sexta-feira, setembro 30, 2005

COMBATES SEM MURROS NO ESTÔMAGO

Depois do sobrevalorizadíssimo biopic “Uma Mente Brilhante” e do quase ignorado western esotérico “Desaparecidas”, Ron Howard assinala o regresso à realização com “Cinderella Man”, a sua visão sobre a história verídica de Jim Braddock, pugilista que se tornou célebre durante a Grande Depressão.

Paradigma do self-made man e de figura abençoada pelo sonho americano, Braddock teve uma carreira conturbada e irregular, vincada por múltiplas derrotas que quase o obrigaram a abandonar definitivamente os ringues de boxe e a sujeitar-se a outra ocupação.
Contudo, quando ninguém esperava, o pugilista provou ser um lutador – literalmente – e o seu empenho e perícia contribuíram para que se tornasse num símbolo de heroísmo e persistência.

Baseando-se nestes factos, “Cinderella Man” tem reunidas as condições para ser mais um filme centrado no triunfo sobre a adversidade, e é precisamente isso em que acaba por se tornar, apresentando mais um concentrado de esperança, optimismo e obstinação habitual no cinema mainstream norte-americano (e descaradamente orientado para os Óscares).

Esse elemento não é necessariamente mau, mas quando o mentor do projecto é alguém como Ron Howard os resultados dificilmente seriam os mais criativos e ousados. De facto, a película só a espaços consegue afastar-se do esquematismo que domina tantas outras obras do género, e aqui sofre ainda mais dessa tipificação ao apostar nos clichés dos “filmes de boxe”. Ou seja, uma lógica linear onde o espectador sabe que a fase inicial, geralmente amargurada, logo conduzirá a um desenlace próspero e profícuo.

Howard segue essa via formatada, e se até o faz com alguma competência – o ambiente de época está bem recriado, a fotografia e a banda-sonora não comprometem, o elenco (onde constam Russell Crowe, Rennée Zellweger ou Paul Giamatti) cumpre -, não evita cair na previsibilidade, apresentando personagens planas, um trabalho de realização sem rasgos e um argumento que raramente surpreende.

O maior problema, no entanto, é o da narrativa desigual, pois se os primeiros momentos do filme ainda expõem alguma fluidez a última meia-hora, uma sucessão de combates carregados de intermináveis pontos supostamente climáticos (que apenas geram uma tensão forçada e até manipuladora), faz com que os momentos que antecedem o desenlace sejam bastante redundantes e enfadonhos, atirando decididamente o filme para a mediania.

“Cinderella Man”, não obstante uma ou outra cena mais conseguida, é um título que não se afasta muito das obras habituais de Howard: produtos suficientemente eficazes, politicamente correctos, inofensivos, sem considerável marca autoral e que pouco trazem de novo ao Cinema. A vantagem é que também dificilmente insultam – pelo menos de forma gritante – a inteligência do espectador, o que nos dias de hoje já é um factor a salientar.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

quinta-feira, setembro 29, 2005

O MEU CHOURIÇO É MELHOR QUE O TEU!

Pois é, o país está animado com a sempre entusiasmante fase de campanha eleitoral. Mas o que seria de uma campanha sem um cartaz à altura, sobretudo nos dias de hoje onde a imagem parece sobrepôr-se a tudo o resto?

Alguns dos cartazes mais... errr... "peculiares" podem ser encontrados aqui, e os três próximos visitantes do site ganham um chouriço caseiro (calma, esta parte do prémio era só um teste, mas digam lá se não é um isco apelativo?).

O DESPERTAR DAS MEMÓRIAS

Estreia de Omar Naïm na realização, “The Final Cut – A Última Memória” desenrola-se numa sociedade futurista marcada por novas descobertas tecnológicas, sendo uma delas um chip que é instalado no cérebro à nascença e que regista todos os momentos da vida de um ser humano, gravando as suas memórias. Estas recordações digitalizadas serão a base para a criação de vídeos após a morte daqueles que tiveram o chip incorporado, vídeos esses que são editados por especialistas e exibidos nos funerais.

Esta ideia daria para gerar um filme entusiasmante, pois fornece material suficiente para discutir questões éticas relacionadas com o direito à privacidade ou com a morte, mas o “The Final Cut – A Última Memória” não assenta tanto neste conceito e envereda antes por territórios do thriller, explorados de forma rotineira e pouco imaginativa, desperdiçando assim o considerável potencial da sua premissa.

Para além de um bom ponto de partida, a película de Omar Naïm conta também com actores talentosos, mas também estes são subaproveitados. Robin Williams, o protagonista, não é especialmente interessante no papel de um solitário editor de memórias que descobre uma marcante imagem ligada ao seu passado (a milhas da ambiguidade e complexidade da sua interpretação em “Câmara Indiscreta”, de Mark Romanek); Mira Sorvino tem uma presença demasiado discreta e uma personagem fraca para defender; e Jim Caviezel oferece um desempenho competente mas o argumento não o deixa fazer mais.

Assim, “The Final Cut – A Última Memória” está longe de ser uma primeira obra promissora, uma vez que Naïm não consegue proporcionar uma narrativa coesa e intrigante que poderia ter tornado este projecto num grande filme, tendo em conta que aborda o tema da memória, capaz de originar resultados absorventes (como “O Despertar da Mente”, de Michel Gondry; “Memento”, de Chris Nolan; ou “Pago Para Esquecer”, de John Woo, por exemplo).
O que resta é uma película insípida e monótona, incapaz de surpreender e desprovida de qualquer tensão dramática, que se vê sem esforço mas que dificilmente gerará boas memórias...

E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL

quarta-feira, setembro 28, 2005

MIX DOS 90s

Um dos discos de estreia mais estranhos e inclassificáveis de finais dos anos 90, “Glee” apresentou ao mundo – ou a parte dele – os canadianos Bran Van 3000, colectivo de Montreal criado pelo DJ/ realizador de vídeos e documentários Jamie “Bran Man” Di Salvio que agrega quase 20 elementos e apresenta uma paleta sonora igualmente extensa.

Editado em 1998, o álbum é uma gigantesca amálgama de quase todas as sonoridades que marcaram a década, apresentando um ecléctico melting pot que inclui pop, soul, techno, trip-hop, rap, drum n’ bass, electrónica, folk, hip-hop, spoken word, funk, lounge, indie rock, R&B, reggae ou country, entre outras contaminações difíceis de catalogar.

Esta inegável diversidade é cativante e conquista pela ousadia e doses de desafio que expõe, mas também torna “Glee” num disco demasiado desequilibrado e fragmentado, que tanto gera momentos geniais e de antologia como oferece exercícios de um cut n’ paste algo inconsequente e enfadonho.

Felizmente, os episódios inspirados superam os mais banais, e algumas das primeiras canções do álbum são concentrados de energia contagiante, como o denso “Forest”, o melódico e viciante “Rainshine”, o fugaz e emotivo “Problems”, o intrigante e soberbo “Afrodiziak” ou o irresistível single “Drinking in LA”.
A recta final do disco é bem menos estimulante, uma vez que temas como “Old School”, “Willard” ou “Mama Don’t Smoke” não contêm uma mistura de géneros tão conseguida e seriam mais adequados como lados-b, pois apenas desequilibram um álbum que por vezes roça o brilhantismo.

Imprevisível e envolvente, por vezes intencionalmente kistch mas também subtil, a estreia dos Bran Van 3000 expõe uma atitude fusionista que aproxima a banda de nomes como Beck, Tricky, Beastie Boys, Cibo Matto, Luscious Jackson, Soul Coughing, Dee-Lite, Whale, Gorillaz ou Morcheeba, entre outros projectos que se destacaram pelo inventivo cruzamento de referências aparentemente distantes.

Muito bem produzido e com solidez a nível instrumental e vocal (as combinações das vozes de Jayne Hill e Sara Johnston, da cantora soul Stephane Moreille, do MC Steve “Liquid” Hawley e do próprio Di Salvio originam resultados muito entusiasmantes), “Glee” consegue conciliar vibração emocional a um apelativo sentido de humor, tornando-se num disco convincente e com personalidade mas que não é a obra-prima que por vezes ameaça ser pois dispara em várias direcções e nem sempre acerta. Quando o faz, no entanto, proporciona momentos que lhe permitem juntar-se à lista de álbuns muito meritórios – e injustamente esquecidos – dos anos 90.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

A MORTE FICA-LHES TÃO BEM

Através de filmes marcantes como "Night of the Living Dead" (1968), "Dawn of the Dead" (1978) e "Day of the Dead" (1985), George Romero tornou-se num dos nomes fulcrais do cinema de terror, particularmente de obras centradas em aventuras com zombies e largas doses de suspense.

"Terra dos Mortos" (Land of the Dead), quarto episódio da saga dos mortos, volta a evidenciar o profissionalismo do cineasta, confirmando que ainda é um autor a ter em conta e capaz de dar continuidade à sua respeitável filmografia.

Desenrolando-se anos após os eventos de "Day of the Dead", a película não é uma sequela desta última mas o seu ponto de partida assenta nas situações que aí ocorreram. Assim, o filme decorre numa realidade futura onde a Terra foi dizimada por zombies, forçando os seres humanos a ocupar lugares estratégicos onde conseguem ainda sobreviver e escapar à ameaça dos seus perigosos antagonistas e predadores.

Um desses locais é Fiddler's Green, dividido entre uma zona quase paradisíaca, reservada aos mais ricos e abastados, e e as zonas periféricas, guetos de onde reside a maior parte dessa sociedade.
Contudo, aos poucos até esta cidade, à partida um refúgio seguro, será alvo das investidas dos mortos-vivos, pois estes tornam-se menos irracionais e adoptam um plano que colocará em risco a continuidade da raça humana.

Embora não seja uma obra especialmente criativa - o que tem para oferecer já foi feito, sobretudo pelo próprio Romero -, "Terra dos Mortos" é, ainda assim, um bom concentrado de acção, suspense, terror, drama, algum humor negro e um travo de gore, capaz de proporcionar um muito competente exercício de série B.

Há alguns elementos pouco conseguidos, como a irregular direcção de actores (onde se destacam, apesar de tudo, John Leguizamo ou Dennis Hopper) ou a superficialidade das personagens, compensados por um argumento linear mas eficaz, um ritmo equilibrado e sempre envolvente e um astuto trabalho de realização, que apesar do notório low-budget consegue ser bastante seguro.

"Terra dos Mortos" proporciona alguns momentos de assinalável desconforto e claustrofobia, para os quais contribuem a convincente soturnidade dos zombies ou as intrigantes atmosferas nocturnas, e felizmente Romero mantém uma postura back to basics, ou seja, fixa-se no que é essencial e não se perde em sequências de carnificina descontrolada ou em cenas de pirotecnia megalómana, concedendo assim uma considerável carga realista aos acontecimentos. Interessante, também (embora um pouco óbvio e simplista) é o subtexto social do filme, onde o realizador recorre a alguma ironia e estabelece paralelismos com as desigualdades presentes no mundo contemporâneo.

Não atingindo o estatuto de clássico nem de obra essencial - ao contrário de outros títulos de Romero -, "Terra dos Mortos" eleva-se, contudo, acima da mediania e supera o nível medíocre da maioria da concorrência dentro do género, que ultimamente se tem mostrado muito pouco profícua. Não chega a ser o melhor do que se fez recentemente em domínios de filmes de zombies - "28 Dias Depois", de Danny Boyle, é mais inventivo e surpreendente -, mas anda lá perto, conquistando pela eficácia, economia e rigor que evidencia.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

terça-feira, setembro 27, 2005

MAGIA, PRECISA-SE

Adaptação para o grande ecrã da série televisiva homónima dos anos 60, “Casei com uma Feiticeira” (Bewitched) é uma comédia romântica realizada por uma especialista do género, Nora Ephron (“Sintonia de Amor”, “Você tem uma Mensagem”), e protagonizada por dois dos actores mais mediáticos de Holywood, Nicole Kidman e Will Ferrell.

Isabel Bigelow (Kidman) é uma jovem feiticeira que, cansada de ver a sua vida facilitada pela magia, tenta tornar-se numa mulher normal, ambicionando viver os dramas e contrariedades do quotidiano urbano sem contar com a ajuda dos seus dons.
Ingénua e emotiva, Isabel procura também encontrar algo que nunca teve oportunidade de conhecer, uma das poucas coisas que não pode adquirir graças aos seus bruxedos: o amor.

Por ironia do destino, Isabel trava conhecimento com Jack Wyatt, um actor que tenta reabilitar a sua carreira através da participação numa nova versão da série televisiva “Casei com uma Feiticeira”, na qual interpretará um dos papéis principais, repartindo o protagonismo com... Isabel, que se estreia assim como actriz de forma inesperada.

“Casei com uma Feiticeira” é um filme com uma premissa curiosa, pois não se limita a apresentar um episódio longo e devidamente actualizado da série mas baseia-se nesta para a utilizar como mote do próprio argumento, propondo uma experiência com algum potencial.
Infelizmente, esta é uma daquelas películas cuja execução não está à altura do potencial, pois apesar de um ponto de partida relativamente engenhoso o filme desenvolve-se de um modo bastante rotineiro e previsível, raramente arriscando sair do formato estereotipado de uma comédia romântica comercial e pouco inventiva.

A realização de Ephron é competente, mas indistinta, as interpretações são igualmente aceitáveis, ainda que desprovidas de grande carisma – Kidman cumpre, mesmo com uma personagem sem substância, Ferrell é menos apatetado e mais tolerável do que noutros papéis (supostamente) cómicos e Michael Caine e Shirley MacLaine são dois secundários que mal têm oportunidade de mostrar o que valem -, mas o maior problema é mesmo o do argumento, uma colecção de clichés onde o moralismo fácil e o romance pouco inspirado geram um resultado monótono e cansativo.

Os episódios cómicos também raramente funcionam, e no máximo suscitam um discreto sorriso benevolente, pois o tipo de humor presente em “Casei com uma Feiticeira” é tão estafado e politicamente correto que provavelmente só agradará a tias e sobrinhas que apreciem filmes limpinhos, inofensivos e pouco desafiantes.

Não acrescentando nada de novo e não conseguindo sequer funcionar enquanto um entretenimento escorreito, “Casei com uma Feiticeira” afunda-se na sua própria leveza e é apenas mais um filme inócuo, apropriado para encher a programação televisiva das tardes de fim-de-semana e pouco mais. Uma obra francamente dispensável, e não há feitiço que a salve...

E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL

O CAMPO E A CIDADE

E pronto, chegou ao fim este fim-de-semana prolongado (para mim), passado entre deambulações nocturnas na sexta por Lx @night na sexta e um devio para o interior durante os três dias seguintes.

Após uma friday night fever um pouco infrutífera, que não correu bem conforme o esperado, parti na manhã de sábado para o Fundão, em plena época das vindimas, onde revi alguns familiares e conheci mais uns quantos de quem nunca tinha ouvido falar (they're everywhere...), dei uma mãozinha no campo (quanto mais não seja para que não me chamassem "menino da cidade") e ainda tive tempo para uns mergulhos (o Verão já acabou, é certo, mas há que aproveitar as últimas résteas de Sol). Não deu para descansar muito, mas foi um contraponto apropriado para uma semana de "overdose" cinematográfica...

sexta-feira, setembro 23, 2005

PEDAÇOS DE UMA VIDA

Loïc é um jovem de 20 anos que reside numa cidade suíça, dividindo a sua rotina entre o trabalho numa fábrica de chocolates e conversas na internet onde combina encontros sexuais com estranhos.

Não tendo nenhum projecto especial para o seu futuro, Loïc pensa apenas nas experiências do seu dia-a-dia, até que certos acontecimentos fazem com que comece a cansar-se das recorrentes aventuras hedonistas com múltiplos parceiros e a procurar algo mais, embora não saiba definir exactamente aquilo que busca.

“Garçon Stupide”, de Lionel Baier, é um estudo de personagem que se debruça sobre as atribulações e conflitos interiores de um jovem cujo espectro emocional se torna cada vez mais denso à medida que vai deixando de ter referências que o orientem ou encoragem.

Embora estabeleça alguns laços afectivos com a sua melhor amiga Marie, com quem mantém uma relação próxima mas também dolorosa; com Lionel, um dos homens que conheceu via internet e o único que não o encara como um objecto sexual; e com Rui, um jogador de futebol local que idolatra; Loïc acaba por se deparar, ainda assim, com a solidão, que juntamente com a sua falta de cultura e de objectivos lhe antecipa um futuro pouco promissor.

Lionel Baier gera uma primeira longa-metragem sólida e envolvente, conseguindo delinear um retrato introspectivo sobre as dores do crescimento, a confusão sexual e as contrariedades da amizade, recorrendo a um estilo de realização realista e por vezes próximo de um registo documental (sobretudo nos diálogos do protagonista com Lionel, próximos de uma reportagem televisiva), apresentando algumas similaridades com “Não Dou Beijos”, de André Téchiné, ou “L.I.E. – Sem Saída”, de Michael Cuesta.

A tridimensionalidade do filme é reforçada pelas muito consistentes interpretações, e Pierre Chatagny, no papel principal, é especialmente exemplar, irradiando uma espontaneidade e ingenuidade credíveis e cativantes, moldando uma personagem forte e interessante de seguir. Para tal terá contribuído o facto de muitas das situações do argumento se basearem na vida do próprio actor (e na do realizador), o que torna a narração na primeira pessoa em voz-off, na última cena, particularmente significativa.

“Garçon Stupide” é uma obra apelativa mas que nem sempre resulta, evidenciando algumas fragilidades (de resto, naturais numa primeira longa-metragem). Se as cenas entre Loïc e Marie ou as deambulações nocturnas do protagonista (estas vincadas por ocasionais cenas de sexo cruas, mas nunca exibicionistas) resultam bastante bem, originando uma primeira hora de filme inspirada, as sequências com Rui, o jogador de futebol, são algo forçadas e desnecessárias, expondo inclusivamente alguns problemas de ritmo.

No entanto, estes passos em falso não chegam a afectar de forma muito grave a consistência da película, que apesar disso é uma sensível, melancólica mas também divertida perspectiva acerca do fim da adolescência e da entrada na idade adulta, fase difícil e complexa mas capaz de inspirar entusiasmantes abordagens cinematográficas. Felizmente, é o caso.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

TONIGHT TONIGHT...

...Electrodomésticos @Incógnito

Quem mais vai?

Actualização: Bem, afinal acabei por não ir, estive por Lisboa à noite mas alguns episódios conturbados fizeram com que, infelizmente, tivesse de alterar os planos. Espero que quem foi se tenha divertido... Entretanto nos próximos 3 dias vou estar pelo interior, por isso bom fim-de-semana ;)

LINKS E BLINKS

Obrigado aos responsáveis pelos blogs Brunomon, Kraak FM <'+++< e Trips Along the Blue por me blinkarem ;)

quinta-feira, setembro 22, 2005

ENSAIO SOBRE A VINGANÇA

Um dos filmes orientais mais elogiados dos últimos anos – vencedor do Grande Prémio do Júri na edição de 2004 do Festival de Cannes, por exemplo -, “OldBoy – Velho Amigo” é o segundo tomo da trilogia da vingança do sul-coreano Park Chan-Wook, iniciada com “Sympathy for Mr. Vengeance”, de 2002 (que não chegou a salas nacionais).

Oh Dae-Su chega ao fim de uma aparentemente normal noite de boémia já sob os efeitos do álcool, mas estaria longe de imaginar que uma situação destas não voltaria a ocorrer tão cedo, e menos ainda que não reencontraria a sua mulher e filha, pelo menos nos próximos anos, uma vez que é raptado e encarcerado num pequeno quarto de hotel por motivos que desconhece.

Contudo, esse estado de súbito aprisionamento, angustiante e misterioso, prolonga-se por quinze anos, durante os quais Oh Dae-Su não contacta com ninguém (excepto com alguns indivíduos que lhe levam a comida) e só toma conhimento do mundo exterior através da televisão.
Após mais de uma década de reclusão forçada, o protagonista é finalmente libertado, tendo então apenas um motivo que orienta a sua existência amargurada: vingar-se daquele que o condenou a um longo martírio e lhe destruiu a vida.
Com base nesta premissa, “Oldboy – Velho Amigo” segue os cinco dias infernais que se sucedem à ansiada liberdade de Oh Dae-Su, onde este inicia uma jornada pela qual esperava há vários anos.

Park Chan-Wook apresenta um filme intenso e efervescente, com momentos de uma violência explícita e brutal, marcada por um considerável sadismo e requintes de malvadez.
Comparado a “Kill Bill: A Vingança”, de Quentin Tarantino, “Oldboy – Velho Amigo” exibe, à semelhança deste, largas doses de humor negro e cenas de violência estilizada, mas as atmosferas da película de Wook são mais doentias e claustrofóbicas e não apostam tanto numa amálgama de referências da iconologia pop.

Visualmente estimulante, o filme capta eficazmente o negrume dos ambientes urbanos, com contrastes de cores e texturas que mesclam traços das estéticas de David Fincher e Wong Kar-Wai, mas a absorvente banda-sonora é igualmente decisiva para complementar a visceralidade e energia cinética de muitas sequências.

Embora seja uma obra interessante, “Oldboy – Velho Amigo” só atinge um patamar superior na recta final, quando as motivações do antagonista de Oh Dae-Su são reveladas e geram momentos de grande impacto dramático.
Até aí, o filme motiva e inquieta mas não chega a conquistar por completo, pois apesar de contar com um ponto de partida curioso não se afasta muito de uma convencional estória de vingança (contada com competência formal mas sem golpes de génio, que só surgem na última meia-hora).

O estilo é conseguido e inatacável, mas em termos de impacto emocional o resultado é mais desequilibrado, e o facto de nenhuma personagem não gerar especial empatia também não ajuda.
Um filme a (re)descobrir, mesmo assim, ainda que o epíteto de “obra-prima” seja excessivo para designar um título meritório, mas longe de indispensável.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

quarta-feira, setembro 21, 2005

NOVOS OLHARES

Um olhar sobre a sociedade argelina actual, “City of Happiness” é um documentário de Michael Roes que se centra nas vivências de alguns jovens inconformados com um sistema que não aceitam mas ao qual têm, ainda, que se submeter.

Partindo das perspectivas de Nadir, um estudante universitário que apresenta ao espectador as figuras, locais e situações que marcam o seu dia-a-dia, o filme mergulha em parte do quotidiano de um país cujos reflexos dos desequilíbrios políticos e económicos são bem evidentes.

Recusando a digressão turística de cartão-postal e afastando-se igualmente de retratos de um miserabilismo fácil e oportunista, “City of Happiness” oferece uma pertinente e interessante reflexão acerca de uma cultura distante dos padrões das sociedades ocidentais, mas como Michael Roes expõe, alguns elementos das novas gerações vão tentando, com maior ou menor persistência, encontrar alternativas que lhes permitam alterar ou abandonar uma sociedade que tanto os acolhe como os reprime.

Por vezes leve e espirituoso, noutros momentos melancólico e amargurado, “City of Happiness” é um documentário escorreito, conseguindo aliar a vertente lúdica à informativa, mas sofre de óbvias limitações técnicas, com um trabalho de realização pouco inventivo e que evidencia meios modestos. A película tem também um ritmo irregular, apresentando sequências excessivamente longas e redundantes que a tornam numa obra desigual.

Contudo, num projecto destes os elementos técnicos acabam por contar menos do que os humanos, e Roes gera aqui um documentário honesto e com alma, muito por culpa da genuinidade e empatia emanadas por Nadir, que conduz a acção de forma envolvente q.b..

Modesto, mas relevante, “City of Happiness” é mais um dos bons exemplos da versatilidade e abrangência temática do cinema documental, género que se tem afirmado nos últimos anos e que encontra em Michael Roes mais um curioso nome com potencial.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

terça-feira, setembro 20, 2005

CRIMES PASSIONAIS

Primeira longa-metragem de Pierre Erwan Guillaume, “L’ Ennemi Naturel” desenrola-se numa pequena aldeia francesa assombrada pela misteriosa morte de um adolescente.
Nicolas Luhel é um jovem agente da judiciária cuja missão é descobrir que situação levou à morte do rapaz, mas a resolução desse mistério complexifica-se à medida que as investigações apontam para suspeitos que se recusam a cooperar na busca de respostas.

Serge Tanguy, o pai da vítima, é acusado pela sua ex-mulher de ter assassinado o seu filho, por isso Nicolas considera-o o principal suspeito deste caso, mas ao realizar os seus inquéritos o jovem investigador apercebe-se de que esta não é apenas mais uma missão, estabelecendo uma estranha e conturbada relação com Tanguy.

“L’ Ennemi Naturel” percorre territórios do policial francês, mais centrado na componente psicológica do que em cenas de perseguições e tiroteios, apresentando um conflito essencialmente cerebral entre as personagens.

As paisagens naturais do norte da Finisterra, com tanto de belo como de estranho e inóspito, são um cenário apropriado para reforçar a crescente solidão e nervosismo de Nicolas, que se encontra numa busca sem aliados e com múltiplos entraves.
A realização árida e naturalista de Pierre Erwan Guillaume também contém a sobriedade necessária para que o filme exponha uma vital carga de verosimilhança e realismo, mas a película não resulta tão bem noutros elementos, sobretudo na concepção do argumento e das personagens.

As atmosferas nebulosas e enigmáticas do filme não encontram, infelizmente, um contraponto à altura no mistério que envolve a morte do adolescente, solucionado de forma pouco convincente, que se limita a esconder factos do espectador pretendendo assim surpreender.

Outro problema são as personagens, figuras que não geram empatia nem interesse, tornando-se figuras demasiado distantes e mal definidas, com a eventual excepção do protagonista. Os traços da crise existencial que começa a contaminar Nicolas prometem um intrigante estudo de personagem, mas a execução não é especialmente entusiasmante, e a sua relação com Serge, vincada pela sugestão de uma carga homo-erótica latente, contém potencial mas é subaproveitada.

Desequilibrado e frequentemente enfadonho, “L’ Ennemi Naturel” limita-se a seguir os códigos do policial e só a espaços se afasta da banalidade.
Há momentos conseguidos, como os da dilaceração emocional de Nicolas (nos últimos minutos do filme) ou as sequências nocturnas à beira-mar, que apresentam uma interessante aura lacónica, mas não chegam para compensar a falta de chama do argumento, o ritmo letárgico da narrativa, as personagens superficiais ou as interpretações de escasso carisma, tornando esta numa primeira-obra desinspirada e indistinta.

E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL

segunda-feira, setembro 19, 2005

A CEREJA EM CIMA DO DISCO

Com um aclamado álbum de estreia, "Felt Mountain", de 2000, e com um igualmente elogiado segundo registo gerado três anos depois, "Black Cherry", os Goldfrapp rapidamente se tornaram num dos nomes centrais de tudo aquilo que oscila entre o electro e o trip-hop, criando canções que, apesar das influências reconhecíveis, continham personalidade, carisma e sofisticação.

"Supernature", o terceiro disco, não ameaça o respeitável estatuto de Allison Goldfrapp e Will Gregory, mas reafirma a sonoridade típica do duo em vez de apostar na sua reinvenção. Se "Felt Mountain" era um álbum marcado por torch songs etéreas, contemplativas e aurais, "Black Cherry" surpreendeu ao proporcionar um interessante contraponto, com canções que apelavam mais ao corpo do que à mente, disseminando consideráveis cargas de sensualidade através de uma insinuante carga electro.

E é precisamente nas pista lançadas por "Black Cherry" que "Supernature" assenta, oferecendo mais um conjunto de temas vibrantes e dinâmicos, fusão de trip-hop, funk, dream pop, disco e electro, que embora nunca estejam abaixo do aceitável também raramente contêm assinaláveis doses de novidade.
A voz de Allison continua intrigante como sempre, mas a composição das canções privilegia mais os ritmos electrónicos do que o elemento vocal, por isso a vocalista só consegue evidenciar com maior liberdade algum do seu potencial em escassos momentos apaziguados, próximos das atmosferas de "Felt Mountain" (casos de "Let It Take U" e "Time Out From the World").

Contudo, estes episódios são apenas pontuais e servem para recuperar o fôlego depois da fricção e energia cinética de temas como "Ooh La La", "Lovely 2 C U" ou "Slide In", concentrados de hedonismo e apelo dançável, mas apesar da eficácia e elegância do cardápio sonoro as ideias de génio só surgem ocasionalmente, como nos encantatórios ambientes de "Fly Me Away" ou na hipnótica estranheza de "Koko".

"Supernature" é um disco com tanto de agradável como de efémero, um apetitoso party album que não traz nada de particularmente inovador mas que cruza referências com um irrepreensível savoir-faire, originando um melting pot que inclui traços dos Eurythmics, Madonna, Gary Numan, Garbage, Ute Lemper, Depeche Mode, Human League ou Sneaker Pimps, entre outros parentes próximos. Não será um álbum para juntar à lista dos essenciais, mas é uma óptima escolha para uma noite passada nas pistas de dança...
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

ERA UMA VEZ UM RAPAZ

Sebastien é um jovem de uma pequena localidade francesa que se muda para Paris e aí começa a delinear um novo estilo de vida, distanciando-se progressivamente da postura tímida e recatada que o caracterizava até então.

À medida que vai conhecendo novos lugares e pessoas, redescobre-se a si próprio e aceita, finalmente, a sua orientação sexual, afastando-se dos constrangimentos e medos que o limitavam na sua cidade-natal.

Contudo, quando tudo parece estar a desenvolver-se de forma próspera, Romain, o seu melhor amigo com quem entretanto perdeu o contacto, telefona-lhe dizendo que está em Paris e que pretende reencontrá-lo. O problema é que, para Sebastien, Romain não era apenas mais um amigo, e reencontrá-lo pode fazer ressurgir uma série de sentimentos dolorosamente ambíguos e confusos.

"Comme un Frère", média-metragem de Bernard Alapetite e Cyril Legann, é um estudo de personagem onde se cruzam as dores da adolescência, o carácter dúbio da amizade e a aceitação (ou rejeição) das orientações sexuais, questões determinantes para a vida de um jovem que tenta descobrir quem é encontrar alguém em quem se reveja.

Enveredando por um estilo realista, próximo de um registo documental, "Comme un Frère" vale pela tentativa de abordar temáticas relevantes, mas não é tão bem sucedido na execução daquilo a que se propõe.

Cyril Legann iniciou o seu percurso como realizadora na televisão e os traços desse meio são evidentes nesta obra, uma vez que a película aproxima-se do esquematismo de um telefilme, apresentando um argumento competente, mas pouco criativo, e interpretações apenas aceitáveis. A realização também não é especialmente inspirada, não se afastando de mais um produto televisivo sem grandes elementos que a permitam distinguir-se.

"Comme un Frère" é assim uma obra modesta, mas meritória, pois as experiências de Sebastien são, apesar de tudo, interessantes de seguir, mesmo que o filme nunca se desprenda do formato típico de uma viagem de auto-descoberta, que a espaços possui momentos consistentes (a cena do reencontro dos dois amigos, por exemplo) mas é demasiado desequilibrada e linear como um todo. Em todo o caso, um título a ver...

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

domingo, setembro 18, 2005

ESCOLA DE ROCK

Baseada numa obra literária homónima de Mikael Niemi, "Popular Music" (Populärmusik Från Vittula) é a terceira experiência do sueco Reza Bagher na realização e proporciona um entusiasmante olhar sobre a amizade de dois rapazes, Matti e Niila, que crescem juntos numa pequena povoação na fronteira entre a Suécia e a Finlândia durantes os anos 60 e 70.

Retrato dos ambientes de pequenas comunidades isoladas, das tensões familiares, do crescimento e da descoberta do rock, "Popular Music" oscila entre o drama e a comédia e oferece uma inspirada história coming-of-age sobre dois jovens que descobrem na música um escape para a monotonia que caracteriza o seu dia-a-dia.

Por vezes terno e comovente - nas cenas do início da amizade entre os protagonistas ou na frágil relação de Niila com a sua família -, noutras ocasiões delirante e divertido - nas excelentes sequências em que os dois rapazes ouvem música rock pela primeira vez ou na pequena demonstração que fazem na sala de aula -, "Popular Music" consegue ser uma película ecléctica e imprevisível, oferecendo alguns pequenos prodígios visuais e narrativos que a tornam numa experiência refrescante.

As atmosferas do filme são vincadas por territórios próximos de um realismo mágico, mas Reza Bagher doseia bem os ambientes oníricos e nunca os torna em elementos que se sobrepõem àquilo que pretende contar.

A espaços, essa bizarria e surrelismo não andam longe dos domínios de Emir Kusturica (como nos hilariantes duelos entres a facção sueca e finlandesa da família de Matti ou nas excêntricas cenas com a avó de Niila), embora Bagher seja geralmente mais contido e equilibrado.

Apesar de ser sempre uma obra cativante, "Popular Music" resulta melhor na primeira metade, quando a loucura controlada da acção gera situações surpreendentes que deixam o espectador algo descoordenado, mas que exibem uma rara energia e inventividade.
O filme perde depois alguma dessa vibração ao seguir modelos mais convencionais, centrando-se nos dilemas que envolvem uma banda de rock em ascensão cujos membros hesitam entre seguir o rumo fácil da fama ou continuar a dedicar-se ao seu projecto artístico. A execução destes momentos ainda é bem conseguida, mas é mais familiar e, por isso, menos desafiante do que a primeira hora.

Mesmo não chegando a ser o grande filme que as cenas iniciais sugeriam, "Popular Music" não deixa de ser uma bela e estimulante surpresa, proporcionando uma memorável reflexão sobre a amizade de dois adolescentes cujos sonhos e ideais eram maiores do que os limites da pequena e retrógada povoação onde cresceram. Uma surpresa recomendável.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

OS PECADOS DA CARNE

Vencedor dos prémios para Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Actor da semana dos realizadores do Fantasporto de 2004 e premiado também nos Festivais de Cinema Fantástico de Amsterdão e Bruxelas, "Carne Fresca, Procura-se" (De Grønne Slagtere / The Green Butchers) é a segunda longa-metragem do dinamarquês Anders Thomas Jensen e oferece uma macabra amálgama de comédia negra, drama e algum suspense.

No cerne da acção encontram-se as tentavivas de mudança de vida de dois amigos, que não suportam mais as humilhações a que o patrão os sujeita e decidem, então, abrir um talho, gerindo assim o seu próprio negócio.

No entanto, nem tudo corre da melhor forma, pois a dupla, embora se empenhe, não consegue atrair clientes, vendo reduzido o seu entusiasmo à medida que cenários pouco auspiciosos parecem cada vez mais inevitáveis.

A situação altera-se, contudo, quando um inesperado incidente lhes fornece um novo tipo de carne incomum mas alvo de grande adesão do público. O único problema é que a carne não é de nenhuma espécie de frango, mas humana...

Recorrendo a um humor ácido e sinistro, "Carne Fresca, Procura-se" é uma obra atípica e curiosa, contendo personagens bizarras e bem conseguidas atmosferas carregadas de estranheza e inquietação.
Por detrás das negríssimas cenas de comédia esconde-se uma reflexão sobre a inadaptação, os traumas de infância e a procura do sucesso a todo o custo, através das quais Anders Thomas Jensen submete os seus protagonistas a uma série de peripécias cruéis mas razovalemente divertidas.

Ainda que conte com um elenco competente, uma interessante energia visual e alguns momentos surpreendentes, "Carne Fresca, Procura-se" não consegue elevar-se acima da mediania, uma vez que o argumento apresenta desequilíbrios quando a premissa subversiva dá lugar a um rumo mais convencional e à busca de redenção dos protagonistas.
As personagens também não são especialmente conseguidas, pois apesar de bizarras nunca passam de caricaturas não muito apelativas.

O resultado é então um filme algo inconsequente que vale pela tentativa de marcar a diferença, mas cuja perversidade que o contamina poderia ter sido melhor explorada. Uma obra tragável, mesmo assim, mas infelizmente não tão apetitosa quanto se esperaria...

E O VEREDICTO É: 2/5 - RAZOÁVEL

sábado, setembro 17, 2005

O ÚLTIMO DESTINO

Steff, imerso em problemas financeiros que afectam o seu negócio de carpintaria, surpreende-se quano lhe revelam que Martin Hilde, o seu ex-namorado, morreu de SIDA, deixando-lhe toda a sua herança.

Embora afectado pela inesperada perda, encontra nestas novas receitas um rumo para uma maior prosperidade económica, mas só terá acesso à quantia que lhe é devida se fizer um acordo com a abastada família de Hilde, que lhe exige que lhes entregue a urna com as cinzas a fim de a colocar junto das campas dos familiares.

Contudo, a realização deste acordo será colocada em causa devido às atitudes de Rex, namorado de Hilde nos seus últimos meses de vida que rouba a urna disposto a lançar as cinzas ao mar, cumprindo assim o desejo que Hilde deixou expresso no testamento.

"Hilde's Journey" (Hildes Reise), de 2004, terceira longa-metragem do suíço Christof Vorster, segue este conturbado processo onde Jeff e Rex entram em fricção constante e iniciam uma viagem de automóvel onde decidirão qual o destino a dar às cinzas de Hilde.

Debruçando-se sobre a temática do luto, interligando-a com um olhar sobre as relações familiares, a SIDA e a sexualidade, a película é um intrigante drama com traços de road movie onde as cinzas de Hilde originarão um renascimento das personagens, que reavaliam aqui os seus ideais e posturas.

Christof Vorster gera adequadas atmosferas lacónicas, apostando num realismo seco e dormente, caracterizado por um forte sentimento de perda e considerável desolação emocional (percorrendo territórios próximos dos de "O Seu Irmão", de Patrice Chéreau).

Formalmente simples mas eficaz, o filme alicerça-se sobretudo nas personagens, suficientemente complexas e humanas para se tornarem interessantes de seguir, e para tal contribui não só o sóbrio argumento mas também as interpretações seguras de todo o elenco.

Um drama subtil e lo-fi, sem os excessos melodramáticos ou efeitos-choque que poderiam minar uma obra que aborda a morte, a SIDA e a homossexualidade, "Hilde's Journey" é uma obra adulta trata questões relevantes de forma inteligente, juntando-se ao grupo de pequenas surpresas que merecem ser descobertas.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

sexta-feira, setembro 16, 2005

O REI DO BAIRRO

Primeira longa-metragem de Peter Sollett, “O Verão de Victor Vargas” (Raising Victor Vargas), de 2002, é um daqueles pequenos filmes independentes que, apesar dos escassos recursos, contêm uma cativante energia e carisma, compensando em imaginação os limites do orçamento.

Ambientada num bairro latino de Manhattan, a película foca a rotina de Victor Vargas, um adolescente cuja reputação de jovem “Don Juan” é ameaçada quando surgem boatos que indicam que se envolveu com “Fat” Donna, uma vizinha cuja aparência não é das mais elogiadas.

Determinado a não deixar cair o orgulho, tenta então limpar a sua imagem através da perseguição de uma nova conquista, “Juicy” Judy, uma rapariga cuja beleza está à altura da gélida relação que tem com os elementos do sexo masculino.

Embora este ponto de partida não pareça muito diferente dos de milhentos filmes sobre adolescentes, Peter Sollett trabalha-o com uma refrescante sensibilidade e um contagiante sentido de humor, originando uma bela perspectiva sobre os primeiros amores, o despertar da sexualidade, a amizade, os laços familiares e as dificuldades do crescimento.

Distante do humor forçado e estereotipado de tantos filmes sobre a juventude, assim como das atmosferas de crueldade, crime e violência que caracterizam muitas obras centradas em bairros pobres, “O Verão de Victor Vargas” foge assim à comédia inconsequente e ao drama “pronto-a-chocar”, gerando um envolvente retrato de personagens credíveis num projecto que convence pela espontaneidade.

O recurso a actores não-profissionais, muitos deles moradores do bairro, foi uma opção inteligente, uma vez que estes encarnam de forma muito realista as suas personagens, e o despojamento do trabalho de realização de Sollett aproxima o filme de territórios do cinema documental, reforçando a verosimilhança das situações.

Leve e espirituoso mas não deixando por isso de ter algo a dizer – veja-se a carga dramática das cenas entre Victor, os seus irmãos e a avó, com momentos muito subtis e comoventes -, “O Verão de Victor Vargas” é uma pequena delícia cinematográfica que apresenta um realizador capaz de criar uma obra com ritmo, intensidade e vibração emocional. Começa bem...

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

QUANDO O TAMANHO IMPORTA

Unindo o drama à comédia e ao musical, "20 Centímetros" é o mais recente filme de Ramón Salazar, um dos novos cineastas espanhóis que assina aqui a sua segunda longa-metragem, que se sucede à elogiada "Piedras", de 2002.

Seguindo o dia-a-dia de Marieta, um travesti cuja maior ambição é realizar uma operação que lhe permita mudar de sexo, o filme é um irreverente e desregrado olhar sobre o submundo urbano e os outcasts que o habitam, onde subsistir está longe de ser uma garantia e os sonhos de prosperidade dificilmente se tornarão realidade.

"20 Centímetros", embora ofereça um retrato seco e realista do meio em que se centra, é frequentemente contaminado por delirantes e imprevisíveis momentos onde as sequências oníricas da protagonista se salientam, gerando interlúdios musicais que fornecem alguma réstea de esperança aos ambientes de negrume presentes em grande parte do filme.

Ramón Salazar proporciona uma película ousada, focando a obstinação de Marieta em se livrar dos 20 centímetros - daí o título da obra - que a impedem de se tornar a mulher que sonha ser, premissa algo arriscada mas que é bem trabalhada pelo realizador.

Muito do apelo da obra deriva das personagens, uma bizarra colecção de losers destinados a viver nas margens da sociedade, uma vez que não se enquadram nos parâmetros de "normalidade" vigentes e que parecem ocupar um mundo à parte.
Fulcral para que essas figuras se tornem bem conseguidas é a contribuição do elenco, que se revela exímio - ou não fosse esse um dos trunfos do cinema espanhol -, encarnando personagens atípicas mas estranhamente verosímeis.

Mónica Cervera, em especial, é soberba, compondo uma protagonista singular e comovente, superando a sua divertida interpretação em "Crime Ferpeito", de Álex de la Iglesia (e apesar de interpretar uma "prostituta com coração de ouro", um tipo de papel algo estereotipado, consegue injectar-lhe personalidade).
A actriz apresenta a carga de androginia ideal para o papel, aproximando-se de uma estrela emblemática do cinema espanhol, Rossy de Palma, que curiosamente também participa no filme, contribuindo reforçando a sua aura incomum e offbeat.

Ramón Salazar gera absorventes atmosferas vincadas por um realismo cru, recorrendo a astutos movimentos de câmara, expondo um trabalho de realização vivo e dinâmico. A sofisticada fotografia ajuda à criação desses ambientes, especialmente intrigantes nas cenas de domínios nocturnos, com um rigoroso cuidado plástico.

"20 Centímetros" recupera alguns traços do cinema de Pedro Almodóvar, recorrendo a uma saudável combinação de melodrama e humor negro para abordar a temática da diferença, do conceito de família ou da sexualidade, centrando-se nas experiências dos rejeitados e desprezados pela sociedade.
Outro elemento almodovariano são as sequências que resgatam um imaginário camp, evidentes nos múltiplos momentos musicais do filme.
Cenograficamente sólidos, estes números são reflexo dos sonhos da protagonista, e embora se tornem demasiado recorrentes geram certos momentos inspirados, cujo melhor exemplo é "Quiero ser santa", protagonizado por zombies queer capazes de fazer inveja a Marilyn Manson.
Curiosa, também, é a escolha da banda-sonora, com versões de temas descaradamente kitsch como "True Blue", de Madonna, ou "I Want to Break Free", dos Queen.

Longe de ser um filme para todos os gostos, "20 Centímetros" é uma obra suficientemente inventiva para figurar entre as boas surpresas de 2005, até porque, convenhamos, não haverá muitas películas protagonizadas por uma prostituta travesti narcoléptica e secundada por uma série de personagens não menos peculiares. Mais uma prova de vitalidade do actual cinema espanhol...

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

quarta-feira, setembro 14, 2005

O AMANTE DE LADY ERLYNNE

Adaptação da peça “O Leque de Lady Windermere”, de Oscar Wilde, “Uma Boa Mulher” (A Good Woman) desenrola-se numa pequena localidade italiana dos anos 30, misturando drama e comédia para apresentar uma história marcada por amores desencontrados, boatos, intrigas e adultério.

Mrs. Erlynne deixa os ambientes da alta sociedade nova-iorquina devido a comentários acerca da sua reputação duvidosa, uma vez que era acusada de promiscuidade, sobretudo com homens ricos e casados. Assim, viaja para Amalfi, em Itália, local onde poderá dar continuidade às suas manobras de sedução, mantendo assim as condições financeiras à altura do seu estatuto social. Contudo, também aí a rede de boatos depressa ameaça colocar a sua imagem em causa, uma vez que as suas atitudes levam a que a relação do jovem casal Windermere se torne cada vez mais frágil e conturbada.

Satírico e divertido, “Uma Boa Mulher” oferece um olhar corrosivo sobre o quotidiano da burguesia, expondo as suas redes sociais caracterizadas por rígidas regras de etiqueta que escondem uma hipocrisia dissimulada mas bastante presente. Os diálogos, em particular os de algumas personagens secundárias, são vivos e críticos q.b., a as pequenas surpresas do argumento ajudam e evidenciar o jogo de aparências que envolve os elementos das classes mais abastadas.

Mike Barker, realizador pouco mediático com uma filmografia que inclui “Planos Ocultos”, thriller indie com uma jovem Reese Witherspoon, ou “Matar o Rei”, drama histórico protagonizado por Tim Roth, proporciona uma película competente e escorreita, mas também demasiado esquemática, aproximando-se, muitas vezes, do formato de uma correcta mas indistinta série televisiva.

Os cenários e o guarda-roupa convencem e as interpretações – de um elenco onde constam Helen Hunt, Scarlett Johansson e Tom Wilkinson – são seguras, mas o filme demora a arrancar, o ritmo da narrativa nem sempre é o mais envolvente, e o trabalho de Barker na realização é eficaz, mas algo impessoal.

“Uma Boa Mulher” é, assim, uma experiência cinematográfica agradável, mas pouco mais, nunca atingindo um nível de inventividade e ousadia que lhe permita subir acima de uma correcta mediania. Uma comédia de costumes que se vê sem esforço mas longe de memorável...

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

FESTIVAL DE (FIM DO) VERÃO

O 9º Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa começa já amanhã, dia 15, e prolonga-se até 21 de Setembro, com ciclos temáticos, debates e outros destaques que terão lugar no Cinema Quarteto, no Instituto Franco-Português, no Goethe-Institut e na Fnac-Chiado.
Para além do cinema, o evento apoia ainda o teatro, em especial a peça "Gay Solo", de Luís Assis, actualmente em cena no Teatro da Comuna.

O festival apresenta diversas longas e curtas-metragens, assim como documentários, à semelhança de anos anteriores, mas desta vez alguns destes títulos estarão pela primeira vez em competição.

Com múltiplas sessões diárias e películas de várias nacionalidades, pretende-se apresentar uma série de perspectivas sobre a temática LGTB e as suas ligações às mutações sociais, culturais e sexuais dos últimos anos, partindo de uma selecção ecléctica composta por filmes inéditos.
Entre os destaques mais apelativos inclui-se ainda a retrospectiva do catálogo New Age, que possibilita (re)ver obras marcantes como "Cidade de Deus", "Old Boy - Velho Amigo", "A Residência Espanhola" ou "O Verão de Victor Vargas", entre outras.

Mais informações no site oficial. Vou passar por lá, a programação promete e aproveito para ver alguns - "Old Boy", por exemplo - que perdi na altura da estreia. Parece-me que, tal como aconteceu com o IndieLX, nos próximos dias vou fazer mais uma maratona cinematográfica, com muitas críticas novas para breve. Mais alguém vai passar por lá?

terça-feira, setembro 13, 2005

PEQUENOS CRIMES ENTRE AMIGOS

Um dos sucessos do cinema alemão recente, “Os Edukadores” (De Die Fetten Jahre sind vorbei / The Edukators) é a segunda longa-metragem de Hans Weingartner, mas a primeira que chega a salas nacionais.

A película segue as peripécias de três jovens que, perante uma sociedade que não consegue integrá-los nem gerar condições de igualdade social, decidem adoptar uma atitude proactiva e organizam alguns actos clandestinos, invadindo casas de famílias abastadas quando os donos estão ausentes, desarrumando os objectos que lá se encontram e deixando mensagens como “Os dias de abundância vão acabar” ou “Vocês têm demasiado dinheiro”.

Revoltados contra um sistema cada vez mais capitalista e desumano, Peter, Jan e Jule encaram os seus actos criminosos como formas de encorajar outros a contestar a sociedade em que se inserem e a lutar pelos seus direitos, visando um maior equilíbrio e igualdade social. Todavia, numa das suas investidas, os planos são interrompidos quando, ao se prepararem para deixar mais uma moradia, se deparam com o dono desta, algo inédito até então. Este imprevisto suscitará uma alteração dos planos do trio, que raptam o homem de meia idade e o levam para uma casa numas montanhas próximas, iniciando uma viagem física e ideológica.

Misto de filme político, drama, thriller e road movie, marcado por alguns momentos de humor, “Os Edukadores” é uma obra fresca e pertinente, debruçando-se sobre questões actuais e fornecendo um interessante retrato de uma juventude algo descoordenada mas que tenta, apesar disso, lutar por aquilo em que ainda acredita, mesmo que as suas convicções não sejam bem recebidas pela maioria.

Hans Weingartner aposta num trabalho de realização simples, mas bastante eficaz, capaz de intercalar ambientes de tensão e suspense com cativantes cenas melancólicas e contemplativas, mantendo sempre traços de um bem conseguido realismo. Igualmente sólida é a direcção de actores, uma vez que o jovem trio protagonista é sempre credível e consegue dar dimensão, humanidade e verosimilhança às suas personagens.

Embora Stipe Erceg (Peter) seja pouco conhecido, Julia Jentsch (Jule) e sobretudo Daniel Brühl (Jan) contam já com filmes mediáticos nas suas carreiras, casos de “Sophie Scoll – Os Últimos Dias”, de Marc Rothemund, protagonizado por Jentsch, e o muito acarinhado “Adeus Lenine!”, de Wolfgang Becker, que deu a conhecer o promissor talento interpretativo de Brühl (que se confirma aqui).

Percebe-se porque é que “Os Edukadores” não é um filme consensual, uma vez que expõe, a espaços, alguns desequilíbrios, sendo o maior destes o didactismo que se insinua em algumas sequências, especialmente gritante numa das conversas que os três jovens têm com o seu prisioneiro e descobrem que este, durante a sua juventude, também foi revolucionário e lutou contra o capitalismo, revelação que suscita uma troca de ideias que se pretende ousada e complexa mas que já não surpreende ninguém. Felizmente, o filme consegue contornar esta cena algo simplista e desenvolve-se de forma mais estimulante nos momentos seguintes, oferecendo um desfecho suficientemente interessante e apropriado aos traços das personagens.

Uma inspirada reflexão sobre o crescimento, a amizade, o conflito de gerações e a solidão, “Os Edukadores” é uma obra idealista, a espaços ingénua e utópica, mas cuja coerência e genuinidade lhe permitem superar alguns dos seus entraves e afirmar-se como um dos mais belos filmes de 2005, que apesar de partilhar elementos com títulos como “Clube de Combate”, de David Fincher, ou “Os Sonhadores”, de Bernardo Bertolucci, consegue definir um espaço seu. E é também um dos raros casos onde a música complementa a imagem na perfeição, originando uma das melhores bandas-sonoras do ano...
E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

segunda-feira, setembro 12, 2005

"Hey there, we're Bloc Party and we're here in gonn1000. Stay tuned!"

BRIT ROCK

Uma das bandas-revelação de 2005, os Bloc Party proporcionam no seu álbum de estreia, "Silent Alarm", umas das melhores surpresas do ano, com um conjunto de contagiantes canções vincadas por uma portentosa vibração rock.

Este jovem quarteto britânico, à semelhança de muitas outras novas bandas actuais - como os Interpol, Franz Ferdinand, The Killers ou Kaiser Chiefs - recupera traços do pós-punk/new wave de inícios da década de 80 e de algum indie rock de meados dos anos 90, adaptando-os aos dias de hoje e gerando um disco sólido que antecipa um percurso promissor.

"Silent Alarm" exibe contaminções de sonoridades dos Joy Division, Gang of Four, The Cure ou My Bloody Valentine, mas sabe incorporar essas influências sem que soe a um mero decalque, conseguindo evidenciar uma identidade e energia próprias e viciantes.

Para a singularidade do projecto contribuem não só as estranhas e incomuns estruturas das canções, que raramente adoptam formatos lineares e sabem como usar a pujança das guitarras e bateria de forma criativa (e dançável q.b.), mas também a igualmente atípica voz de Kele Okereke, capaz de complementar o sentido de urgência, melancolia e tensão de temas como "Like Eating Glass" ou "This Modern Love".

Com tanto de frágil e delicado como de visceral e abrasivo, "Silent Alarm" é um atestado de vitalidade do rock actual e apresenta uma das bandas mais refrescantes de terras de sua majestade, contendo uma série de canções despretensiosas e convincentes.

Embora seja um belo disco de estreia, capaz de sobreviver e cativar mesmo depois de várias audições, peca por ser demasiado homogéneo e longo. Não há aqui nenhum momento fraco, uma vez que todas as canções são consistentes, mas "Silent Alarm" seria ainda melhor se possuísse atmosferas mais diversificadas, pois assim torna-se num disco que resulta melhor quando ouvido em pequenas doses do que na íntegra.

Apesar desse factor, os Bloc Party criam um disco sólido e acima da média, com algumas canções de recorte superior como "Price of Gas", "Banquet" e, sobretudo, "Pioneers", com uma intensidade surpreendente que o coloca entre os melhores singles do ano. Uma estreia muito meritória de um grupo a seguir com atenção, porque estes rapazes ainda vão, com certeza, dar muito que falar...

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

domingo, setembro 11, 2005

MENINAS E MOÇAS

Uma das cineastas mais polémicas e menos consensuais das últimas décadas, Catherine Breillat tem uma filmografia de obras tão elogiadas quanto desprezadas, ou não fosse o sexo uma das temáticas que marca todos os seus filmes.

Desde "Uma Jovem Rapariga", de 1975, até títulos mais recentes como "Romance" ou "Sex is Comedy" que a realizadora tem apresentado películas geralmente centradas em mulheres e que reflectem a perspectiva destas, expondo retratos ásperos, secos e muitas vezes agressivos das relações humanas.

"Para a Minha Irmã!" (À Ma Souer!), de 2001, não é excepção, e segue as experiências de duas irmãs que vivem os primeiros tempos da adolescência. Anaïs, a mais nova, sofre de complexos de inferioridade devido aos seus problemas de peso, expondo uma postura introvertida e recatada; Elena, a mais velha, é confiante e carismática, com uma beleza e espontaneidade que facilmente cativam os rapazes.

Mantendo uma relação de cumplicidade, que origina alguns conflitos mas também um suporte mútuo, as duas protagonistas tomam contacto com o despontar da sexualidade durante umas férias de Verão na praia. Contudo, se Elena facilmente gera uma relação com um estudante universitário, Anaïs vê-se cercada pela solidão e frustração, sentimento reforçado quando os pais a incentivam a passear com a irmã e o namorado, testemunhando até alguns dos episódios mais íntimos destes.

Breillat trabalha de forma entusiasmante e credível as dificuldades e contrariedades sentidas no início da adolescência, em particular a forma como os jovens aceitam - ou rejeitam - as alterações do corpo e o turbilhão emocional que os envolve durante as primeiras relações amorosas e sexuais.

Como já é habitual na sua obra, o sexo adquire aqui um papel determinante, gerando sequências longas e bastante gráficas, mas a forma como o filma é bem menos exibicionista e desprovida da pretensão que tornou "Romance", o seu título anterior, numa banal obra soft porn com aspirações intelectuais.

"Para a Minha Irmã!" é igualmente bem sucedido na direcção de actores, uma vez que todo o elenco é consistente e as duas jovens actrizes, Anaïs Reboux e Roxane Mesquida oferecem desempenhos impressionantes, em especial a primeira, encarnando personagens verosímeis e tridimensionais. A realização e fotografia conseguem originar uma apropriada atmosfera realista, contemplativa e algo amargurada, reflectindo a relutância e as dúvidas das duas irmãs e despoletando cenas de um intimismo claustrofóbico.

No entanto, e apesar de muitos bons elementos, "Para a Minha Irmã!" é um filme que não convence na totalidade devido ao abrupto e apressado final, pois aí Breillat trata as personagens como marionetas tendo em vista apenas uma função: chocar. Se por um lado é um desenlace surpreendente e imprevisível, também é pouco satisfatório e desnecessariamente bruto, ficando muito aquém da intrigante aura de tensão presente no filme até então.

É pena, pois se assim não fosse "Para a Minha Irmã!" poderia ter sido um filme sensível, embora crú, sobre os dilemas da adolescência e da sexualidade. Assim, é mais uma película desequilibrada e mediana, que apesar de desapontante ainda merece ser vista...

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

LINKS & BLINKS

Obrigado à Lost in Space e ao Sam por me blinkarem nos seu blogs ;)

NA AMÉRICA

"Os Profanadores" (The Resurrectionists) foi o livro que se seguiu, em 2002, ao muito elogiado - e nomeado para o Booker Prize - "Os Guardiões da Verdade", e tal como na obra anterior também aqui o irlandês Michael Collins apresenta uma perspectiva atenta e realista acerca do quotidiano do interior dos EUA, numa ficção onde o drama familiar, o suspense e o road book se complementam.

Frank Cassidy é um homem da classe média baixa que vive um dia-a-dia precário e pouco encorajador em New Jersey com a sua família algo disfuncional: Honey, a sua esposa cansada da rotina que a entorpece há anos; Robert Lee, um adolescente filho desta que não simpatiza especialmente com o padrasto; e Ernie, o filho do protagonista, uma criança alheia ao desencanto que a rodeia pois vive ainda num mundo de fantasia povoado por dinossauros e desenhos animados.

Ao saber que o seu tio Ward, um figura que marcou a sua infância e juventude, faleceu repentinamente, Frank e a sua família deslocam-se para o Michigan, onde este residia, na tentativa de obterem a parte da herança que lhes é devida. Contudo, durante a viagem Frank irá reatar a sua relação com o seu primo Norman, filho de Ward, e as questões monetárias causarão alguma crispação e desentendimentos, evidenciando os traços quase esquecidos de um passado que se julgava inerte mas cujas memórias regressam subitamente.

Partindo rumo a uma nova vida, a famíla Cassidy terá de tentar manter-se unida entre peripécias desconfortáveis, e à medida que se aproxima do Michigan Frank revive alguns dos episódios mais nefastos da sua infância, em particular o trágico incêndio que gerou a morte dos seus pais e em relação ao qual o seu tio Ward teve um papel suspeito e dúbio.

Narrativa de um filho pródigo em busca da redenção e da solução de mistérios do seu passado e presente, "Os Profanadores" volta a comprovar que Collins é um astuto retratista dos episódios que vincam o quotidiano de uma América desencantada e muitas vezes ignorada, um mundo de losers, inadaptados, párias e marginais pouco familiarizados com o sucesso.

"Os Guardiões da Verdade" já continha muitos dos elementos que aqui se encontram, uma vez que também se centrava num protagonista que não sabia como reagir à desolação que o cercava e era também uma obra que focava um assassinato numa pequena localidade do interior dos EUA.

No entanto, "Os Profanadores" não chega a ser uma repetição, oferecendo algumas variações e proporcionando um olhar mais intenso às dificuldades das relações familiares, aos traumas e recalcamentos com raízes na infância e ao misto de esquizofrenia e amnésia que caracteriza o protagonista, atormentado por uma família que raramente o apoia e por diversos acontecimentos que o afastam da esperada, mas quase sempre ausente, prosperidade.

Collins, ao recorrer à narrativa na primeira pessoa, facilita a aproximação com a progressiva amálgama emocional que invade Frank, cujo ponto de vista orienta as peripécias que marcam a acção. Num estilo consideravelmente descritivo, minucioso mas não supérfluo, o autor traça uma perspectiva lacónica sobre a desorientação de uma América pós Vietname - no final dos anos 70 -, onde um denso limbo existencial parece sobrepôr-se aos pressupostos do sonho americano.

"Os Profanadores" não é um livro especialmente inovador, uma vez que recicla ideias não só do próprio Collins mas também de alguma literatura (Richard Ford, Jack Kerouac ou mesmo Ernest Hemingway) e cinema norte-americanos (as atmosferas outonais aproximam-se das de muitos filmes indie), mas consegue apresentar personagens e situações suficientemente entusiasmantes e envolventes para que a sua leitura se torne recomendável, mesmo não sendo uma obra essencial.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

sexta-feira, setembro 09, 2005

FREAK SHOW

Uma das figuras que, goste-se ou não, marcou a música dos anos 90, Marilyn Manson chocou ou entusiasmou através de uma imagem singular e minuciosamente trabalhada, que embora evidenciasse referências conseguia, ainda assim, marcar pela diferença.

A sua discografia tem apresentado um conjunto de temáticas onde a violência, a morte, a religião, a fama ou o sexo se entrelaçam, gerando reflexões ou retratos das sociedades de hoje, devidamente carregados de bizarria e, por vezes, um humor cáustico e cortante.

Desde os dias mais marginais de “Portrait of an American Family”, de 1994, passando pelo marcante “The Antichrist Superstar”, dois anos depois, ou por “The Golden Age of Grotesque”, de 2003, que a banda – ou o artista, afinal a face mais visível desta – tem enveredado por territórios sonoros entre o gótico, o metal e o industrial, mas o seu álbum mais atípico – e provavelmente o mais interessante -, “Mechanical Animals”, de 1998, não evita contaminações da pop ou do glam rock, e reforça ainda a carga electrónica que já se encontrava em registos anteriores mas de forma mais discreta.

À semelhança de David Bowie e do seu alter-ego Ziggy Stardust, também Marilyn Manson cria aqui uma persona que orientou a criação do álbum, Omega, um alien andrógino e bizarro, reforçando a ousadia e peculiaridade visual que já destacava o músico (que pode ser visto logo na intrigante capa do disco).

Para a considerável mudança das sonoridades de “Mechanical Animals” face aos trabalhos anteriores da banda não terá sido alheia a cisão da colaboração com Trent Reznor, dos Nine Inch Nails, cuja marca pessoal era bem evidente em “Antichrist Superstar”, mas em contrapartida o grupo colabora aqui com Billy Corgan – embora este tenha sido, supostamente, apenas um consultor – e o produtor Michael Beinhorn.

As alterações no trabalho de produção são notórias, uma vez que Beinhorn não aposta tanto nas texturas densas e sujas que caraterizaram o grupo até então mas antes torna os ambientes mais polidos e acessíveis, à semelhança do que fez no brilhante “Celebrity Skin”, das Hole, que produziu no mesmo ano (e que, curiosamente, também contou com a colaboração de Corgan).

Assim, “Mechanical Animals” é um disco que, muitas vezes, contém atmosferas surpreendentemente calmas, tendo em conta as sonoridades a que a banda é mais frequentemente associada, como em “Disassociative” e “The Speed of Pain”, duas baladas desencantadas, ou na atípica mas envolvente “Fundamentally Loathsome”.

Ainda há, no entanto, vários momentos carregados de adrenalina, como o visceral “Posthuman”, o igualmente dinâmico “Rock is Dead” ou o portentoso “User Friendly” (com um corrosivo olhar sobre as relações actuais, bem expresso em frases como “I’m not in love but I’m gonna fuck you ‘til somebody better comes along”).

Mesclando o synth-pop da década de 80 com o rock industrial dos anos 90, recuperando traços do glam de 70 e até pontuais traços de gospel (como em “I Don’t Like the Drugs (But the Drugs Like Me)”), “Mechanical Animals” não esconde influências de David Bowie, Nine Inch Nails (que em “The Fragile” e “With Teeth” percorreriam ambientes não muito distantes), Gary Numan, The Cure ou New Order – exibindo ainda pontos de contacto com “TheFutureEmbrace”, de Billy Corgan -, mas sabe readaptar essas sonoridades para originar um álbum coeso e estimulante (embora um pouco longo).

Mesmo que se tenham reservas quanto à relevância ou interesse de Marilyn Manson, este é um disco digno de nota e um dos mais coesos da sua irregular discografia, mantendo-se ainda actual e recomendável.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM