Filme-sensação dos Césares de 2004, os mais importantes galardões cinematográficos franceses, “A Esquiva” (L’ Esquive) é um pequeno filme de baixo orçamento realizado pelo tunisino Abdellatif Kechiche e apresenta um olhar sobre um conjunto de jovens de um bairro social parisiense. Vencedora da cerimónia nas categorias de Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Esperança Feminina (para a muito promissora actriz Sara Forestier), a película combina drama e comédia para focar um quotidiano suburbano vincado pelo choque de culturas e tensões da adolescência.
“A Esquiva” insere-se na linha dos filmes sobre minorias étnicas – neste caso, a comunidade abordada é a islâmica – que tem dominado algum do cinema de domínios mais marginais nos últimos anos, mas aqui o retrato prefere adoptar tons mais leves e optimistas e não se debruça tanto num realismo cru e desencantado que domina alguns dos exemplos do género. Não é que os traços de realismo não estejam presentes, pelo contrário, dado que Kechiche recorre frequentemente a um tipo de realização próxima do registo documental, mas o ponto de vista do cineasta não aposta em atmosferas de considerável fricção ou visceralidade, frequentemente presentes em dramas urbanos, seguindo antes por domínios mais cândidos e esperançosos.
O ponto de partida é uma peça teatral baseada em "O Jogo do Amor e do Acaso", de Marivaux, trabalhada por um grupo de estudantes de liceu da periferia e cuja temática – desde o conflito e classes às vicissitudes amorosas – irá estabelecer relações próximas com as conturbadas peripécias dos jovens. A peculiar ligação de dois dos actores da peça – Krimo (Osman Elkharraz) e Lydia (Sara Forestier) – está na origem de uma série de episódios, geralmente divertidos e por vezes surpreendentes, que interligarão uma rede de personagens num intrincado jogo de equívocos e contradições.
Com este ponto de partida, Kechiche proporciona um filme que conquista pela eficaz e credível captação de ambientes e esferas urbanas, que servem de cenário a um curioso e sensível retrato da adolescência onde as referências culturais entram em colisão e tendem a reformular-se. Nesse sentido, “A Esquiva” percorre domínios não muito distantes de “Joga Como Beckham” (Bend it Like Beckham), de Gurinder Chadha, com o qual partilha um irresistível bom-humor quase omnipresente que molda as experiências de uma comunidade de imigrantes (a comédia britânica focava, no entanto, a cultura indiana).
O elenco, constituído por adolescentes de bairros sociais, é globalmente sólido e convincente, e as personagens geram doses suficientes de empatia para que o seu rumo cative e envolva. Contudo, é inevitável não verificar aqui uma abordagem demasiado simplista e reluzente de temáticas complexas e delicadas das comunidades islâmicas, mas essa escassez de complexidade é compensada pela vibrante genuinidade e honestidade do projecto, que apesar de contar com um orçamento reduzido consegue desenrolar-se com assinalável carisma e energia.
Há alguns passos em falso, como a pouco conseguida cena com os polícias (um promissor, mas mal aproveitado momento de tensão) ou mesmo o desapontante desenlace, mas ainda assim “A Esquiva” destaca-se acima da mediania e proporciona duas horas razoavelmente divertidas e que, a espaços, contêm questões pertinentes e actuais. Nada mau para um pequeno filme simpático…
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
5 comentários:
Esse filme ainda não aportou por aqui. Mesmo filmes europeus de sucesso às vezes são preteridos em favor dos hollywoodianos na América Latina.
Pois, infelizmente isso também acontece por aqui às vezes. Aliás, este filme passou (e está a passar) praticamente despercebido...
Obrigado :)
E sim, o cinema francês não merece passar despercebido, e felizmente parece que tem sido alvo de maior atenção, o que também faz com que cheguem a salas nacionais boas surpresas como esta.
O filme é uma obra prima! Argumento ótimo, texto impecável. Difícil imaginar como conseguiram alcançar tais atuações trabalhando com atores tão jovens... ainda nao consegui fechar a boca...
a mim deixou-me a pensar nas palavras, ou melhor na falta delas dentro destes jovens. é o retrato de uma geração muito vazia, despojada de humanidade, não por serem maus mas por não conhecerem outra coisa
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