segunda-feira, maio 02, 2005

PERTO DEMAIS

"Private", do italiano Saverio Constanzo, tem tido um acolhimento bastante positivo em diversos eventos cinematográficos internacionais, desde o Festival de Locarno (Melhor Filme e Melhor Actor) até ao IndieLisboa 2005 (Prémio do Público para Melhor Longa-Metragem), onde foi considerada uma promissora primeira longa-metragem.

Abordando o conflito israelo-palestiniano, particularmente as peripécias de uma família da Palestina cuja casa é invadida por soldados israelitas, "Private" proporciona uma inquietante perspectiva acerca de um tema polémico e actual, e o seu impacto torna-se ainda mais forte tendo em conta que o realizador se baseou em factos verídicos.

O quotidiano de Mohamed, professor e director de um Instituto, Samia e dos seus cinco filhos já era suficientemente conturbado, mas o risco aumenta de forma mais demarcada quando a família é forçada a repartir o espaço da sua casa com um grupo de soldados israelitas que a adopta como local estratégico. Recusando abandonar o seu lar, a família palestiniana irá viver um dia-a-dia ainda mais tenso e soturno, partilhando uma pequena divisão e estando sujeita às rígidas regras dos seus novos vizinhos.

Esta inesperada situação despoleta uma disparidade de opiniões e cisões dentro do núcleo familiar e coloca em causa a sua união, dado que nem todos os elementos optam por resistir às investidas dos soldados. Entre o pânico e o desespero, as reacções dos filhos do casal são as mais diversas, que tanto incluem a revolta e contestação de Mariam, a mais velha, como o desejo de fuga de Jamal.

Saverio Constanzo oferece um intenso e sufocante retrato desta conjuntura, criando uma obra absorvente e assustadoramente verosímil. O realizador evita habilmente que o seu projecto se transforme num panfleto a favor ou contra qualquer uma das partes envolvidas, gerindo a acção com um equilíbrio apreciável.
Nos primeiros momentos da invasão ao lar palestiniano, os soldados israelitas são caracterizados de forma algo maniqueísta e unidimensional, mas aos poucos Constanzo revela que também eles não são imunes aos medos e angústias que a guerra suscita. A captação das incertezas e receios dos soldados é feita de forma notável nas cenas em que Mariam se esconde num armário e observa os invasores sob um novo ponto de vista (em alguns dos momentos mais fortes e penetrantes do filme, com um nervosismo à flor da pele).

"Private" possui um ritmo imparável, irradiando energia e vibração, e mesmo nos momentos aparentemente mais apaziguados é possível sentir uma aura densa e claustrofóbica. Para que um projecto destes resulte é vital a presença de um elenco credível, e aqui os actores mostram-se à altura através de interpretações convincentes, algo especialmente notável dada a reduzida idade de grande parte dos protagonistas. As personagens resultam e evidenciam as consequências determinantes que uma atmosfera de cortante tensão pode originar, gerando cenas com um fortíssimo impacto emocional.

O trabalho de realização de Constanzo adapta-se bem ao tema, apostando num realismo áspero, cru e sujo, reforçado pelo frequente uso da câmara à mão e tornando as situações ainda mais plausíveis.

Dominado por um ambiente com fartas doses de suspense, "Private" é um drama que intriga e arrepia mais do que muitos thrillers, concentrando uma série de momentos de tirar o fôlego e oferecendo um olhar visceral sobre uma situação-limite. Desencantado e memorável, prende o espectador numa intrincada teia de acontecimentos e consegue surpreender até ao muito apropriado desenlace, salientando-se como uma portentosa e muito recomendável experiência cinematográfica que ficará, seguramente, como uma das melhores primeiras-obras do ano.

E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

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