sábado, janeiro 22, 2005

UM MUNDO PERFEITO

Impulsionada por sagas como "Matrix", a ficção científica é um dos géneros que tem dominado grande parte da produção cinematográfica recente.
Contudo, como a emblemática trilogia dos irmãos Wachowski pode comprovar, muitas vezes a surpresa gerada pelos prodigiosos efeitos especiais e por um dinâmico trabalho de realização e montagem pode sobrepor-se à criatividade do argumento, à solidez da direcção de actores ou à construção de personagens tridimensionais.

"Equilibrium", segunda longa-metragem de Kurt Wimmer (nome que se destacou pela colaboração na escrita de argumentos, entre os quais os de "A Esfera", de Barry Levinson, ou "O Caso Thomas Crown", de John McTiernan), consegue contornar parcialmente alguns dos habituais vícios do género, apostando numa narrativa escorreita e numa apelativa energia visual.

Filme de ambientes futuristas e sofisticados, centra-se numa sociedade gerada após a III Guerra Mundial e caracterizada por um acentuado desenvolvimento tecnológico.
Face às potencialidades do desenvolvimento da ciência, mentes menos bem-intencionadas poderão colocar em risco o bem-estar geral, por isso os orgãos com poder de decisão implementaram um minucioso sistema que pretende tornar os cidadãos cada vez mais organizados e controlados.
O principal mecanismo para conduzir à ordem e obediência global passa pelo bloqueio das emoções e sentimentos humanos, assim como de formas que os expressem (a arte em todas as suas vertentes), anulando o impulso criativo e encorajando a apatia.
De acordo com a ideologia dominante, se a repressão emocional for absoluta, os sentimentos mais negros e perversos - que estiveram na origem dos cenários mais catastróficos e abomináveis da História da Humanidade - não irão revelar-se nem conduzirão ao colapso civilizacional.
De forma a evitar a manifestação de emoções, os cidadãos são obrigados a tomar diariamente uma droga, "Prozia II", e asseguram assim o pleno funcionamento do sistema.

No centro da acção do filme encontra-se John Preston, interpretado por Christian Bale. Preston é um dos agentes especiais cuja função é eliminar eventuais indivíduos resistentes à lei, sobretudo aqueles que evitam as obrigatórias doses de "Prozia II" e insistem em dar continuidade a um submundo orientado pela arte.
Christian Bale, o "novo" Batman, demonstra ser um actor capaz de encarnar Preston com uma invulgar frieza emocional e considerável perspicácia, apostando nos tons gélidos e soturnos que já havia proporcionado em "American Psycho", de Mary Harron.
Mais surpreendente ainda é o processo de transformação que a sua personagem sofre à medida que vai questionando os pressupostos da sua sociedade e (re)descobrindo as emoções reprimidas.

Kurt Wimmer apresenta um eficaz trabalho de realização, que tanto abraça cinéticas e trepidantes cenas de acção, muito bem coreografadas - ainda que com piscadelas de olho a "Matrix" - ou que se debruça em pontuais momentos mais sóbrios e intimistas, sobretudo na fase da contínua tensão emocional do protagonista.
As atmosferas urbanas do filme possuem também o negrume necessário para tornar esta mistura de ficção científica, thriller, suspense e drama suficientemente estimulante, sombria e claustrofóbica.

É certo que não é difícil encontrar múltiplas influências em "Equilibrium", desde o seminal "1984", de George Orwell, até ao estilo visual de "Blade Runner", de Ridley Scott, ou "Relatório Minoritário" (Minority Report), de Steven Spielberg.
Contudo, o filme de Kurt Wimmer consegue destacar-se através de uma narrativa bem arquitectada e ritmada (mesmo assim, o final previsível e anti-climático dispensava-se), uma consistente galeria de actores (além de Bale, saliente-se a presença de uma inesperada Emily Watson) e uma tensão dramática mais forte do que a que costuma caracterizar este género de películas (que muitas vezes não passam de uma colagem de efeitos especiais e repetitivas cenas de acção).

Não sendo uma obra-prima nem um trabalho particularmente original, "Equilibrium" é um filme absorvente e uma das boas surpresas da ficção científica recente. Nos dias que correm, já são motivos suficientes para o tornar num título meritório e num caso a (re)visitar.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

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