quarta-feira, abril 12, 2006

CORAGEM DEBAIXO DE FOGO

Em 2003, George Clooney estreou-se na realização com “Confissões de Uma Mente Perigosa”, filme que, apesar de promissor, era bastante desequilibrado, encontrando nas seguras interpretações e na cativante energia visual as suas únicas mais-valias.

“Boa Noite, e Boa Sorte” (Good Night, and Good Luck), nova aposta do actor (e agora também realizador) nas longas-metragens, tem sido alvo de maior mediatismo e aclamação do público e da crítica, contudo é pouco mais consistente do que o título antecessor.
Não é por falta de potencial, uma vez que esta perspectiva sobre as relações entre os media e a política tem um bom material de base – a obstinação do pivot televisivo da CBS Edward R. Murrow e da sua equipa em combater as atitudes extremistas e manipuladoras do senador Joseph McCarthy, durante uma conturbada América dos anos 50 -, contudo o projecto sai-se melhor nas intenções do que na concretização destas.

Decorrendo durante o mccarthysmo e a “caça às bruxas” (leia-se comunistas) que marcou esse período, “Boa Noite, e Boa Sorte” assume-se como filme-denúncia das ameaças à liberdade de expressão e das medidas intimidatórias – muitas vezes injustificadas – encetadas pela Comissão do Senado das Actividades Anti-Americanas, salientando o papel proeminente de alguns media, ou melhor, de Murrow e do seu programa televisivo, ”See It Now”, na divulgação ao público dessas atitudes abusivas.

Clooney é bem-sucedido no retrato de época, mergulhando nos tensos ambientes da redacção da CBS e apresentando-os de forma credível, quer através de movimentos de câmara que acentuam uma claustrofobia palpitante, da apropriada e sóbria fotografia a preto-e-branco (atravessada pelos nebulosos cinzentos do fumo do tabaco), da banda-sonora jazzística e cool de Diane Reeves e de um elenco afinado (que inclui, além do realziador, David Strathairn, Robert Downey Jr., Patrícia Clarkson ou Jeff Daniels).
O uso de várias imagens de arquivo, a maioria de McCarthy (dispensando assim um actor que o interprete), é um elemento curioso, e contribui também para a implementação de uma eficaz carga realista, com traços do cinema documental.

No entanto, “Boa Noite, e Boa Sorte” é menos entusiasmante na construção das personagens, que não passam de meros instrumentos cuja função é debitar a mensagem liberal do realizador. O talento dos actores consegue captar a atenção, mas o argumento não deixa que estes criem figuras tridimensionais, antes joguetes desprovidos de densidade.
A carga dramática é então bastante reduzida, uma vez que o espectador nunca fica a conhecer aquelas pessoas nem o que as motiva, vendo apenas corpos que carregam uma ideologia.

Além das personagens pouco convincentes, a irregularidade do filme deve-se ainda ao seu teor algo maniqueísta, uma vez que apresenta apenas a realidade vista por um dos lados, encaminhando o sentido da reflexão que pretende despoletar.
Paralelamente, a sobrecarga de informação, sobretudo nos momentos iniciais, leva a que o espectador possa ter dificuldade em assimilar de imediato tudo o que lhe é apresentado, tornando "Boa Noite, e Boa Sorte” numa película demasiado expositiva e hermética.

Clooney proporciona assim um documento meritório, mas desigual, pois apesar de colocar em jogo questões relevantes ainda hoje e não apenas na época em causa, como a ética no jornalismo, os conflitos entre informação e entretenimento ou a sugestão de similaridades entre os métodos de McCarthy e de Bush, não está estruturado da forma mais aliciante e imparcial, tornando-se tão seco e sisudo quanto o seu protagonista.
Deseja-se, então, boa (e melhor) sorte para o próximo projecto do actor/realizador.
E O VEREDICTO É: 2/5 - RAZOÁVEL

17 comentários:

gonn1000 disse...

A sério? Já começava a pensar que só eu é que não tinha gostado do filme...

Spaceboy disse...

Vi muito recentemente o filme e tenho que discordar contigo. Fiquei vidrado com o trabalho de fotografia, com o desempenho do protagonista e fez-me pensar bastante na actualidade. Eu gostei imenso.

gonn1000 disse...

Estamos de acordo quanto ao desempenho do protagonista e à fotografia. Para mim o elo mais fraco foi mesmo o argumento.

Sérgio Lopes disse...

É assim, eu vi o filme e devo dizer que não o achei nada de especial, mas temos de o criticar de acordo com o seu intuito, isto é, Contar a história da caça às bruxas do senador McCarthy. Nesse sentido, não é assim tão mau. Limita-se a contar o que despoletou o fim dessa era em que o comunismo era o terror americano e a importância dos media. OK; os personaegns são pouco desenvolvidos. MAs não terá Clooney pensado apenas na mensagem que queria transmitir e de certa forma actualizar o tema para o que se passa na era Bush ou até mesmo noutros países no presente?

Nesse sentido merece um pouco mais de classificação. Embora nada de especial, cumpre o seu intuito, logo eu daria 6/10.

Cumprimentos,

Sérgio Lopes

gonn1000 disse...

Percebo o que queres dizer, mas quando não acredito nas personagens, ou não me interesso especialmente por elas, é difícil deixar-me convencer pelo filme, sobretudo quando a "mensagem", ainda que bem-intencionada, é apresentada de forma algo tendenciosa.

Anónimo disse...

a fotografia, a música e os actores. sim, eu gostei dos actores embora ñ exagere nos elogios ao protagonista. talvez a duração mto curta do filme ñ tenha possibilitado um desenvolvimento adequado dos secundários mas tal ñ desvirtua o filme no seu todo, creio...

gonn1000 disse...

Também gostei dos actores, acho é que não têm personagens à altura. E embora a duração do filme seja curta, confesso que a meio já estava entediado.

Anónimo disse...

2/5 ?!?! Até "O Crime do Padre Amaro" levou a mesma pontuação :o lol!

Pouca carga dramática?! Acho que todo o filme está envolto numa constante carga dramática.

Sobrecarga de informação? Sobrecarga excessiva de informação tem o "Syriana": isso sim um filme fraquito!

Estamos em completo desacordo em relação a este. Para mim, está na lista dos 10 melhores filmes que estrearam este ano em Portugal.

Abraço!

gonn1000 disse...

"Syriana" também peca pela sobrecarga de informação, mas apesar disso está um pouco mais conseguido.
Se tivesse que colocar "Boa Noite, e Boa Sorte" numa lista, não seria decerto na dos melhores do ano, é dos mais fracos que vi em 2006, mas parece que quanto a este sou uma excepção.

Unknown disse...

Uma verdadeira seca à americana, reconhecendo-se mais clean que outros filmes da mesma categoria. Um filme não vive apenas do desempenho de uma das personagens. Foi preciso lata para ser incluído nas nomeações oscarizadas. Bah!

Excelente review, Gonn! Estou de acordo contigo! (Ufa!)

Hugzz democráticos

gonn1000 disse...

Também acho que foi o mais fraco dos nomeados para Melhor Filme, e mesmo o desempenho de David Strathairn, sendo sólido, não me pareceu assim tão brilhante.

Juom disse...

Pois cá para mim até era o melhor entre os candidatos ao Oscar de Melhor Filme. E comparar este filme com o Syriana só se for mesmo pela presença do Clooney, porque de resto, Syriana é tão interessante quanto ver a tinta a secar.

gonn1000 disse...

One day you'll see the light :P

Juom disse...

And one day you'll recognize a good movie when you see it (muahahahah) :-P

gonn1000 disse...

Like that crappy, crappy pic 'bout some Dude, kid? (MUAHAHAHAH):P

Juom disse...

Oh, c'mon... be nice! Best movie ever, man. :-P

gonn1000 disse...

*lies on the floor, laughing for hours*