Richard Ford foi já considerado por muitos um dos melhores retratistas do quotidiano da classe média dos EUA, expondo as suas observações e análises em obras como "Rock Springs", um conjunto de contos, ou "O Jornalista Desportivo" (The Sportswriter), este último a prequela de "O Dia da Independência" (Independence Day). Comparado a autores com fortes cargas de realismo nas suas narrativas, como Raymond Carver, Richard Ford obteve finalmente o reconhecimento global ao vencer os prémios Pulitzer e Pen/Faulkner em 1996, com "O Dia da Independência".
O livro segue a viagem pelos EUA de Frank Bascombe, um ex-escritor e jornalista agora dedicado ao mercado imobiliário, que terminará no 4 de Julho. Centrado nesta personagem e narrado por ela, "O Dia da independência" acompanha-a durante três dias e regista a sua preparação para realizar essa viagem na companhia de Paul, o seu filho adolescente que tem exibido um comportamento atípico e algo preocupante.
Tal como "O Jornalista Desportivo", a sua sequela/continuação encontra-se repleta de subtis e perspicazes observações acerca da vida aparentemente banal e prosaica dos subúrbios dos EUA, análise que se torna ainda mais aprofundada dado que o protagonista atravessa agora o seu "Período Existencial", marcado por uma maior capacidade de distanciamento e considerável teor introspectivo. Aos 44 anos, Frank Bascombe reavalia o seu percurso, considera as suas escolhas e decisões e apresenta aos leitores as mudanças que ocorreram desde "O Jornalista Desportivo". Entre essas mutações, encontra-se um recente (e um pouco instável) relacionamento amoroso, uma nova profissão e alterações no comportamento com os que o rodeiam.
Se, por um lado, Richard Ford consegue caracterizar os dilemas e inquietações de Frank de forma credível, expressiva e realista, por outro o autor perde-se demasiadas vezes em descrições longas, exaustivas e repletas de detalhes minuciosamente retratados. Esta atenção ao pormenor é útil e eficaz na caracterização de uma crua e explícita existência suburbana contemporânea, mas a espaços torna-se redundante e maçadora, desviando-se do âmago das personagens e da linha narrativa. De resto, o livro não exibe uma linha narrativa muito demarcada, antes segue as peripécias vulgares e comuns de Frank Bascombe, abordando inicialmente as experiências deste no mercado imobiliário (descritas de um modo exageradamente longo, tornando-se cansativas e repetitivas) e passando depois a debruçar-se sobre os laços familiares do protagonista, particularmente a relação com o seu filho (supostamente o elemento central do livro, mas que carece de um maior aprofundamento).
Ainda que seja uma obra interessante, "O Dia da Independência" fica uns furos abaixo de "O Jornalista Desportivo", que exibia maior coesão interna, capacidade em surpreender, um estudo de personagens mais entusiasmante (e não tão excessivamente alicerçado no protagonista) e capacidade de síntese, não se perdendo em longas reflexões imersas numa narrativa desigual e com um final anti-climático (o livro estende-se por mais de 500 páginas e apresenta um desenlace inconclusivo).
Ainda assim, os talentos de Richard Ford como observador e testemunha dos mistérios do quotidiano são inegáveis, fazendo de "O Dia da Independência" um curioso olhar sobre a complexidade das relações humanas, as densas atmosferas dos subúrbios e o american dream. Lamenta-se, no entanto, que essas observações não se encontrem acompanhadas por uma história à altura.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
1 comentário:
http://maquete.blogspot.com/2004/10/notcias-e-richard-ford.html
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