Adaptando para o grande ecrã um dos livros mais elogiados de Eça de Queirós, “O Crime do Padre Amaro” foi originalmente concebido enquanto uma mini-série da SIC mas, como a exibição desta só está programada para o próximo ano, o projecto acabou por originar também uma longa-metragem.
Em 2002, o mexicano Carlos Carrera realizou outro filme baseado na obra, cuja passagem pelas salas despoletou controvérsia não só no seu país de origem mas também em Portugal, e agora Carlos Coelho da Silva aposta em mais uma versão, ainda mais livre do que a anterior.
Decorrendo num bairro suburbano lisboeta, a acção inicia-se com a chegada de Amaro, o novo e jovem pároco local, que cedo se apercebe das múltiplas carências, problemas e limitações que marcam o dia-a-dia da sua mais recente paróquia.
Contudo, a situação só se torna conturbada para si quando, aos poucos, se vai envolvendo com Amélia, a insinuante filha da dona da casa em que está hospedado, o que o obrigará a questionar a sua conduta e vocação.
Embora este ponto de partida seja consideravelmente fiel ao livro de Eça, colocando o celibato clerical no centro dos acontecimentos, o filme insere na narrativa outros – e demasiados – elementos relacionados com a realidade urbana portuguesa, desde um amor interracial (que nada acrescenta a quem viu – ou mesmo a quem não viu - “Zona J”), missões de jovens criminosos oriundos de guetos (que não dispensam a obrigatória banda-sonora à base de hip-hop) ou episódios supostamente cómicos à custa dos dois gays locais (que, surpresa das surpresas, são cabeleireiros e cuja caracterização se esgota numa série de tiques e trejeitos caricaturais).
Ao querer seguir o percurso de tantas personagens e sub-enredos, “O Crime do Padre Amaro” torna-se num filme indeciso que nunca chega a aprofundar nenhuma das múltiplas questões que aborda.
Enquanto série televisiva, talvez consiga funcionar, mas o que ocorre aqui é uma alternância constante de situações que não dá tempo nem espaço para que os actores – aos bons, pelo menos, e há alguns – trabalhem as suas personagens.
Se por um lado o filme tem mérito por se debruçar sobre temáticas actuais e relevantes – como a corrupção na Igreja, o aborto, a criminalidade, o racismo, o celibato ou a pedofilia -, também cede à via mais fácil e imediata, enveredando por lugares-comuns de vários filmes (e telefilmes, dos quais, de resto, “O Crime do Padre Amaro” não se distancia muito) nacionais cujo excesso de cenas de sexo e palavrões servem mais a campanha publicitária da película do que a consistência do argumento.
O facto de um filme pisar domínios mainstream e não aqueles associados ao cinema de autor não implica que caia no gratuito e superficial, mas aqui isso é o que acaba por acontecer demasiadas vezes, por oposição à moderação da versão mexicana, que sendo menos fashion e irreverente continha maior subtileza.
“O Crime do Padre Amaro” é assim um objecto frágil, mas ainda com ocasionais motivos de interesse.
O elenco, embora desnecessariamente extenso, é aceitável, pois a solidez de consagrados como Nicolau Breyner, Ana Bustorff, Nuno Melo ou José Wallenstein compensa a irregularidade de algumas novas caras, mas mesmo entre os mais jovens há desempenhos competentes, como o de Jorge Corrula no papel de Amaro (já Soraia Chaves passa a maior parte do tempo a exibir outros talentos e quando tenta dar complexidade à sua personagem já é tarde demais).
Apesar das duas horas de duração e da dispersão da narrativa, Carlos Coelho da Silva não deixa que o filme caia na monotonia, conseguindo injectar-lhe um conseguido ritmo e fluidez, e a banda-sonora é interessante, incluindo projectos como Da Weasel, Mesa, Sam the Kid ou The Gift.
“O Crime do Padre Amaro” não explora plenamente (longe disso) as possibilidades que o livro que o inspirou oferece, mas mesmo fazendo cedências comerciais consegue ainda incentivar alguma reflexão, sendo uma obra mais escorreita e menos inócua do que alguns outros títulos mainstream que estreiam regularmente.
E é talvez por não se esperar muito que se conclua que esta consegue ser uma experiência cinematográfica aceitável, ainda que de cinema tenha pouco.
E O VEREDICTO É: 2/5 - RAZOÁVEL
22 comentários:
confesso que tenho um fetish por esta historia... talvez por se ter passado na minha cidade natal, talvez pelo ambiente em que se desenrola (consumo do fruto proibido) como tambem pela polemica que gerou na altura em que foi lancado, expondo a hipocresia da igreja catolica...
li a obra ja 'a alguns anos e cada vez que visito Leiria e me passeio pelas ruelas do centro historico, a estoria vem-me sempre 'a ideia.
ate' hoje, por condicionantes geograficos, ainda nao consegui ver nenhuma das 2 adaptacoes cinematograficas...
O teu post, mais uma vez, deu-me uma boa ideia do filme sem no entanto antecipares qq dado que fosse interferir numa futura visializacao e interpretacao pessoal.
5 estrelas para a tua critica /review!
Vi as duas recentemente, e os mexicanos estiveram melhores do que nós... oh well...
Obrigado ()
E não esquecer também a música dos Clã.
Quanto ao filme, já disse tudo no post anterior sobre a versão mexicana. A qualidade oscila entre o excelente e o péssimo: a fotografia é tão má que chega a ser escandalosa, mas os actores são, muitos deles, fabulosos (Nicolau Breyner, Lurdes Norberto, o surpreendente Hugo Sequeira, José Wallenstein, Nuno Melo).
Uma coisa é certa: o Crime do Padre Amaro vai vender como papos secos.
eu não consigo tecer nenhum comentário positivo a este filme. é das piores coisas que já vi.
Flávio: Hmmmm, não consigo encontrar nada excelente no filme, já de pésssimo...
Eur3ka: Pelo trailer julguei que fosse muito mau, mas afinal até se vê.
O filme não é tau mau como pensava, mas fica, sim, abaixo do mexicano, que não sendo brilhante é um filme consistente.
Vi este filme ontem e também pensei que ía ser pior. Os gays Rui Unas e Diogo Morgado estão hilariantes :D!
Quanto aos problemas tem muitos, mas destaco a má montagem e algumas cenas escusadas...
Abraço
Não achei os gays muito hilariantes, limitam-se a revisitar clichés. E sim, há algumas - ou muitas - cenas escusadas.
Estava aqui a lembrar-me de um momento interessante no filme: a perseguição após a emboscada ao Hugo Sequeira, por entre os contentores. Tudo é filmado de cima e o plano picado foi bastante engraçado, fez-me recordar aquele jogo do antigo ZX Spectrum, o Commando.
Por acaso não apreciei muito essa cena, pareceu-me uma tentativa forçada de injectar no filme uma sequência de acção à americana. Gostos... :)
Vi o filme esta noite...e de momento o que posso dizer é que é bem pior do que eu pensava. Falta-lhe consistência, uma base para o espectador se aperceba dos verdadeiros sentimentos das personagens. A relação do Padre Amaro com Amélia é explorada apenas de um modo carnal. Alguém acredita quando ela, a meio de uma... lhe diz que quer viver com ele para sempre? A relação explorada deste modo e o excesso de personagens e enredos (estereotipados) provoca uma indecisão quanto ao rumo da história...que não prende e cansa. E depois já não há paciência para aquele gang "ya tá-se bem", em que o menino é mau, atina, e depois acontece aquilo que qualquer um imagina...e acontece mesmo! E o suposto "olhar fatal" da actriz que faz de Amélia (nem sei o nome da modelo), deve ter sido a única coisa que apreendeu da direcção de actores..mas que mesmo assim resultou mal. Salvo algumas personagens, situações e subtis momentos, o filme é muito mau. Existem também graves falhas na edição e montagem. Talvez resulte melhor em formato mini-série...e acredito que resulte.
Também concordei com a tua crítica, Gonçalo :)
Abraço, André (o blog há-de vir...)
Ah, então foste ver este... Bem, eu avisei-te, por isso já devias estar à espera lol
Basicamente concordo com tudo o que disseste e desejo-te melhores filmes :)
Pois, mas apesar dos avisos, era de facto um filme que queria ver. A possibilidade de me surpreender e ate gostar estava meio posta de parte, mas devido ao alarido todo à volta dele... mercecia uma passagenzita de olhos eheh
abraço, andré
Bem, ao menos depois de o teres visto já podes dizer mal eheh...
Hasta ()
Para mim, um dos maiores problemas do filme é que os protagonistas, Soraia e Jorge são actores muito "verdes" e inexperientes que contracenam com grandes nomes do panorama cinematográfico português (Breyner, Wallenstein, Bustorff, Lagarto...etc). Na minha opinião, criou-se um fosso entre estes actores, em que as opiniões se dividem em "excelentes interpretações" e "péssimas", a julgar pela personagem de Soraia que não foi bem explorada (ou explorada apenas noutros termos...)É pena terem escolhido actores em início de carreira para os papéis principais...
Sim, os dois protagonistas não oferecem grandes interpretações, embora ache que o Jorge Corrula até tem um desempenho aceitável. A direcção de actores é mesmo irregular, como, aliás, o filme como um todo.
a serio ... adorei o filme... a seduçao e o enlace entre os dois ta demaias... parabens a tds
ora vamos a ver! está toda a gente indignada com a consistência (ou falta) do filme... sejamos realistas! o que um bom português gosta de ver é um belo par de mamas e o resto sao cantigas! tanto é verdade que foi o filme mais visto em mts anos! porque eu aposto que se nao fossem as cenas de sexo e afins não teria tido metade da audiencia que teve. é triste mas é verdade!
Bem, as cenas de sexo estão muito presentes no trailer e é verdade que a Soraia Chaves deverá ter sido um isco para muito espectador, mas até nem acho que o filme abuse assim tanto desses momentos (já vi muito filme arty bem mais carregado e explícito).
E nem só de de "um belo par de mamas" gosta o bom português, porque o "Alice", bem mais sóbrio, também teve bons resultados de bilheteira, por exemplo (embora menores, é verdade).
Só vos digo uma coisa:
http://pt.livra.com/review.asp?R=710008
Cada um tem o direito a dar a sua opinião sobre algo, só acho que não devem dizer que é mau só porque até não vão com a cara da coisa...
Eu posso dizer que adorei o filme e orgulho-me disso, acho simplesmente que é o melhor filme português feito até hoje é mesmo expetacular, desde os actores, realizador, guião até à Banda Sonora, mas isto é apenas a minha opinião é claro e não sou o único, digo isto porque não quero cometer o mesmo erro que vocês... a ideia do realizador, de certo, não foi fazer uma adaptação fiel do livro para o cinema. Penso que o que ele realmente quis fazer foi adaptar o livro à sociedade em que vivemos actualmente (Criticar a sociedade como Eça fez nos seus tempos). Acho que é por isto que apoio o filme não pelas cenas de sexo, tão faladas, tão polémicas, as quais nem achei nada de outro mundo. Posso aproveitar para dizer que penso que essas cenas foram também uma forma que o realizador encontrou para criticar a sociedade portuguesa cheia de preconceitos e tabus... Que mesmo assim segundo vocês "se nao fossem as cenas de sexo e afins não teria tido metade da audiencia que teve" o que só me dá razão... A sério.. não percebo a vossa indignação com o melhor filme português de sempre, um filme que ultrapassa de longe a qualidade de "Zona J" e "Sorte Nula" Filmes estes que eu adorei, mas a construção do filme em questão é simplesmente de mais...
My Quote: * * * * * (5 Estrelas)
fvilarinho@sapo.pt
Eu não disse que o filme era mau só porque sim, apresentei motivos para isso, tal como as pessoas que o comentaram aqui.
Quanto à crítica à sociedade de hoje, poderia ter sido interessante se fosse feita com mais subtileza, e não recorrendo a personagens estereotipadas, como os padres mafiosos ou os homossexuais efeminados, por exemplo. E entre este filme e "Sorte Nula", realmente este é capaz de ser um pouco melhor, mas isso não quer dizer muito, e deve estar ao mesmo nível de "Zona J". Já viste "Os Mutantes" e "Noite Escura"? Esses sim, acho que são bons filmes portugueses. Cumprimentos.
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