terça-feira, novembro 16, 2004

CONTA-ME HISTÓRIAS

Apesar de não ter sido a primeira vez que o cantautor canadiano Rufus Wainwright actuou em palcos portugueses (já passou pelo Festival Vilar de Mouros), o espectáculo de dia 13 na Aula Magna foi decerto aquele que mais convenceu e conquistou o público.

O espaço era apropriado para as atmosferas sonoras pessoais e intimistas de discos como "Poses" ou "Want One", e os elementos da plateia eram maioritariamente conhecedores e seguidores da obra do cantor/compositor/multi-instrumentista. Ainda que propícia à gestação de algum intimismo, a sala da Aula Magna encontrou-se surpreendentemente concorrida, congregando múltiplos fãs devotos a par de ocasionais curiosos e assinalando o processo de discreta ascensão de Rufus Wainwright. De resto, esta atenção especial do público português por alguns artistas de culto é já reconhecida (como os Lamb, Massive Attack ou Tindersticks podem atestar), e na noite de sábado encontrou-se - caso ainda restassem dúvidas - mais um nome a adicionar ao grupo de eleitos.

Saudando rapidamente os espectadores e iniciando "Harvester of Hearts" de forma repentina, Rufus Wainwright começou por interpretar algumas canções ao piano mas só levantou verdadeiramente os ânimos quando pegou na guitarra a acústica e anunciou "Let`s rock and roll". O tema que se seguiu foi o quase-hit "California", uma das suas composições mais conhecidas e o primeiro grande momento da noite. A partir daí, a actuação até então competente tornou-se algo mais e abriu espaço para uma crescente proximidade com o público e um redobrar de intensidade.

Intercalando as canções com curiosos relatos de experiências pessoais ou considerações sobre o mundo de hoje, o músico descobriu a chave para um espectáculo cativante, convincente e bem-disposto, que incluiu vários episódios interessantes. Entre estes, constaram as explicações para a atribulada escolha da capa do novo disco "Want Two" (com a Bela Adormecida, morte e violações à mistura) e observações acerca do contexto político actual ou das opções sexuais. Mais marcante ainda foi a homenagem que Wainwright prestou a Jeff Buckley (que até chegou a conhecer pouco antes da sua morte), dedicando-lhe um tema novo, "Memphis Skyline" (de "Want Two"), e interpretando "Hallelujah", de Leonard Cohen, um dos momentos de eleição da noite.

Explorando, ao longo da actuação, a sua faceta de hábil e carismático entertainer, Wainwright apresentou-se afável e espirituoso, o que não o impediu, todavia, de contaminar a interpretação das suas canções com inegável densidade, emoção, entrega e presença. O espectáculo seria porventura mais rico - pelo menos a nível instrumental - se o músico estivesse acompanhado pela banda, mas o trio constituído por piano, guitarra e voz (e que voz!!) foi mais do que suficiente para gerar uma noite apelativa e memorável.

Os temas do alinhamento percorreram todos os álbuns do cantor, desde o registo de estreia homónimo até ao recente (e inédito entre nós) "Want Two", passando pelo incontornável "Poses" e por "Want One". Assim, tanto houve espaço para a intensa "Vibrate" como para a sóbria "Greek Song" ou a canção interpretada em francês, "Compliante De La Butte" (esta da banda-sonora de "Moulin Rouge").

Os muito requisitados encores (porque foram 2) confirmaram a considerável devoção do público, que aplaudiu de pé, e também foram mais uma oportunidade para o músico elogiar a inesperada boa receptividade dos fãs portugueses (a alta percentagem de cabelo escuro, "muito sexy", foi outro ponto a favor da plateia lusa). Para a despedida Wainwright guardou a obrigatória "Cigarettes and Chocolate Milk" e "Poses", no primeiro encore, e o grande final foi marcado pelo improviso de "Foolish Love" e a sentida e envolvente "Go or Go Ahead", no segundo.

Apesar do desenlace com chave de ouro, sentiu-se a falta de canções como "Movies of Myself", "Evil Angel" e mesmo a excelente cover de "Across the Universe", mas o cantor afirmou que muitos dos seus temas não poderiam ser apresentados num concerto com as características do de sábado. Mas talvez tenha sido melhor assim, pois neste caso redobra-se o apetite para um novo concerto de Rufus Wainwright, que prometeu voltar (com banda!!) numa próxima oportunidade. Tendo em conta a sua estreia em palcos lisboetas, acredita-se que será muito bem-vindo.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

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