terça-feira, março 15, 2005

SABER AMAR

Se ainda há filmes que valem sobretudo pela força dos diálogos e dos actores, então "Perto Demais" (Closer) é um desses casos, congregando um muito estimável elenco - Julia Roberts, Jude Law, Clive Owen e Natalie Portman - numa adaptação da premiada peça teatral homónima de Patrick Marber. Se a estes promissores condimentos adicionarmos Mike Nichols, um cineasta com provas dadas - desde os emblemáticos "Who's Afraid Of Virginia Woolf" e "The Graduate", passando pela mini-série "Angels in America" - e um considerável hype internacional, então "Perto Demais" tem tudo para se tornar numa aliciante proposta cinematográfica.

Abordando as ambivalências das relações humanas, sobretudo as fricções entre o(s resquícios de) amor e o sexo, o filme segue o percurso de quatro personagens à beira do abismo, hesitando entre a segurança e desconforto da solidão e a efervescência imprevisível e não raras vezes dolorosa de um contacto mais próximo - por vezes demasiado próximo - com o outro.

"Perto Demais" tem sido quase unanimemente incensado devido a à sua perspectiva supostamente perspicaz, densa e aprofundada sobre o complexo universo emocional humano, com um enfoque singular acerca das relações assentes no amor e/ou no sexo. De facto, Nichols apresenta um interessante olhar sobre essa temática, oferecendo um trabalho com alguma tensão dramática, apropriadas atmosferas realistas e assinaláveis doses de um cruel humor negro, mas o seu retrato aposta num abrupto niilismo que lança as personagens numa espiral descendente onde a ingenuidade é um mito e a redenção quase tão improvável.

Os protagonistas afastam-se da bidimensionalidade que marca muitas obras próximas destes domínios, mas a sua áspera ambiguidade nem sempre as torna em figuras que envolvam especialmente, uma vez que os ambientes do filme, carregados de frivolidade e cinismo, exageram nas doses de negritude e desolação. O trabalho dos actores é meritório, desde as estrelas em ascensão Clive Owen e Natalie Portman - ambos justamente nomeados para o Óscar de Melhor Actor e Actriz Secundários - até aos mais mediáticos Jude Law (ainda assim, o mais inconstante dos quatro) e Julia Roberts (segura e convincente), mas as suas personagens raramente geram empatia, arrastando-se numa avassaladora teia de infidelidade, mentira, ciúme e traição.

Muitos têm elogiado "Perto Demais" por ser um raro filme mainstream para adultos, a milhas das rotineiras comédias românticas estereotipadas que banalizam a temática das relações amorosas. Contudo, embora o filme de Mike Nichols trate o tema com inteligência e argúcia q.b., não é propriamente um achado nem uma obra tão ímpar como alguns sugerem. Recentemente, muitos outros títulos têm abordado a tensão conjugal de forma não menos subtil, como "5X2", de François Ozon, "Desencontros" (We Don't Live Here Anymore), de John Curran ou "Antes do Anoitecer" (Before Sunset), de Richard Linklater, comprovando que o género não está assim tão desfasado e não precisa de ser salvo por uma obra como "Perto Demais".

No entanto, se encarado com entusiasmo moderado, o filme de Mike Nichols possui, ainda assim, um boa dose de elementos recomendáveis - a acutilância dos diálogos, a entrega das interpretações, as cruas atmosferas urbanas, a música de Damien Rice - proporcionando uma experiência cinematográfica pertinente e interessante, mas sem o fulgor das obras geniais.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

11 comentários:

O Puto disse...

Concordo contigo. Não é um filme empático (como o é, por exemplo, "Before Sunset"), mas aborda situações algo bizarras e interessantes. Mas é tudo servido com muita beleza e savoir-faire.

gonn1000 disse...

Sim, está bem feito e tem os seus méritos, mas a mensagem deixa-me relutante...

David Santos disse...

os 15 minutos finais que revelam, ao fim ao cabo, a mesagem do filme, é chocante e de uma realidade atroz, um autentico murro no estomago.
É o amor real, o cru da questão.
O que é o Amor afinal? o papel da confiança e do sexo numa relação a dois?Pq traiem as pessoas?
A mim impressionou bastante, não sei se por alguma identificação pelo tema em si...pela forma de ver tb a questão
Um Grande filme
http://matine.blogspot.com/2005/02/perto-demais.html

gonn1000 disse...

Pois, e acho que o filme abusou um pouco dessa "realidade atroz", apostando numa crueza onde alguns poderão rever-se mas que a mim não me disse assim tanto...

O Puto disse...

Como disse muito bem Harry_Madox, o argumento cai um tanto ou quanto na inverosimilhança, apesar dos diálogos seram bem palpáveis. É uma dissecação da relação amor-sexo.

onan disse...

a leitura desta tua crítica, que corroboro quase totalmente (e cuja qualidade aprecio), fez-me recordar, sem saber exactamente porquê, um filme que me impressionou bastante. chama-se "Infidelidade" ("Trolösa" no original) e foi realizado pela Liv Ullmann a partir de um argumento do Ingmar Bergman. Conheces? Se não o conheces, aconselho-te. se conheces, lanço-te um desafio: redige uma crítica ao mesmo. lol.

já ouviste iamx?

cheers

onan

gonn1000 disse...

Puto: Pois, há demasiadas reviravoltas que não favorecem o filme, mas os diálogos são muito eficazes...

Onan: Não vi esse filme, embora já tenha lido sobre ele. Ainda não tive oportunidade de ouvir iamx, mas tenho andado a redescobrir o "Bloodsport" :)

Gil Cunha disse...

Bem... finalmente consigo comentar o teu blog, o sistema do blogger não é lá mt eficiente...

Deste filme o que mais me agradou foi o argumento...

gonn1000 disse...

Pois, às vezes é mesmo complicado conseguir comentar...

Eu preferi mesmo os actores...

Lid disse...

Apesar da forma abordada ser bastante cruel de chegar a incomodar muito, o filme é maravilhoso e traz atores brilhantes, principalmente com a atuação de Natalie Portman.

gonn1000 disse...

Sim, o elenco é mesmo um dos seus maiores trunfos.