quinta-feira, janeiro 06, 2005

ERA UMA VEZ UM RAPAZ

Numa época marcada por diversos remakes de obras cinematográficas - como o recente "O Candidato da Verdade" (The Manchurian Candidate), de Jonathan Demme -, o realizador Charles Shyer oferece uma nova perspectiva sobre "Alfie", uma obra dos anos 60 dirigida por Lewis Gilbert e protagonizada por Michael Caine.
Quatro décadas depois, a personagem ganha nova vida, desta vez na pele de um dos "meninos-bonitos" de Hollywood, Jude Law. Embora o actor tenha já interpretado papéis relevantes em títulos como "O Talentoso Mr. Ripley" (The Talented Mr. Ripley), de Anthony Minghella, ou "A.I. - Inteligência Artificial", de Steven Spielberg, nunca tinha apresentado um one-man show como acontece em "Alfie e as Mulheres" (Alfie).

Alfie é o típico playboy egocêntrico, individualista e presunçoso, vivendo despreocupadamente e evitando compromissos. Rodeado de figuras femininas, aposta em relacionamentos efémeros e descartáveis, mantendo a distância emocional e optando pela via do cinismo e frivolidade. Jovem, bem-parecido e irreverente, desdobra-se em múltiplas formas de envolvência com o universo feminino, recusando a criação de laços sólidos com as mulheres que vai conhecendo.

Com uma personagem assim, "Alfie e as Mulheres" poderia ser mais uma comédia romântica vincada por lugares-comuns e uma densidade emocional nula, aspecto reforçado pelo percurso cinematográfico de Charles Shyer (convenhamos que "O Pai da Noiva" ou "O Caso do Colar" não são propriamente obras que contribuam muito para a credibilidade de um realizador).
Contudo, o filme contorna, em parte, alguns dos percursos mais óbvios e previsíveis, proporcionando uma curiosa fusão de comédia e drama. Se a primeira parte da obra decorre em domínios não muito distantes de um episódio de "O Sexo e a Cidade" (Sex and the City), focando a superficialidade de certos ambiente nova-iorquinos de capa de revista, as peripécias acabam por enveredar por áreas de considerável tensão dramática, gerando um interessante olhar sobre a (des)ilusão e a (i)maturidade.

Shyer consegue criar uma vertente estética apelativa, fluída e cativante, com assinalável eficácia tanto nas enérgicas atmosferas festivas como nos episódios melancólicos e secos de carácter introspectivo. Esta vibrante energia visual, aliada à adequada banda-sonora de Mick Jagger e Dave Stuart, contribuem para dotar "Alfie e as Mulheres" de um saboroso carácter lúdico.
Jude Law também é bem sucedido na sua interpretação, mesclando arrogância com uma fragilidade que se descortina progressivamente. Tal como no filme original, o protagonista enceta um diálogo com o espectador, falando directamente para a câmara e conseguindo criar alguma empatia (se nos anos 60 esta técnica era original, hoje já é algo relativamente comum, como pode ser constatado em películas como "Alta Fidelidade", de Stephen Frears").
A lista de actrizes é igualmente digna de destaque e inclui, entre outros, nomes de senhoras ilustres como a sempre competente Marisa Tomei ou a veterana Susan Sarandon.

Mesmo com alguns clichés típicos de um cinema assumidamente comercial - a misoginia ainda está presente e a película não consegue evitar a queda para o final moralista -, Charles Shyer oferece uma obra convincente que se desdobra entre territórios característicos do filme new yorker e os tons crus e lacónicos do realismo britânico.
Um envolvente retrato do hedonismo e da solidão, sobretudo do universo masculino, "Alfie e as Mulheres" exibe alguns pontos de contacto com o cariz agridoce de títulos como "Era uma Vez um Rapaz" (About a Boy), de Chris e Paul Weitz, ou "Roger Dodger", de Dylan Kidd, que também se centravam em protagonistas masculinos egocêntricos e imaturos.
Uma boa alternativa aos tradicionais chick flicks.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

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