numa casa isolada e cujo quotidiano é marcado por passeios inconsequentes e monólogos repetitivos que evidenciam o seu frágil estado psicológico.
“Last Days – Últimos Dias” gerou alguma expectativa por estabelecer paralelismos com as experiências de Kurt Cobain, uma das incontornáveis referências musicais dos anos 90 que, com os Nirvana, ajudou a fazer do grunge um género mediático e determinante.
Embora Van Sant defenda que a película não pretende ser um retrato fiel dos últimos dias do músico de Seattle – considerá-la um biopic está, portanto, fora de questão -, as semelhanças entre o seu protagonista e Cobain são óbvias, factor que a torna numa obra singular.
Finalizando aqui uma trilogia iniciada com “Gerry” e “Elephant”, centrada na morte e na adolescência, “Last Days – Últimos Dias” exibe, para o bem e (principalmente) para o mal, muitos dos traços que o cineasta desenvolveu nesses dois filmes, como uma arriscada vertente minimalista vincada por múltiplos silêncios a par de uma aura enigmática e algo onírica complementada por uma estrutura narrativa que recusa formatos lineares.
Se esta abordagem resultou em “Elephant”, em “Gerry” foi apenas um exercício demasiado vago e insonso, falhanço que se repete agora. A espaços, “Last Days – Últimos Dias” promete ser um vibrante e melancólico olhar sobre a solidão, a dilaceração emocional, a falta de comunicação, a amargura e a alienação, mas a forma como tenta gerar essa perspectiva dificilmente poderia ter sido menos entusiasmante.
Frio, distante e vagaroso, condensando tiques e clichés de um hermetismo arty, o filme é um bocejante ensaio sem objecto, assentando numa personagem principal que recicla cansativos lugares comuns do músico incompreendido, drogado, apático, soturno e algo autista, não despoletando qualquer empatia nem interesse (e se o faz é mais pela analogia que se pode fazer com Cobain do que pela densidade de Blake).
Se o protagonista apenas origina cansaço e fastio (desempenhado por um esforçado Michael Pitt, que nada pode fazer contra a inconsistência da sua personagem), os secundários não são muito melhores, sendo ainda mais descartáveis, exceptuando o pequeno papel de Kim Gordon (dos Sonic Youth), que tenta retirar – sem sucesso - Blake do marasmo e letargia que o envolvem.
Tirando esta, não há nenhuma presença que se destaque, uma vez que todas as outras figuras não passam de esboços decorativos aos quais Van Sant tenta injectar, por vezes, uma ambiguidade forçada, como no caso das cenas homossexuais entre dois amigos.
Tentando chegar à introspecção através de uma penosa e pretensiosa abstracção, “Last Days – Últimos Dias” é um devaneio auto-indulgente e circular que desaproveita as suas potencialidades, fornecendo um retrato sem qualquer contexto e deixando o espectador sem referências (o que até é desafiante mas leva a um resultado infrutífero).
Apesar do argumento esquelético (ou mesmo inexistente), Van Sant proporciona, no entanto, um sóbrio trabalho de realização, voltando aos tons contemplativos e etéreos que já tinham impressionado em “Elephant”, originando uma interessante atmosfera ultra-realista próxima de tons documentais (reforçada pela igualmente conseguida fotografia), que infelizmente não tem substrato dramático e narrativo à altura.
Outro dos escassos elementos interessantes da película é a banda-sonora, da qual sobressai uma (boa) canção composta e interpretada por Michael Pitt que denuncia uma clara descendência dos Nirvana. É pena que, para além dessa conseguida cena, onde a música resgata Blake do entorpecimento que o domina, “Last Days – Últimos Dias” pouco mais consiga proporcionar, desperdiçando uma hora e meia que ficará como uma das maiores desilusões cinematográficas de 2005.
E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL