quarta-feira, abril 27, 2005

BRINCADEIRAS PERIGOSAS

A adolescência é uma das temáticas que mais potencial oferece enquanto assunto a ser abordado na sétima arte, salientando-se como uma etapa complexa e carregada de convulsões.
Contudo, muitos dos filmes que retratam essa fase não fazem mais do que reduzir as suas personagens a básicos e estafados estereótipos, gerando figuras caricaturais, de escassa densidade psicológica e emocional, imersas num conjunto de peripécias algo espalhafatosas e dominadas por um humor de gosto duvidoso. É certo que há excepções, mas a cinematografia norte-americana, em particular, tem oferecido múltiplos exemplos do género, obras indistintas de uma linha de montagem altamente formatada.

"Uma Pequena Vingança" (Mean Creek) é, por isso, um título digno de cuidada atenção, uma vez que mostra uma clara vontade em fugir aos lugares-comuns que minam muitos dos exemplos aparentados.

A primeira longa-metragem de Jacob Aaron Estes é um dos filmes independentes norte-americanos mais elogiados dos últimos tempos - aclamado tanto no Festival de Sundance como nos Independent Spirit Awards -, e percebe-se porquê. Esta história sobre um grupo de adolescentes de uma pequena localidade de Oregon que decide vingar-se de um colega gordo, forte e agressivo poderia ter originado um filme recheado de personagens de papelão envolvidas num inconsequente e gratuito exercício de suspense, mas o realizador aventura-se por domínios vincados por uma envolvente sensibilidade e um olhar atento sobre o universo retratado.

Comparado a "Bully - Estranhas Amizades", de Larry Clark, ou a "Stand by Me", de Rob Reiner, "Uma Pequena Vingança" consegue, apesar disso, criar um espaço próprio e exibir provas de criatividade. Se o paralelismo com a paradigmática obra de Reiner ainda se percebe, as semelhanças com os domínios de Larry Clark já não são tão evidentes, dado que a perspectiva de Estes, apesar de melancólica, nunca exibe as doses de aspereza e perturbação indissociáveis dos trabalhos deste cineasta.
Os tons etéreos e minimalistas de "Uma Pequena Vingança", carregados de silêncios e subtis jogos de olhares, colocam-no mais próximo de "Elephant", de Gus Van Sant, apesar de Estes não optar por uma narrativa tão experimental.

Todos os actores proporcionam interpretações notáveis, num conjunto de protagonistas constituído somente por jovens.
Rory Culkin, talvez o actor mais mediático do filme, encarna o circunspecto Sam, que está na origem do esquema de vingança; Trevor Morgan é igualmente eficaz como Rocky, o irmão mais velho de Sam; Carly Schroeder, a única presença feminina, compõe uma perspicaz e tridimensional Millie; Scott Mechlowicz destila carisma como o descontraído, mas muito amargurado Martin, o elemento mais velho do grupo; e Ryan Kelley constrói um enigmático e silencioso Clyde, alvo de troça por ser filho adoptivo de um casal gay.
Josh Peck é também convincente como George, a personagem contra a qual as restantes se unem para o derrotar com uma partida humilhante, mas cujo plano vai sendo reavaliado à medida que os cinco amigos se apercebem de que afinal George, por detrás da capa de alguma intolerância e brutalidade, apenas procura conquistar a atenção e a confiança dos seus colegas.

Jacob Aaron Estes sugere, desde o início do filme, que algo de penoso e triste irá acontecer a este grupo de adolescentes, e a partir do momento em que a vingança é delineada gera-se um ambiente marcado por uma discreta, mas sentida, inquietação.

À medida que George começa a ser percepcionado de forma diferente pelos seus colegas e pelos espectadores, equaciona-se a hipótese de inverter o projecto de vingança, mas os contrastes de personalidade dos jovens levam a que os acontecimentos escapem ao seu controlo e que a amena e tranquila viagem de barco se torne numa experiência determinante para todos.

Denso, contemplativo e agridoce, "Uma Pequena Vingança" é um belo, ainda que angustiante, retrato da adolescência, sobretudo sobre o assumir das responsabilidades e as formas de lidar com a culpa, o arrependimento e as consequências das acções.

É uma sólida primeira obra, que revela um cineasta capaz de criar atmosferas penetrantes e que apresenta aqui absorventes tons contemplativos. A realização e a fotografia ajudam a definir uma vertente realista, e a apropriada banda-sonora destaca-se como um precioso acompanhamento, tanto as composições instrumentais dos Tomandandy como as canções de profícuas bandas indie como os Eels, Spoon, Wilco ou Death Cab for Cutie (cujo tema "The Sound of Settling" é a escolha perfeita para a viagem de carro numa tarde solarenga, numa das sequências mais marcantes do início do filme).

Uma refrescante e memorável proposta do cinema alternativo norte-americano, "Uma Pequena Vingança" foca, para além do peso da responsabilidade e da culpa, questões como as novas famílias, o despertar da sexualidade, a confiança e as pressões de grupo, salientando-se como um muito inspirado retrato do crescimento, bem escrito e melhor interpretado, onde apenas lamentamos não poder passar mais tempo com aquelas personagens, com as quais parece já termos estado.

E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

2 comentários:

Anónimo disse...

Não o vi no Indie mas não me escapa quando estrear agora em Maio :P!

Cumprimentos cinéfilos

gonn1000 disse...

Eu se calhar ainda o revejo quando estrear :)