quarta-feira, abril 20, 2005

PERDIDOS NA TRADUÇÃO

Há filmes assim… Perante o trailer e outros elementos do marketing de “Espanglês” (Spanglish), muitos espectadores poderiam ser levados a pensar que a película era mais um concentrado de gags inseridos num argumento indistinto e descartável, proporcionando mais uma banal comédia mainstream norte-americana.
O facto de Adam Sandler estar entre os nomes do elenco apenas reforçava ainda mais essa ideia, tendo em conta os trabalhos habituais do actor - sim, houve “Punch Drunk Love – Embriagado de Amor”, de Paul Thomas Anderson, mas é uma rara excepção – e, por isso, o filme não prometia apresentar nada de especialmente original ou estimulante.

Contudo, se “Espanglês” está longe de ser uma obra-prima, também não envereda por domínios tão fáceis e rotineiros como sugeria, tornando-se, de resto, numa agradável surpresa e num título bastante meritório.
Pormenor relevante: James L. Brooks está a cargo da realização, e o cineasta já provou que consegue gerar títulos onde o drama e a comédia se mesclam de forma satisfatória, proporcionando sucessos de crítica e de público como “Laços de Ternura”, “Edição Especial” e “Melhor é Impossível”.

Neste novo projecto, Brooks oferece uma interessante perspectiva sobre a (falta de) comunicação, o choque de culturas, a identidade e as relações familiares, abordando estas questões de forma sóbria e honesta num filme que cativa e envolve.

No cerne da acção encontra-se Flor, uma jovem mexicana que parte com a filha, Cristina, para os Estados Unidos e vai trabalhar em casa de uma família californiana da classe média alta. Ao fim de algum tempo, as duas vão viver para casa dos patrões, e aí adensa-se um tenso e progressivo contraste de mentalidades, valores e códigos culturais, onde os dramas pessoais das personagens (e são muitas) começam a interceptar-se.

“Espanglês” é um filme de actores, uma aposta claramente ganha quando as interpretações são convincentes, tanto no caos dos protagonistas como no dos secundários. Paz Vega, que já brilhou em filmes de Pedro Almodóvar ou Júlio Medem, acerta na mistura de sensibilidade e seriedade; Adam Sandler contorna registos histriónicos e segue rumos mais subtis, e Téa Leoni é exímia no papel de neurótica em convulsão, unindo dor e complexidade.
Shelbie Bruce encarna a jovem Cristina de forma não menos notável – a comprovar na cena da tradução entre o diálogo de Sandler e Vega - e a veterana Cloris Leachman é igualmente subtil na sua composição de matriarca vivida e magoada.

O trabalho de realização de Brooks é discreto e minimalista, nunca caindo em caminhos ostensivos e dando espaço para as personagens respirarem, e o argumento é bem escrito, conseguindo conciliar momentos de humor com cenas de considerável tensão dramática.

Mesmo assim, “Espanglês” nem sempre resulta, pois embora se afaste de muitos lugares comuns também abusa, a espaços, de um sentimentalismo algo óbvio e dispensável. No entanto, a honestidade e carisma do filme sobrepõem-se a esses pontuais desequilíbrios e fazem com que esta seja uma experiência cinematográfica muito digna e agradável.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

4 comentários:

David Santos disse...

fiquei supreendido com o teu texto, sobre o filme.

gonn1000 disse...

LOL...Então porquê, esperavas que eu não gostasse?

Anónimo disse...

eu tanbém vi este filme e gostei bastante...já reparei que tens algo contra cenas demasiado sentimentais..e as identificas com o ridículo...mas o que seriamos nós sem emoções. A arte é feita para provocar emoções,não tenhas medo de chorar...tem medo é de não o conseguires fazer....
susana rodrigues

gonn1000 disse...

Não se trata disso, mas há várias formas de abordar os sentimentos, e em "Espanglês" acho que isso é, por vezes, feito de forma forçada e a roçar a lamechice. Um pouco mais de subtileza dramática não lhe ficaria mal, mas mesmo assim o filme foi, para mim, uma bela surpresa (não estava à espera de gostar).