quarta-feira, setembro 26, 2007

OS VERDES ANOS

Embora só agora se estreie com uma longa-metragem, Jorge Cramez tem já um considerável percurso ligado ao cinema, tendo sido assistente de realização de nomes como João César Monteiro, Fernando Lopes ou Jorge Silva Melo e conte com cinco curtas-metragens assinadas por si.
Esta experiência terá ajudado a que "O Capacete Dourado" exiba claros sinas de maturidade em alguns aspectos, ainda que como um todo este seja um filme que não escapa às fragilidades presentes em muitas primeiras obras.

A mais evidente regista-se no argumento, que se debruça sobre a relação entre dois adolescentes, Jota e Margarida. Ele, rebelde e impulsivo, passa os dias em viagens de mota, escape para um sistema de ensino no qual não se enquadra, não sentindo afinidades nem com os professores nem com os colegas do liceu. Ela, tímida e vulnerável, recém-saída de uma clínica, vive numa redoma edificada pelos pais, que a sufocam com recorrentes conselhos e perguntas. "O Capacete Dourado" segue o elo que vai crescendo entre estes dois outcasts, e que aos poucos vai alterando o seu quotidiano quando ambos encontram alguém em que se podem rever.

Este ponto de partida foi inspirado num caso real, em que um casal de namorados de Guimarães tentou suicidar-se (ainda que só ela o tenha conseguido), como forma de protesto ao antagonismo das suas famílias. Cramez alterou o local da acção, mantendo contudo o ambiente rural - o filme foi filmado em Vila Real - e aos poucos decidiu encaminhar a sua história noutro sentido, mudando sobretudo o desenlace.

O cinema recente tem sido fértil em complexos olhares sobre a adolescência, nomeadamente a facção indie, mas o curioso aqui é que "O Capacete Dourado" segue mais o modelo de exemplos clássicos - como "Fúria de Viver", de Nicholas Ray, uma influência assumida -, e se é interessante ver essa herança adaptada à realidade portuguesa, o realizador não apresenta aqui o golpe de asa que faça desta uma obra marcante.
Há cenas das quais emana uma tridimensionalidade no retrato dos adolescentes poucas vezes vista no cinema nacional, que nos últimos anos só terá paralelo em escassos títulos como "Os Mutantes", de Teresa Villaverde, ou "A Passagem da Noite", de Luís Filipe Rocha. Sequências como a da consola de jogos ou a de snooker são verosímeis, assim como os desempenhos do duo protagonista, Eduardo Frazão e Ana Moreira.

Infelizmente, a actriz adopta mais uma vez o registo que a tem distinguido e que impressionou nesse memorável filme de Villaverde ou no mais recente, "Transe". O seu desempenho não compromete, pelo contrário, mas seria preferível vê-la noutro tipo de personagens que não a de jovem angustiada e contemplativa.

Ainda assim, "O Capacete Dourado" vive mais do elenco jovem - ao qual se acrescenta Alexandre Pinto, também um "mutante" - do que do veterano, pois os actores consagrados pouco têm para fazer além de cameos desnecessários. É o caso de Rita Blanco, Alexandra Lencastre, Teresa Madruga e Maria João Luís, no papel de professoras entregues a diálogos algo forçados no início do filme. Rogério Samora, com mais tempo de antena, não pode fazer muito mais quando tem para interpretar o cliché do pai de família autoritário.

O desenvolvimento da narrativa também raramente se afasta dos lugares-comuns na abordagem aos conflitos geracionais e às dificuldades do crescimento, além de deixar demasiadas pontas soltas e contar com cenas despropositadas - caso daquela que foca uma pensativa mãe de Margarida ao pé da porta.

Até certo ponto, estes desequilíbrios são compensados pelo trabalho de realização de Cramez, capaz de sugerir cenas de um envolvente realismo poético, dominado por uma tensão longe de bucólica, seja pelos movimentos fluídos da câmara ou pela apelativa fotografia. E há episódios que mostram o filme que "O Capacete Dourado" poderia ter sido, como o da festa, vincada por uma forte componente sensorial a partir da eficaz interligação entre imagem e música. A banda-sonora é, de resto, um dos trunfos, cujo eclectismo inclui Echo & the Bunnymen, Strauss, Humanos e Vitalic.

Mais promissor do que convincente, "O Capacete Dourado" tem o mérito de apostar num retrato da adolescência poucas vezes visto no cinema nacional, e ainda que não seja plenamente conseguido deixa algumas provas de talento. Uma delas é o protagonista Eduardo Frazão, cuja segurança demonstrada nesta sua estreia como actor já justifica, por si só, a descoberta do filme.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

4 comentários:

Anónimo disse...

Sabes por acaso qual é a música que passa nos primeiros minutos do filme (com ele a entrar de moto na escola)?

Estava a pesquisar pela banda sonora e olha só onde vi parar :)

gonn1000 disse...

Hey there :)
Não me lembro da música do início, sei que a da festa é Vitalic entrecruzado por Echo & The Bunnymen. No site oficial parece que também não diz...

Anónimo disse...

Gonçalo..viste o "Ratatui"? A figura do crítico foi um retrato desconfortável para muita gente, críticos de cinema e outros que gostam de denominar os filmes como "dispensável". Apagado, pesado, nunca valorizar nada porque seria um atentado à sua inteligência...elogiar mas terminar sempre os textos com críticas como se fosse entendido no assunto...nunca gostar de nada.
Saudações :)

gonn1000 disse...

Sim, vi o "Ratatui", e essa "crítica ao crítico" foi bem apanhada, mas ainda assim mais levezinha do que n'"A Senhora da Água" do Shyamalan :)

Curiosamente por este espaço nem rotulo filmes como "dispensáveis" assim tantas vezes como isso, e quando o faço tento fundamentá-lo. Não vejo qual o problema, sou obrigado a gostar de tudo o que vejo? E não pretendo ditar aqui verdades absolutas, apenas opiniões, naturalmente subjectivas e refutáveis. Quem não concordar está no seu direito.

E se achas que nunca gosto de nada, convido-te ou a conhecer melhor o blog - verás que estás enganado - ou a procurar outros em que te revejas mais - sugestões não faltam nos links.

Bons filmes :)