terça-feira, março 20, 2007

ENTRE INIMIGOS

Depois nos últimos anos ter oferecido um blockbuster, "Ocean's Twelve", e o mais marginal "Bubble" (que em Portugal só foi exibido no Lisbon Village Festival), Steven Soderbergh regressa com um filme que, embora oriundo de um grande estúdio (a Warner) e contendo um elenco de caras mediáticas - George Clooney, Cate Blanchett, Tobey Maguire -, não deixa de ser um projecto arriscado e experimental, confirmando o percurso atípico e imprevisível do realizador norte-americano.

Centrado em Berlim poucos dias depois da Segunda Guerra Mundial, "O Bom Alemão" (The Good German) tem a particularidade de ter sido filmado como uma obra criada na década de 40, recuperando sinais do cinema clássico que influenciam aqui toda a componente formal, desde o obrigatório preto-e-branco à montagem, enquadramentos ou banda-sonora, com uma minúcia que nem deixa de fora as legendas.

Este perfeccionismo mimético não faz, contudo, do filme um trabalho meramente revisionista, já que a acção, que se desenvolve numa ambígua e amargurada atmosfera pós-guerra, acaba por ter ressonâncias sobre a conjuntura actual dos EUA, aproximando "O Bom Alemão" de outros títulos onde George Clooney tem colaborado e que se distinguem também por um forte questionamento político ("Syriana" ou "Boa Noite, e Boa Sorte").

Berlim surge como palco estilhaçado de múltiplas contradições, deixando os sobreviventes do Holocausto com as feridas da guerra, a maior delas o peso da culpa que muitos tentam delegar nos outros. Dominado por personagens de moral dúbia, o filme usa como elo de ligação entre estas um matemático alemão que é procurado por americanos e russos, mas cujo paradeiro apenas é conhecido pela sua esposa, Lena, que entretanto reencontra Jake, um repórter americano com quem manteve uma relação.

Incorporando códigos do film noir, evidentes numa atmosfera estilizada, num argumento intrincado ou na construção de personagens, "O Bom Alemão" arranca de forma intrigante mas aos poucos vai perdendo o fôlego, já que a sofisticação visual não impede que a narrativa se torne cada vez mais mecânica e vá anulando as potencialidades de uma premissa com interesse.

Se o ritmo desigual não ajuda, as personagens também não são uma grande mais-valia, pois nunca conseguem afastar-se de figuras bidimensionais que raramente despertam qualquer empatia. A situação é especialmente penosa quando o elenco tem trunfos fortes como uma enigmática Cate Blanchett, segura na composição de uma dilacerada femme fatale; George Clooney, igual a si próprio mas competente; ou Tobey Maguire, com uma presença mais curta e entregue a uma personagem que talvez merecesse maior desenvolvimento.

"O Bom Alemão" resulta assim numa obra com a qual é difícil lidar: por um lado, tem sequências brilhantes onde Soderbergh esmaga pela mestria com que filma, exibindo um notável savoir faire técnico - ainda mais impressionante tendo em conta que o realizador também se encarregou da montagem e da fotografia, esta última o melhor que o filme tem -; por outro, dilui esse efeito num argumento incapaz de entusiasmar, gerando doses crescentes de distância e indiferença. Do balanço obtém-se uma película mediana e pouco memorável, que não mancha o (igualmente desequilibrado) currículo do cineasta mas também não se junta à lista dos seus títulos mais marcantes.


E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

4 comentários:

Nelson Magina Pereira disse...

Ainda não vi este The Good German, falha minha. Mas estou com imensa curiosidade.

Cumps.

gonn1000 disse...

Também tinha alguma curiosidade, mas é melhor não esperares muito...

Anónimo disse...

Acho que estou um bocado sozinha na defesa deste filme como obra surpreendente e notável, tanto pelo cruzamento de referências - o que o torna num oceano de delicia cinéfila - como pelo que significa fazê-lo agora, não somente como revivalismo mas como prova de que ainda é possível filmar-se assim, ainda faz sentido haver estas histórias hoje...

gonn1000 disse...

Não digo que não faça sentido, o problema não é ser uma obra anacrónica mas antes o facto de raramente me ter despertado interesse pelas suas personagens. Se o argumento fosse tão irrepreensível como a componente formal teríamos um grande filme, mas assim...