Ele tinha prometido voltar, em Novembro de 2004, perante uma Aula Magna carregada de vibração e entusiasmo. Mais: comprometeu-se a regressar com a banda, embora o seu concerto a solo tenha comprovado que o músico sabe ser eficaz por si só. E assim foi…
Poucas semanas após ter actuado na primeira parte do concerto dos Keane, Rufus Wainwright voltou a palcos nacionais para um concerto no Coliseu de Lisboa no passado dia 24. E desta vez com a sua banda, conforme tinha prometido.
Um nome em ascensão entre nós, o cantor/compositor/multi-instrumentista tem prosseguido um sólido rumo e conta já com quatro álbuns de originais, conquistando, aos poucos, um público cada vez mais alargado. Prova disso é o acolhimento de que goza em território luso, onde a quantidade de fãs dedicados e já considerável (e até surpreendente, tendo em conta o reduzido mercado). No entanto, a sala do Coliseu não se encontrou muito preenchida, o que se deve, provavelmente, às visitas regulares que o músico canadiano efectuou a palcos nacionais nos últimos meses (espera-se que este não seja mais um artista vítima de uma exposição excessiva, que poderá jogar contra si, como ocorreu com os Tindersticks ou os Lamb há uns anos).
A noite de domingo demonstrou, contudo, que apesar de Wainwright se ir tornando já numa cara mais conhecida, mantém ainda um evidente profissionalismo e entrega. “Want Two”, o mais recente disco do músico, foi o principal destaque do espectáculo, o que não impediu pontuais regressos ao passado para a recuperação de temas emblemáticos.
“Agnus Dei” foi o momento inaugural e gerou logo um ambiente marcado por uma concentração quase religiosa (ou não fosse a pop alvo de culto) por parte dos espectadores. Acompanhado por uma banda com instrumentos que englobavam a guitarra (acústica e eléctrica), bateria, violino e violoncelo, o cantor recorreu ainda à fulcral contribuição do piano e apresentou um lote de sólidas canções. “Vibrate” foi um dos primeiros temas de eleição, congregando a mescla de intimismo e emotividade característica do músico, mas o concerto ofereceu outros episódios de boa memória como “Memphis Skyline” ou o marcante “Hallelujah” (a tal cover de Leonard Cohen), dedicados a Jeff Buckley.
Foto: Cotonete
Algo que tem vindo a evidenciar-se nos concertos de Wainwright é a sua faceta de contador de histórias, que tem sido desenvolvida de forma convincente. Aqui voltou a manifestar-se, tanto nos comentários acerca da religião (“Gay Messiah” foi dedicada a todos os Papas, numa curiosa atitude de provocação que já se previa) ou em revelações acerca da sua família, por vezes divertidas e noutros casos mais emotivas. A química com o público surgiu naturalmente, e para além do talento como músico Wainwright exibiu ainda os seus dotes de entertainer nato, irradiando uma boa-disposição contagiante.
Outros momentos cativantes foram “Across the Universe”, a belíssima cover dos Beatles (incluída na banda-sonora de “I Am Sam”) e o indispensável “Cigarettes and Chocolate Milk”, que não poderia ser esquecido. Todavia, a surpresa da noite chegou com os encores, onde não só o músico mas toda a banda começaram, subitamente, a despir-se, deixando o público expectante e intrigado. Wainwright acabou por ficar apenas com um minúsculo fio dental, sapatos de salto alto de um vermelho berrante e asas de borboleta, sendo imediatamente observado, comentado e aplaudido pelos espectadores (morram de inveja, Scissor Sisters!).
“Aposto que os rapazes dos Keane não fizeram isto”, afirmou o cantor, atirando mais um comentário mordaz e irresistível. A animada “Old Whore’s Diet” ficou assim como o momento mais memorável da noite, mas os três (!!!) encores apresentaram ainda “Oh What a World”, “I Don’t Know What it Is”, “Poses” e o muito trauteável “Califórnia”, que o músico interpretou já de roupão vestido.
Embora tenha sido um concerto agradável e competente, não contou com uma atmosfera tão calorosa e intimista como o espectáculo na Aula Magna, no final do ano passado, e, exceptuando o delirante desenlace, não ocorreu nada de verdadeiramente surpreendente e inesperado. Não afecta, ainda assim, uma performance em boa forma, durante mais de duas horas, e a confirmação de um nome a reter e a seguir com atenção, constando já na selecta lista de artistas de culto.
Antes da actuação de Rufus Wainwright, Joan as a Police Woman (que faz parte da banda de Rufus) foi a escolhida para aquecer a noite, mas não conseguiu animar muito os ânimos dos espectadores através da sua morna selecção de canções. Suficientemente afável e cumpridora, apresentou um conjunto de temas razoáveis mas demasiado indistintos, apostando nos moldes mais convencionais das composições dos singers/songwriters. Curiosamente, o momento alto da sua prestação foi o último tema, (merecidamente) dedicado a Elliott Smith, por sinal um dos nomes mais criativos do género durante a última década. No entanto, artistas como Rufus Wainwright comprovam que a vitalidade continuará presente nesses domínios, e a noite de domingo consta já entre as boas memórias musicais de 2005.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
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