John Cameron Mitchell fez-se notar por "Hedwig - A Origem do Amor" (2004), atípico musical glam/trash que partia das experiências de um músico transexual para propor uma reflexão sobre as interligações entre o corpo, o sexo e a identidade. Sendo um projecto curioso, ficava no entanto aquém da originalidade da proposta mas dava a entender que o seu realizador tinha algo a dizer.
"Shortbus", o seu segundo filme, repisa as mesmas temáticas num contexto diferente, numa Nova Iorque com fortes marcas do 11 de Setembro e com um enfoque não numa perspectiva individual, mas colectiva. Mais uma vez as disfunções físicas encontram-se indissociáveis das emocionais e o sexo é encarado como fonte de muitas das frustrações das personagens, e simultaneamente como tentativa de resolução ou alheamento destas.
"Shortbus", o seu segundo filme, repisa as mesmas temáticas num contexto diferente, numa Nova Iorque com fortes marcas do 11 de Setembro e com um enfoque não numa perspectiva individual, mas colectiva. Mais uma vez as disfunções físicas encontram-se indissociáveis das emocionais e o sexo é encarado como fonte de muitas das frustrações das personagens, e simultaneamente como tentativa de resolução ou alheamento destas.
O filme segue dois relacionamentos, um hetero e outro homossexual, onde um dos cônjuges é incapaz de resolucionar uma crise interna que já se prolonga há muito. Sofia, terapeuta sexual, receia partilhar ao seu marido que nunca teve um orgasmo, e James sugere ao seu namorado a opção por uma relação a três como forma de injectar nova vida ao seu quotidiano.
As vidas dos protagonistas e das outras personagens - entre as quais uma dominatrix entregue à solidão, um voyeur obcecado pelo casal gay ou um ex-modelo optimista - cruzam-se num clube nocturno underground, Shortbus, onde além de música ao vivo e do convívio regado a álcool há uma visão - e prática - bastante liberal do sexo, aglutinadora de todos os tipos de orientações.
Ainda mais descomplexado e incisivo do que o seu antecessor, muito por culpa das cenas de sexo explícito que não tardam a surgir, "Shortbus" resulta numa obra mais coesa mas que, mesmo assim, não escapa a alguns desequilíbrios. Mitchell tanto aposta, por um lado, na irreverência e provocação, como investe ocasionalmente em episódios poéticos e sensíveis, o que por vezes atira o filme para caminhos indecisos e inconsequentes. Fica assim por esclarecer a pertinência de algumas cenas de sexo ostensivas ou, no pólo oposto, o desenlace redentor que não dispensa rodriguinhos ingénuos e ligeiramente irritantes.
As vidas dos protagonistas e das outras personagens - entre as quais uma dominatrix entregue à solidão, um voyeur obcecado pelo casal gay ou um ex-modelo optimista - cruzam-se num clube nocturno underground, Shortbus, onde além de música ao vivo e do convívio regado a álcool há uma visão - e prática - bastante liberal do sexo, aglutinadora de todos os tipos de orientações.
Ainda mais descomplexado e incisivo do que o seu antecessor, muito por culpa das cenas de sexo explícito que não tardam a surgir, "Shortbus" resulta numa obra mais coesa mas que, mesmo assim, não escapa a alguns desequilíbrios. Mitchell tanto aposta, por um lado, na irreverência e provocação, como investe ocasionalmente em episódios poéticos e sensíveis, o que por vezes atira o filme para caminhos indecisos e inconsequentes. Fica assim por esclarecer a pertinência de algumas cenas de sexo ostensivas ou, no pólo oposto, o desenlace redentor que não dispensa rodriguinhos ingénuos e ligeiramente irritantes.
Mesmo vitimado por um excesso de pretensão, "Shortbus" consegue abordar questões relevantes com alguma complexidade, valendo-se de um argumento dominado por um sentido de humor oportuno sem prescindir de peso dramático. O elenco, constituído por actores amadores seleccionados a partir de um casting online (onde cerca de 500 candidatos enviaram gravações), é eficaz e dispara os diálogos com convicção, e o facto de serem todos figuras desconhecidas contribui para que o filme ganhe maior naturalidade e verosimilhança.
Mitchell sai-se igualmente bem na montagem fluída e numa realização capaz de criar uma atmosfera intimista, e a forma como a cãmara transita entre os espaços, movendo-se por uma Nova Iorque recriada em miniatura, é imaginativa e concede ao filme um peculiar cuidado visual.
O realizador, que é também cantor, volta a privilegiar a música, elemento importante para a definição de ambientes, e aqui envereda não pelo glam rock mas por territórios indie lo-fi, com canções dos Yo La Tengo, Azure Ray, Scott Matthew ou The Hidden Cameras. A interligação com domínios musicais estende-se aos cameos dos Animal Colletive ou de JD Samson, das Le Tigre.
Não impondo ainda John Cameron Mitchell como um nome essencial dentro do cinema recente, "Shortbus" confirma-o já enquanto cineasta com uma linguagem própria, estando uns degraus acima do seu primeiro trabalho e expondo uma sensibilidade mais apurada e menos artificiosa. Um nome a seguir, autor de uma filmografia que começa a entusiasmar.
Mitchell sai-se igualmente bem na montagem fluída e numa realização capaz de criar uma atmosfera intimista, e a forma como a cãmara transita entre os espaços, movendo-se por uma Nova Iorque recriada em miniatura, é imaginativa e concede ao filme um peculiar cuidado visual.
O realizador, que é também cantor, volta a privilegiar a música, elemento importante para a definição de ambientes, e aqui envereda não pelo glam rock mas por territórios indie lo-fi, com canções dos Yo La Tengo, Azure Ray, Scott Matthew ou The Hidden Cameras. A interligação com domínios musicais estende-se aos cameos dos Animal Colletive ou de JD Samson, das Le Tigre.
Não impondo ainda John Cameron Mitchell como um nome essencial dentro do cinema recente, "Shortbus" confirma-o já enquanto cineasta com uma linguagem própria, estando uns degraus acima do seu primeiro trabalho e expondo uma sensibilidade mais apurada e menos artificiosa. Um nome a seguir, autor de uma filmografia que começa a entusiasmar.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM
15 comentários:
Vi. Adorei.
Mas também não fui muito à bola com o final.
Sim, o final e outros aspectos desequilibram um pouco o filme, mas no geral vale a pena.
Este e o documentario do Cobain (About a Son) foram da smelhores coisas que vi no festival.
Concordo, e acrescentaria "Analog Days", outra bela surpresa.
Adorei este filme e ainda acrescento: há muito boa gente por aí que deveria ver este filme :))
Pois, já me constou que gostaste muito. Mas também há muita gente que não deveria vê-lo, não é para todos os gostos :P
Não vi o filme anterior do realizador, mas em relação a «Shortbus» acho que concordo bastante com o que aqui disseste. Há aqui uma visão muito humana a acompanhar o sexo explícito (o que nem sempre sucede, por exemplo, com o Larry Clark). E o humor é claramente um ponto positivo, apesar de ter preferido as investidas dramáticas, por exemplo as relacionadas com a dominatrix solitária.
Sim, as cenas de sexo explícito têm uma carga bem menos incómoda, ou mesmo menos escabrosa, do que algumas dos filmes de Clark.
Por acaso achei que a dominatrix era das personagens menos interessantes, talvez não tenha sido bem aproveitada.
Eu percebo que o final possa desagradar. Mas acho que a entrada da banda, dá propositadamente ao filme um carácter celebratório, que somado ao "desenlace redentor" torna o final (e de certa forma todo o filme) numa obra assumidamente ingénua, que celebra as relações e a sexualidade de uma forma fresca. Por isso, o final não me chateia, chateia-me mais algumas cenas menos conseguidas, e algumas opções do próprio plot que são mal resolvidas.
Abraço, fica bem:)
Acho que o filme não é assim tão ingénuo como o final tenta dar a entender, pelo menos não combina muito bem com algumas cenas anteriores mais provocatórias. Mas é um bom filme, dos mais frescos em cartaz, de facto.
Abraço.
Queria tanto ter visto o Shortbus!! Gostei bastante do Hedwig.
O filme estreou na semana passada, ainda deve ficar uns tempos em cartaz.
Muito fresco e com uma banda sonora mais que recomendável :))
Ena, parece que este é consensual por aqui, hein?
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