quinta-feira, outubro 20, 2005

UM PERCURSO COM CURVAS NEGRAS

Uma das bandas mais injustamente esquecidas dos anos 90, os britânicos Curve anunciaram a sua dissolução em 2005, ditando assim o fim o ponto final de uma discografia influente e sempre interessante.

Criadores de sonoridades eclécticas que conciliavam indie rock, shoegazer, gótico, dream pop, industrial e trip-hop, o duo constituído por Dean Garcia (instrumentista) e Toni Halliday (vocalista) foi um dos percursores na fusão da abrasividade das guitarras e de hipnóticas texturas electrónicas, experiências efectuadas em quatro álbuns e outros quatro EPs entre 1990 e 2001.

Recolhendo os melhores condimentos de domínios dos Eurythmics (com quem Dean Garcia colaborou), Cocteau Twins, Siouxsie and the Banshees ou The Cure, os Curve surpreenderam pela inebriante carga atmosférica das suas composições, conseguindo equilibrar visceralidade e elegância que se aliavam naturalmente à sedutora, ambivalente, viciante e peculiar voz de Toni Halliday, decididamente uma das maiores divas indie de sempre.

Situando-se numa esfera próxima dos Lush, Cranes ou My Bloody Valentine (com os quais partilhavam a wall of sound, ou seja, efervescentes camadas sonoras geradas por guitarras que quase sugeriam blocos de som), a dupla gerou registos marcantes como o já histórico álbum de estreia, “Doppelganger”, de 1992, ou os quatro EPs que o antecederam, implementando uma sonoridade própria que teve um seguimento seguro nos trabalhos seguintes.

Abrindo caminho para territórios que seriam trilhados por nomes das electrónicas negras como os Garbage (a comparação é inevitável), Sneaker Pimps, Lamb, Whale, 12 Rounds ou mesmo os Ladytron (confira-se em “The Witching Hour”), os ambientes complexos e encantatórios das composições dos Curve proporcionam estranhas melodias nem sempre imediatamente acessíveis mas com uma intrigante aura de claustrofobia e tensão, que “The Way of Curve” documenta eficazmente.

“The Way of Curve”, CD duplo editado em 2004, recupera alguns dos momentos mais marcantes da banda, apresentando singles e outros temas dos álbuns no primeiro disco e oferecendo lados-B e raridades no segundo.

O primeiro disco da compilação inclui episódios determinantes como “Ten Little Girls” (soberba combinação de rock electrónico com spoken word), “Die Like a Dog” (um portento de intensidade, com uma muito conseguida gestão de atmosferas), “Horror Head” (com alguns dos mais envolventes suspiros de Halliday, uma das melhores canções da banda) ou “Fait Accompli” (um dos temas mais emblemáticos de “Doppelganger”), da fase inicial da dupla.

Infelizmente, o alinhamento privilegia mais os dois últimos discos da banda, interessantes, mas não tão refrescantes quanto os antecessores. Lamenta-se especialmente a ausência de mais canções de “Cuckoo” (como “Crystal” ou “Unreadable Communication”). Ainda assim, temas como “Chinese Burn” (Prodigy meets Nine Inch Nails meets Chemical Brothers) ou “Perish” (uma balada fantasmagórica) atestam a qualidade da selecção.

O segundo disco de “The Way of Curve” é um concentrado de temas perdidos, sendo um pouco mais desequilibrado do que o primeiro, uma vez que contém algumas faixas dispensáveis como as remisturas dos Lunatic Calm a “Chinese Burn” (com um big beat datado e cansativo), de Kevin Chields a “Coming Up Roses” (que não compromete o original, mas também não lhe alarga o espectro) ou a versão dos próprios Curve de “I Feel Love”, de Donna Summer (apenas curiosa).

Apesar desses temas menos inspirados, há bons momentos como “Triumph” (lento, soturno e vibrante), “Sinner” (com belíssimos traços etéreos), “Low and Behold” (dominado por cenários inóspitos e cortantes), a remistura de Aphex Twin para “Falling Free” (que não sendo brilhante é um conseguido exercício ambient) ou “What a Waste”, de e com Ian Dury (agreste e sinistro q.b.), que acabam por compensar ocasionais deslizes.

“The Way of Curve” não é uma retrospectiva perfeita do percurso de Dean Garcia e Toni Halliday, mas as mais de 30 canções que reúne são suficientes para confirmar que os Curve são uma presença essencial em qualquer colecção de discos que pretenda englobar o melhor dos anos 90. Um nome a (re)descobrir, pois o seu fascínio permanece intacto e a discografia merece audição (e, já agora, reedição) atenta.
E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

11 comentários:

kimikkal disse...

Ao ler este artigo lembrei-me dos Mazzy Star. Talvez seja a foto, não sei.

Bom post!

gonn1000 disse...

Sim, os Curve partilham com os Mazzy Star as ambiências soturnas, embora as sonoridades não sejam muito semelhantes. Mas tanto a Hope Sandoval como a Toni Halliday são vocalistas de escepção :)

serebelo disse...

A minha ausência do mundo real não permitiu saber do fim dos Curve. E logo umas das minhas bandas favoritas de pós-adolescência. Pelo menos deixam obra e talvez agora a Toni se junte ao seu marido, Flood e façam algo juntos. Era bom...
E numa toada saudosista, que saudades dos Mazzy Star. Existe uma excelente Hope Sandoval & the Warm Inventions, mas depois disso muito pouco saiu daqueles lados.

gonn1000 disse...

Pois é, são dois projectos que acabaram e pouco ou nada se tem sabido dos seus elementos. Mas como dizes, deixam obra, e mais vale ficarem quietos do que fazerem algo que a estrague.

Spaceboy disse...

Mais uma banda a descobrir...

gonn1000 disse...

Se gostaste do novo dos Ladytron acho que vale a pena pesquisares :)

Planeta Pop disse...

Os Curve foram de facto uma grande banda, infelizmente um pouco ignorada por cá. Segui a carreira deles desde o primeiro EP e nunca me desiludiram, apesar de alguns discos "menos bons". Confesso que me custou quando falei da sua dissolução no meu Planeta...GRANDES CURVE! Espero que, pelo menos, a nossa querida (e bela!) Toni Halliday não deixe de cantar e nos encantar, quer seja em nome próprio ou colaborando nos discos de outros.

Unknown disse...

Estes também passaram um pouco ao meu lado sem dar conta. Pelos vistos foi pena que eles tenham ido dar uma curva. De qualquer forma irei investigar melhor esta tua sugestão, Gonn.

Hugzz

gonn1000 disse...

O Astronauta: É verdade, os últimos discos já não eram tão inovadores como os primeiros - creio que a banda foi ultrapassada por nomes como os Garbage ou Nine Inch Nails -, mas de qualquer forma não envergonhavam ninguém. E será sempre bom voltar a ouvir a Toni, claro!

Kraak/Peixinho: Sim, foi pena, mas ainda editaram uma quantidade considerável de discos que permite recordá-los ao longo das suas várias fases...

O Puto disse...

Os Curve foram uma das minhas obsessões dos inícios da década de 90. Ouvi vezes sem conta "Doppelganger" e a compilação "Pubic Fruit", que reunia os 3 primeiros EP's. Cheguei a comprar compulsivamente os singles e até tive um poster da Toni Halliday pendurado na parade, vejam lá. Ainda ouvi com entusiasmo "Cuckoo", mas achei "Come Clean" uma desilusão. A partir daí perdi-lhes um pouco o rasto (Toni, perdoa-me!).
Mas fizeste bem em recordar esta excelente banda, que subtilmente influenciaram parte do universo pop.

gonn1000 disse...

"Come Clean" não é tão bom como os anteriores, mas não acho que seja um mau disco e tem dois ou três momentos muito inspirados ("Beyond Reach" ou "Recovery", por exemplo).