Vencedor do Booker Prize em 1998, "Amesterdão" (Amsterdam), de Ian McEwan, é um mordaz retrato da sociedade aristocrática britânica e um olhar sobre os efeitos da mentira, do egoísmo e da fama.
O livro foca a relação de dois amigos, Clive Linley, um conceituado compositor, e Vernon Halliday, editor de um influente jornal. Estas duas personagens encontram-se interligadas por Molly Lane, uma conhecida figura londrina cujo funeral despoleta o início da intriga. Ian McEwan aproveita esta cerimónia fúnebre para iniciar uma narrativa com tons de comédia negra e algum drama, debruçando-se sobre o eventual antagonismo entre a supremacia do ego e os valores ético-morais.
Apesar de Molly Lane ser o elemento de ligação entre as personagens principais deste romance - quase todas foram seus amantes -, McEwan não apresenta muitas informações acerca da sua vida ou dos factores que a tornaram tão carismática, não nos elucidando quanto aos motivos que a transformaram num alvo de tamanha admiração. Mesmo as restantes personagens carecem de maior caracterização e desenvolvimento, uma vez que, nos momentos que antecedem o desenlace, Clive e Vernon exibem comportamentos pouco fundamentados e algo contraditórios face ao que ocorreu anteriormente. McEwan compensa esta limitação com um argumento imprevisível, incluindo reviravoltas suficientes para manter o interesse, mas mesmo aí as personagens parecem ser apenas elementos despoletadores de acontecimentos e não agentes com vontade e motivações próprias.
O escasso número de páginas do romance - menos de 200 - poderá justificar parte da superficial densidade dramática das personagens, embora se esperasse um pouco mais de um autor que já provou - no intrigante e assombroso "O Jardim de Cimento" (The Cement Garden), por exemplo - conseguir mergulhar, de forma exímia, nas tensões e fragilidades humanas. O ritmo também nem sempre entusiasma, já que a primeira metade do livro se desenrola de forma demasiado lenta e, quando a narrativa se torna mais estimulante, é afectada por um final algo conturbado e não muito convincente.
Embora a esfera emocional dos seus protagonistas seja pouco aprofundada, "Amesterdão" proporciona algumas interessantes observações sobre os limites da amizade, os ambientes do jornalismo (e a ameaça da tabloidização, sobretudo tendo em conta que a acção se desenrola em Inglaterra), crispações políticas, o lado negro da fama ou o florescimento do processo de criação artística. Estes elementos conseguem cativar a atenção e promover alguma reflexão, mas não chegam para salvar a reduzida empatia gerada pelo duo protagonista (Clive, auto-indulgente e narcisista, e Vernon, implacável e vingativo). Se, por um lado, a dupla é adequada para um romance de contornos satíricos e irónicos como "Amesterdão", tem a desvantagem de não nos cativar, pelo que o seu destino nos é indiferente e irrelevante. Por isso, o livro torna-se cada vez mais frio e distante e, embora exiba curiosos episódios a espaços, não é a obra mais recomendável de um dos maiores escritores britânicos contemporâneos.
E O VEREDICTO É: 2/5 - RAZOÁVEL
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