segunda-feira, novembro 01, 2004

A IDADE DO GELO

Roland Emmerich é responsável por alguns dos filmes mainstream da década de 90 que mais usaram e abusaram de efeitos especiais e cenas exageradas e espectaculares, como "O Dia da Independência" (Independence Day) ou "Godzilla". Apesar do sucesso comercial desses títulos, o nome do cineasta nunca foi associado a obras particularmente entusiasmantes ou criativas, e este limitava-se a desempenhar o papel de um tarefeiro com muito dinheiro para gastar. O tom exibicionista e pirotécnico dos seus trabalhos visava impressionar através de cenários de destruição maciça, oferecendo uma série de sequências tão inacreditáveis que cedo se tornavam inócuas, repetitivas e pouco entusiasmantes.

O recente "O Dia Depois de Amanhã" (The Day After Tomorrow), apesar de conter muitas das características associadas ao cineasta, atreve-se a arriscar um pouco mais e a oferecer cenas que se desviam do formato tipificado e previsível que contamina a maior parte dos blockbusters actuais. Depois da Terra ser ameaçada por extra-terrestres e gigantescas criaturas verdes, agora o pânico gera-se devido a uma catástrofe natural motivada por abruptas alterações climatéricas. Com a chegada de uma nova e inesperada Idade do Gelo, o globo é alvo de múltiplas mutações e imprevistos, sendo ameaçado por nevões, tempestades, tornados e outras nefastas revoltas da Natureza. Mais uma vez, os Estados Unidos da América e, em particular, Nova Iorque, encontram-se no centro dos acontecimentos (poderia ser de outra forma?), tornando-se no palco principal da devastação.

Como seria de esperar, Emmerich aproveita este cenário catastrófico para proporcionar diversas cenas de forte apelo visual, apresentando momentos impressionantes como a inundação de Nova Iorque, em especial uma quase submersa Estátua da Liberdade. Contudo, para além dessas ocasiões de inegável força e impacto, o realizador tenta explorar também um argumento que pretende ser um pouco mais estruturado do que as suas obras anteriores.

Focando as experiências, atitudes e reacções de várias personagens, manifesta-se uma procura de relações mais verosímeis e próximas do espectador, envolvendo-o e oferecendo-lhe algo mais do que meros cenários de destruição maciça e despersonalizada. Neste aspecto, a escolha dos actores destaca-se como uma opção bastante apropriada, recrutando figuras com presença como Dennis Quaid (um "herói" suficientemente credível e subtil), Jake Gyllenhaal (num incomum e bem-sucedido desvio do seu percurso mais centrado no cinema independente), Sela Ward (conhecida entre nós pela série "Começar de Novo", mas que deveria aparecer mais vezes no grande ecrã) e Ian Holm.

Nenhuma personagem consegue assumir traços de uma tridimensionalidade memorável, mas também não era isso que se pedia num filme destes, por isso o modo algo estereotipado como são trabalhadas acaba por ser adequado q.b., apesar de superficial.

Ainda que adopte uma estrutura estandardizada e linear, "O Dia Depois de Amanhã" consegue introduzir ocasionais espaços de maior criatividade, nomeadamente através de uma perspectiva que, ao contrário do habitual, não celebra exaustivamente os valores americanos e nos expõe a uma gloriosa bandeira de cinco em cinco minutos. É certo que há algumas sequências mais melodramáticas de "mensagem inspiradora", mas paralelamente verifica-se também algum humor com surpreendentes doses de ironia e sentido de oportunidade (e aqui o tom desvia-se do típico endeusamento dos americanos, apostando no destaque de determinadas características menos virtuosas).

Contudo, estes momentos mais interessantes não surgem tanto como seria desejável, dado que uma considerável parte do filme não resiste a exibir cenas de considerável convencionalismo e previsibilidade. Claro que os heróis têm quase sempre a atitude certa nos momentos-chave, enfrentam uma boa dose de perigos inacreditáveis e resistem a uma série de episódios arriscados. As tempestades exageradas, e cientificamente impossíveis num tão curto espaço de tempo, também não favorecem muito a credibilidade do argumento, mas afinal este é um filme-catástrofe.

Estas situações mais rotineiras conseguem, no entanto, oferecer um bom equilíbrio entre drama e suspense, sustentado por um sofisticado e profissional trabalho de efeitos especiais. Emmerich gera assim uma série-B de grande orçamento, apresentando um eficaz filme-pipoca que atesta a solidez industrial de Hollywood num blockbuster acima da média.

Entre o alerta para questões ambientais e momentos de simbolismo político (analogias ao 11 de Setembro, o repensar das relações dos EUA com as outras nações), "O Dia Depois de Amanhã" combina o melhor do entretenimento escapista (avultados valores de produção, vertiginosas sequências de aventura) e suscita algumas bases de reflexão acerca dos rumos adoptados pela Humanidade, assim como dos sistemas e ideias em que esta se tem apoiado. Não será o filme mais original e apaixonante do ano, mas para filme típico da silly season oferece um pouco mais do que o habitual enlatado de pirotecnia descartável.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

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