segunda-feira, abril 30, 2007

O BOM FILHO

Segundo filme do alemão Christoph Hochhaeusler, "Low Profile" (Falscher Bekenner) explora o quotidiano de um adolescente que, após o final do liceu, se encontra numa encruzinhada, uma vez que não tem ainda ideia de qual é a sua vocação nem especial vontade de a descobrir, o que o leva a arrastar-se em sucessivas entrevistas de emprego nas quais não deposita grande entusiasmo ou convicção.
O porquê desta desmotivação não chega a ser revelado, embora o filme deixe algumas pistas ao apresentar o constante incentivo - ou pressão - dos pais e dos dois irmãos, mais velhos e ambos bem-sucedidos. Armin, contudo, parece pouco interessado em aderir às vias socialmente impostas, adoptando uma postura que alia apatia e fragilidade e passando grande parte do tempo em deambulações pela cidade.

À partida, "Low Profile" parece assim apenas mais um retrato das contrariedades sentidas entre o fim da adolescência e a passagem para a idade adulta, mas ainda que se ambiente em domínios já familiares o filme contém suficientes elementos a seu favor, declinando alguns lugares-comuns.
Hochhaeusler é astuto no mergulho dentro do limbo existencial do protagonista, e para além de ser eficaz no relato das suas relações familiares e de amizade (estas quase inexistentes) insere no argumento pontuais cenas enigmáticas, como as de crimes locais pelos quais Armin fica algo obcecado, sendo mesmo sugerido que possa ser responsável por estes.
"Low Profile" nunca chega a clarificar essa questão, mas usa-a para instalar um suspense moderado que ajuda a que o filme seja interessante de seguir. Igualmente ambíguos são os momentos em que o jovem tem práticas sexuais com um grupo de motards, que Hochhaeusler não define se decorrem de facto ou se são fruto da contínua alienação de Armin e da sua ténue distinção entre acontecimentos reais ou imaginados.

Obra negra e magnética, contém várias sequências cortantes e estas compensam um argumento intrincado cujo desenlace fica abaixo das expectativas suscitadas. Os episódios das entrevistas de emprego evidenciam bem o ridículo que caracteriza muitos dos processos de selecção, enquanto que os das reuniões familiares são certeiros no incomportável peso que os pais, mesmo com as melhores intenções, podem colocar nos filhos.

Suportado numa sólida direcção de actores, de onde sobressai o muito prometedor Constantin von Jascheroff na pele do protagonista, "Low Profile" vale ainda pelo realismo que emana de um exemplar trabalho de realização e da fotografia de apropriados tons cinza.
Inquietante pela forma como dilui as fronteiras entre a inocência e a perversidade, é um filme que, embora seja vítima de um final demasiado abrupto e inconclusivo, vem comprovar, à semelhança de outros títulos recentes, que o novo cinema alemão contém consideráveis exemplos de cineastas e obras de méritos assinaláveis. Venham mais.


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM


"Low Profile"
foi uma das obras incluídas na secção Herói Independente da quarta edição do IndieLisboa

MÚSICA NO CORAÇÃO

Ícone maior da geração de 90, Kurt Cobain, mais do que pela já por si determinante música que criou com os Nirvana, marcou uma era por estar no atípico papel de um outcast subitamente atirado para os jogos de um sistema mainstream, viragem que acabou por encorajar a sua queda mas que, simultaneamente, o ajudou a tornar-se numa das figuras mais intrigantes e incontornáveis do rock praticado nos últimos anos.

Não faltam, por isso, livros ou filmes (entre documentários e exercícios ficcionais mais ou menos explícitos) em torno da sua história, dos genuínos aos meramente oportunistas. "Kurt Cobain: About a Son", abordagem do norte-americano A.J. Schnack ao percurso do cantor, está longe de ser só mais um exemplo, destacando-se pela forma criativa e pessoal como olha para as experiências de Cobain.

Recorrendo às 25 horas de entrevistas gravadas que o jornalista Michael Azerrad fez ao músico para a criação do livro "Come as You Are: The Story of Nirvana", entre 1992 e 1993, o realizador seleccionou cerca de hora e meia de relatos que constituem o cerne do seu documentário. A originalidade do projecto provém do modo como Schnack acompanhou visualmente esses testemunhos, dispensando quaisquer imagens de arquivo relacionadas com Cobain ou com os Nirvana (excepto escassas fotos já no final do filme) e optando antes por se concentrar nos espaços em que o cantor viveu.
Assim, "Kurt Cobain: About a Son" decorre por três cidades-chave para a vida do músico: Aberdeen, Olympia e Seattle; a primeira palco da sua infância e adolescência, a segunda um porto de abrigo durante uma fase pouco esperançosa e a terceira aquela que o acolheu quando foi catapulado para a fama.

Este é, então, um documentário muito longe dos habituais biopics formulaicos, e se ocasionalmente se revela algo cansativo ao contar apenas com as conversas de Cobain e Azerrad suportadas visualmente por imagens urbanas, na maior parte da sua duração consegue impor-se como um objecto de uma rara ressonância emocional. Parte do mérito deve-se ao discurso de Cobain, capaz de ser sempre articulado e interessante mantendo um apreciável sentido de humor e uma sensibilidade que se vai descortinando. A milhas, portanto, do limitadíssimo e fácil retrato pintado por Gus Van Sant no insípido "Last Days - Os Últimos Dias", que reduziu o músico ao cliché de um junkie imerso numa amargura e desolação constantes.

Mas "Kurt Cobain: About a Son" não vale apenas pela demonstração do carisma do músico, já que Schnack é responsável por uma série de imagens não raras vezes belíssimas e sempre apropriadas aos episódios narrados, dando aos cenários urbanos norte-americanos uma etérea e absorvente poesia visual ou oferecendo curiosas sequências de animação. Esta aura melancólica mas encantatória é reforçada pela partitura instrumental composta por Ben Gibbard (dos Death Cab for Cutie e Postal Service) e Steve Fisk (um dos produtores dos Nirvana), que sofre um eficaz contraste com as canções de algumas bandas preferidas de Cobain também presentes no filme.

Debruçando-se sobre a solitária adolescência do cantor, a paixão pelas artes que o acompanhou desde cedo (e a sua ambição em desfazer fronteiras entre o punk e a pop), a interferência das drogas, o contacto com as vicissitudes da indústria musical, a relação com Courtney Love, a crise interna dos Nirvana ou as consequências da fama, "Kurt Cobain: About a Son" é uma genuína experiência intimista de apelo universal, nem sempre brilhante mas que no geral conquista e comove. Uma bela surpresa que merece ser partilhada.


E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM


"Kurt Cobain: About a Son"
foi uma das obras da secção IndieMusic da quarta edição do IndieLisboa

domingo, abril 29, 2007

O FIO DA VIDA

Sisuda, irritadiça e desconfiada, Frédérique - ou Fred, como é habitualmente tratada - vive uma rotina que se divide entre o trabalho como enfermeira no hospital de uma pequena cidade suíça, passeios de bicicleta e saídas à noite.

Com poucos amigos e relações familares conturbadas, a protagonista de "Pas Douce" cansa-se da amargura que invade cada vez mais o seu quotidiano e decide suicidar-se na floresta com um tiro de caçadeira, mas o seu plano é alterado quando dois adolescentes barulhentos correm pelas proximidades. A jovem enfermeira reage impulsivamente à interferência e acaba por disparar na perna de um deles, o que a leva a ter de esquecer, pelos menos temporariamente, os seus pensamentos suicidas ao ajudar a vítima no hospital onde trabalha - tarefa que, ainda por cima, não será fácil, uma vez que Marcos é tão ou mais revoltado e impaciente do que ela.

Segunda longa-metragem da suíça Jeanne Waltz, realizadora que viveu anos em Portugal onde realizou o filme anterior, "Daqui P'ra Alegria", "Pas Douce" é um drama seco e directo sobre a redenção, a confiança e a solidão, questões trabalhadas a partir de um consistente estudo de personagem. Se é verdade que, após a revelação da premissa, o argumento não se desenvolve de forma especialmente surpreendente, já que não é difícil prever o rumo que o relacionamento entre a enfermeira e o paciente toma, isso nem compromete muito a solidez do filme, pois Waltz dirige com mão segura este retrato de duas vidas algo alienadas e frias.

A complementar a competente realização de travo realista surge um denso e inabalável desempenho de Isild Le Besco, que concede à personagem principal uma atitude irascível sem deixar de expor uma vulnerabilidade que tenta esconder-se. Encabeçando um elenco que não compromete, a actriz é o grande trunfo de uma película que oferece ainda um olhar sobre as singulares relações nas comunidades das pequenas cidades, vincado por um subtil sentido de observação de Waltz e pela atenção dada ao detalhe, dotando "Pas Douce" de uma plausibilidade palpável e contribuindo para que se torne num título auspicioso.


E O VEREDICTO É:
3/5 - BOM


"Pas Douce"
é uma das obras da secção competitiva da quarta edição do IndieLisboa

sábado, abril 28, 2007

CINEMA ART CORE

A proposta é interessante: reunir sete realizadores e artistas plásticos para uma abordagem ao sexo e à pornografia desenvolvida num conjunto de curtas-metragens. O resultado deste "Destricted", no entanto, é pouco convincente, pois para além de desequilibrado nunca chega a ser desafiante e na maior parte dos casos denuncia apenas pretensão em demasia e/ou mera preguiça mental.

Alguns trabalhos conseguem, mesmo assim, despertar alguma curiosidade ao irem além do óbvio É o caso de "Hoist", de Matthew Barney, a mais bizarra e desconcertante, uma autêntica fusão homem-máquina, que inquieta pela lubrificação simultânea do pénis do actor e da turbina de um tractor içado onde este se encontra. O ritmo pausado que Barney imprime ao filme, juntamente com os estranhos ruídos de fundo, tornam esta curta num objecto original que cumpre os pressupostos de "Destricted".

Outro exemplo relativamente convincente é o de Larry Clark, que em "Impaled" faz um incomum casting onde um grupo de rapazes concorre a fim de ter sexo com actrizes de filmes pornográficos. Convidando os intervenientes a falarem das suas experiências e do impacto da indústria porno no seu crescimento, o realizador de "Ken Park" ou "Bully - Estranhas Amizades" não evita a sua habitual tendência voyeur e deixa os concorrentes literalmente despidos de preconceitos em frente à câmara. O balanço gera um filme oportunista, mas também pertinente.

"Balkan Erotic Epic", de Marina Abramovic, tem alguma relevância enquanto documento sobre o papel que o sexo assume nos mitos e superstições das culturas dos balcãs, embora se candidate mais a ser motivo de humor involuntário do que propriamente fonte de uma reflexão séria.

"Sync", de Marco Brambilla, aposta numa montagem de inúmeras cenas de sexo que se sucedem de segundo a segundo ao som de um solo de bateria, mas a sua escassa duração faz com que passe quase despercebida. O mesmo não pode dizer-se dos intermináveis quinze minutos de "We Fuck Alone", exercício esgotante onde Gaspar Noé foca, alternadamente, uma rapariga e um rapaz que se masturbam ao assistirem ao mesmo filme em espaços diferentes. A imagem sempre intermitente e a música sinistra, aliadas à redundância das cenas, tornam esta proposta numa das mais cansativas, ficando aquém do que o realizador demonstrou em "Irreversível".

Quase tão entediantes são "Death Valley", de Sam Taylor-Wood, a mais desinspirada das curtas, que se limita a focar um rapaz a masturbar-se no vale que lhe dá título, e "House Call", de Richard Prince, que vale apenas para quem queira recordar sequências de filmes pornográficos old-school.

Com aspirações de funcionar enquanto compilação arrojada, experimental e complexa, "Destricted" só a espaços cumpre esse programa, já que a maioria das suas curtas parece pressupor que ousadia e criatividade se resumem a um recurso ao sexo explícito. De entre as propostas que testam as fronteiras entre a pornografia e a arte, o também recente "Shortbus", de John Cameron Mitchell, insinua-se como um título bem mais consistente e prova que uma pode ser mais satisfatória do que sete.


E O VEREDICTO É: 2/5 - RAZOÁVEL


"Destricted"
é uma das obras da secção Laboratório da quarta edição do IndieLisboa exibida hoje às 22h15 no Fórum Lisboa

A PRAIA

Filmes com historias entrecruzadas, além de não serem novidade, passaram mesmo a ser uma tendência desde que "Magnólia", de Paul Thomas Anderson, revelou a muitos as potencialidades dessa opção (já desbravadas, anos antes, por Robert Altman).
"Drama/Mex", segunda longa-metragem do mexicano Gerardo Naranjo Gonzalez, é mais um título que adopta essa estrutura, se bem que a referência mais próxima até será "Amor Cão", do conterrâneo Alejandro González Iñárritu, com o qual o filme exibe algumas afinidades. Este retrato de uma noite em Acapulco tem, contudo, uma narrativa menos circular do que a primeira obra do realizador de "Babel" e o tom, embora seja o de um drama com os nervos à flor da pele, é menos amargurado e angustiante.

"Drama/Mex" possui ainda algumas das características pelas quais o recente cinema sul-americano se tem distinguido - nomeadamente obras de Alfonso Cuarón ou Fernando Meirelles -, ao mergulhar num realismo cru e sujo reforçado pelo recurso à câmara à mão, à fotografia de imagem granulada ou à filmagem digital. Os actores, todos jovens sem qualquer experiência interpretativa exceptuando um dos protagonistas (o de meia idade), são vibrantes e credíveis nos seus desempenhos, agarrando-se com intensidade às personagens e adensando a pulsão verista dos espaços e do argumento.

Crónica de amores intermitentes, gastos, inesperados ou desencontrados, o filme segue duas linhas narrativas: a de um triângulo amoroso onde uma jovem rica não consegue decidir-se entre o actual namorado ou o anterior, que regressa sem aviso; e a de um pai de família seduzido pelo suicídio mas que, ao refugiar-se num hotel à beira-mar, conhece uma irreverente adolescente que dá novo fôlego à sua rotina. As histórias, que se desenrolam nos mesmos espaços, contém apenas ligações ténues e desenvolvem-se de forma independente, ainda que ambas contenham personagens cujo presente é hesitante e o impulso surge como meio de resposta a um futuro incerto.

"Drama/Mex" pode não inovar muito face à matriz presente em muitas das obras provenientes das mesmas origens, mas isso não invalida que se trate de um filme de méritos evidentes, sendo suficientemente imprevisível, vivo e espontâneo. E isso já basta para o colocar num patamar acima da mediania.


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM


"Drama/Mex"
é um dos títulos em competição na quarta edição do IndieLisboa

sexta-feira, abril 27, 2007

AS NOITES DE BUDAPESTE

Estreia da húngara Ágnes Kocsis na realização, "Fresh Air" (Friss Levegö) é um drama taciturno e desencantado protagonizado por duas mulheres, Viola e Angéla, respectivamente mãe e filha que vivem juntas mas mantêm uma relação difícil. Viola é empregada de limpeza de uma casa de banho pública, e essa ocupação talvez esteja na origem do escasso contacto entre ela e Angéla, que ambiciona ser estilista e tem vergonha do emprego da mãe.

Marcadas por um dia-a-dia pouco auspicioso num bairro pobre e cinzento de Budapeste, as duas só se encontram para assistir à série televisiva "O Polvo", e durante o resto do tempo a mãe procura nos encontros com homens um escape à medida que a filha vai iniciando as suas relações amorosas.

Apesar de se sugerir estimulante, pelo retrato de uma realidade precária pouco mostrada e de conter, por isso, bases para uma considerável tensão dramática, "Fresh Air" nunca chega a arrancar, perdendo-se em múltiplos episódios quotidianos de interesse váriável que nunca geram um tronco narrativo coeso.

Preso a um ritmo demasiado lento e caracterizado por escassos diálogos, o filme tem pouco para oferecer além de ocasionais planos inspirados - nota-se que Kocsis tem talento para os enquadramentos - e das seguras, ainda que muito contidas, interpretações das protagonistas. A fotografia de tons esbatidos e turvos realça a carga lacónica do argumento minimalista, mas esta competência técnica não chega para impedir que "Fresh Air" seja um filme frustrante e insosso.

Não se justificam, assim, as ambiciosas duas horas de duração, uma vez que não há aqui substrato que as sustente, e o filme provavelmente só ganharia se tivesse sido uma média metragem.
De resto, a temática não só não traz nada de novo como já foi trabalhada de forma mais interessante noutras películas, caso do recente "Filha da Guerra", de Jasmila Zbanic, onde uma mãe e uma filha de um subúrbio da Europa de leste também mantinham uma relação conturbada. Sobram, então, poucos motivos para que "Fresh Air" se imponha enquanto uma experiência cinematográfica recomendável, já que de refrescante só tem mesmo o título.

E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL

"Fresh Air"
é uma das obras em competição na quarta edição do IndieLisboa

quinta-feira, abril 26, 2007

CALMA DE MORTE

Obra com tanto de meticuloso como de inóspito, "Le Dernier des Fous", de Laurent Achard, é o retrato da solidão de uma criança da França rural que observa silenciosamente o progressivo desmoronar da sua família.
Com uma mãe recolhida no quarto devido a problemas psiquiátricos, um pai distante que recusa aceitar o presente e uma avó austera e manipuladora, o protagonista apenas encontra algum calor emocional na dedicada empregada, figura que vai impedindo o derradeiro colapso da família, e no seu irmão mais velho, que contudo entra em crise ao descobrir que o namorado vai casar.

Achard não poupa as personagens nem o espectador, e por detrás de um ritmo pausado mas magnético e das tranquilas paisagens bucólicas esconde-se uma claustrofobia psicológica por vezes difícil de digerir, dado o desespero que toma conta das personagens.

"Le Dernier des Fous" não é, contudo, um mero filme-choque, antes um tristíssimo relato de uma infância frágil e desamparada, onde o amor vai estando presente mas é sufocado pela vertigem da loucura (que assume aqui várias formas).

É quase impossível sair incólume perante a indiferença com que o pequeno Martin vai sendo tratado, não só por parte dos seus familiares mas pelo facto de não ter mais ninguém que o acolha - a sua única amiga, um pouco mais velha, também acaba por ignorá-lo ao preferir a companhia de rapazes da sua idade.
Julien Cochelin, o jovem actor que encarna o protagonista, apresenta um desempenho memorável, compondo uma personagem que de tão recatada e circunspecta adquire por vezes uma inquietante aura sorumbática. Pascal Cervo, no papel de irmão mais velho, é também irrepreensível e oferece algumas das cenas mais intensas do filme. Os momentos entre os dois resultam especialmente bem, tanto nas comoventes cenas em que Martin ouve histórias do irmão como nos episódios mais conflituosos.

"Le Dernier des Fous" é uma obra rigorosa e violenta que evidencia o talento de um núcleo de actores seguros e sobretudo de um realizador capaz de sustentar um desarmante olhar clínico, expondo uma secura dramática que não faz deste um filme de fácil adesão mas cuja solidez também não deixa de gerar admiração.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

"Le Dernier des Fous"
está em competição na quarta edição do IndieLisboa e é exibido hoje às 16 horas no King

quarta-feira, abril 25, 2007

O TEMPO QUE RESTA

Terrence Malick e Gus Van Sant são nomes a que o sueco Jesper Ganslandt tem sido comparado pela sua primeira longa-metragem, "Falkenberg Farewell", e percebe-se porquê, uma vez que este olhar sobre um grupo de pós-adolescentes de uma pequena localidade sueca possui uma carga contemplativa e poética não muito distante da que predomina nos trabalhos desses cineastas.

No entanto, se formalmente há algumas semelhanças, o jovem realizador não apresenta trunfos que o façam obter, pelo menos por enquanto, um estatuto à altura do já conquistado por esses dois autores. Não que este seja um filme desprovido de qualidades, já que consegue moldar um retrato por vezes sedutor e encantatório do dia-a-dia de um grupo de amigos que, após os estudos, aproveitam um último Verão antes da entrada decisiva na vida adulta os catapultar para outros rumos.

Ganslandt cruza um cru e directo realismo, ocasionalmente quase documental, com sequências de considerável carga onírica, de que resulta um ambiente etéreo e não raras vezes nostálgico que dá provas de uma sensibilidade apurada. Recorrendo também a imagens de arquivo, o realizador aborda aqui os últimos dias em que as suas personagens ainda estão ligadas à infância e aproveitam para viver ao máximo uma fase de relativa despreocupação, que contudo exibe já sinais de um desencanto que ameaça alastrar-se num futuro próximo.

Dominado por amizades sinceras e larger than life, "Falkenberg Farewell" mergulha no universo masculino e fornece uma perspectiva intimista do companheirismo de um grupo de amigos - em especial da próxima relação de dois destes -, desenvolvendo uma narrativa sem um fio condutor definido que agrega episódios soltos. Esta estrutura, intrigante nos primeiros minutos, acaba por se tornar pouco motivadora por apresentar situações que, de tão banais, suscitam indiferença e algum cansaço.
É certo que tal opção dota a película de um verismo conseguido, onde a plausibilidade não é posta em causa, mas até ao momento em que um acontecimento decisivo altera o percurso de uma das personagens, "Falkenberg Farewell" decorre sem despertar especial entusiasmo.
Infelizmente, essa sequência surge já tarde demais, e ainda que seja responsável pelo momento dramaticamete mais forte do filme, não chega para que o resultado global conquiste por completo.
É pena, pois a espontaneidade das interpretações ou a admirável banda-sonora de Erik Enocksson mereciam ser melhor aproveitadas, mas embora façam parte de uma obra desequilibrada não convém desprezar o potencial que Jesper Ganslandt exibe aqui - apenas se espera que surja com maior solidez nos próximos trabalhos.


E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL


"Falkenberg Farewell"
é uma das obras em competição na quarta edição do IndieLisboa

NOITES SUBURBANAS

A proposta não parece, à partida, trazer nada de novo: relatar o quotidiano de um grupo de jovens dos subúrbios entre o fim da adolescência e o início da idade adulta, que enquanto se decidem quanto ao seu futuro vão aceitando empregos em restaurantes de comida rápida ou clubes de vídeo. Esta premissa tanto poderia ser a do livro "Geração X" de Douglas Coupland ou a do filme "Slacker" de Richard Linklater, entre outros exemplos, mas no caso trata-se da de "Analog Days", estreia na realização do norte-americano Mike Ott.

Longe de contar com um ponto de partida especialmente inovador, o filme tem a pequena proeza de contar com uma frescura e genuinidade que nem sempre têm estado presentes em muito cinema indie dos últimos tempos, optando por uma abordagem singular, sensível e complexa de temas recorrentes.

"Analog Days" foca pequenos episódios, decorridos ao longo de vários meses, das vidas de várias personagens de uma pequena cidade da Califórnia. Não encontrando respostas para as suas inquietações num sistema de ensino demasiado limitado e muito menos em jogos políticos manipuladores, os protagonistas encontram refúgios temporários na música, uns nos outros ou em empregos precários à espera de melhores dias, que de mês a mês parecem nunca chegar.

Ott tem a difícil habilidade de definir personagens em poucos minutos, e mesmo que algumas não saiam do estereótipo - o que é compreensível, dado o extenso elenco -, as mais determinantes são figuras tridimensionais com as quais é fácil sentir empatia, ou não fosem as suas dúvidas e problemas tão próximos das de tantos outros. Marcado por uma atmosfera melancólica, mas nunca depressiva ou niilista, "Analog Days" deixa na memória algumas cenas peculiares como uma reveladora conversa à volta da fogueira, provocações numa mesa de café ou uma mais decisiva, sendo repetida e usada como gancho narrativo, em que um amigo cumprimenta outro mas já não o reconhece.

Fulcral para a acção, a óptima banda-sonora inclui canções de muitos nomes recomendáveis - Interpol, Elliot Smith, Joy Division ou Derek Fudesco dos Pretty Girls Make Graves -, mas é "So Here We Are", dos Bloc Party, a que mais brilha, sendo um elemento-chave para que a recta final do filme contenha um sentido de urgência tão belo e envolvente. "Analog Days" pode ter as suas fragilidades, de resto naturais numa primeira obra - o baixo orçamento é evidente num trabalho de realização por vezes amador -, mas sequências de antologia como esta, dominadas por uma fortíssima densidade emocional, permitem compensá-las largamente e tornar o filme numa estreia irresistível, cheia de alma e muito promissora.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

"Analog Days"
é uma das obras em competição na quarta edição do IndieLisboa e é exibida hoje às 19h no Fórum Lisboa

terça-feira, abril 24, 2007

OS AMANTES IRREGULARES

Após poucos minutos de filme, quando os dois se protagonistas se conhecem num bar, surgem comparações quase inevitáveis com o díptico "Antes do Amanhecer"/"Antes do Anoitecer" , de Richard Linklater, dada a espontaneidade da dupla de actores e o realismo dos diálogos, que em certos momentos se estendem por vários minutos.
Mas não é só por aqui que "The Hottest State", segunda longa-metragem do actor/escritor/realizador Ethan Hawke (inspirada no seu livro homónimo), exibe paralelismos com dois dos filmes que mais o notabilizaram, uma vez que este seu projecto é também um espelho das ambições, receios e contradições de jovens adultos que não querem estar sozinhos mas cuja vida a dois surge sempre ameaçada por hesitações e reavaliações.

A abordagem de Hawke, embora não esteja imune a comparações com a de Linklater, é contudo suficientemente distinta para que "The Hottest State" seja um filme com identidade própria, denunciando um considerável talento na escrita e na realização. Se por um lado não oferece nada de inédito depois de tantos outros retratos das vidas de jovens de vinte e poucos anos, a película consegue envolver pela densidade emocional que vai adquirindo, desenhando a história de um casal de forma credível e sensível.

Neste caso, o duo é formado por um jovem actor e uma aspirante a cantora que, após uma relação à partida idílica que nasce repentina e inesperadamente, têm de lidar com o colapso e enfrentar os contrangimentos de uma eventual reaproximação. Mark Webber e Catalina Sandino Moreno obtêm aqui dois desempenhos convincentes, ele aliando impulsividade e fragilidade, ela equilibrando-o com a maturidade e subtileza que já demonstrara em "Maria Cheia de Graça" ou "Geração Fast-Food". O elenco vale também pelos secundários, que incluem o próprio Ethan Hawke, a sempre segura Laura Linney, aqui com a classe habitual, e a brasileira Sónia Braga, responsável por algumas das cenas mais divertidas do filme.

A quase omnipresente banda-sonora reforça as qualidades do projecto, contando com nomes como Cat Power, Bright Eyes, Emmylou Harris, Brad Mehldau ou Feist, cujas canções folk/indie/alternative country não poderiam ser mais apropriadas para uma história que decorre entre o Texas, o México e Nova Iorque.
Drama agridoce e idealista q.b., "The Hottest State" chega a ser também, à semelhança dos seus protagonistas, algo pueril e imberbe a espaços, características que não chegam no entanto a sobrepor-se aos méritos de uma obra que ofecere uma sinceridade e entrega acima da média.

E O VEREDICTO É:
3,5/5 - BOM

"The Hottest State"
é uma das obras da secção "Observatório" do IndieLisboa e é exibida dia 25 de Abril às 16 horas no Fórum Lisboa

VIDAS DIFERENTES

Misto de drama familiar e road movie, "The State I Am In" (Die Innere Sicherheit, 2000) é a segunda longa-metragem do alemão Christian Petzold e debruça-se sobre o quotidiano de um casal e da sua filha de quinze anos. Esta poderia ser uma família igual a tantas outras, não fosse o facto de andar constantemente em fuga há mais de uma década devido ao cadastro dos pais.

No início do filme, os protagonistas encontra-se instalados no sul de Portugal, mas esse acaba por ser só mais um local de alojamento temporário uma vez que um pequeno incidente os força a regressarem à Alemanha, de onde tentarão fugir para o Brasil a fim de obterem aí uma vida mais segura e estável. Todavia, nem tudo corre como previsto, e entre os factores inesperados surge a súbita paixão da filha por um rapaz que conhece numa praia portuguesa.

Esse relacionamento encoraja a adolecente a expressar, de forma cada vez mais denunciada, a frustração que acumulou após anos de vida nómada com os pais, nunca conseguindo ter uma rotina igual à de muitas raparigas da sua idade.

"The State I Am In" é uma proposta arriscada na medida em que se concentra em personagens de moral dúbia - numa cena a filha é repreendida pelos pais não por roubar, mas pelas consequências desse acto comprometerem a segurança da família -, conseguindo contudo gerar alguma empatia por estas. O problema é que Petzold nem sempre torna o filme numa experiência estimulante, pois entre ocasionais cenas interessantes há demasiados momentos que nada acrescentam a uma narrativa pouco absorvente. O trabalho de realização também não é particularmente digno de nota, sendo correcto mas longe de inventivo, e o filme demora a arrancar e tem um desenlace não muito satisfatório.

Há, ainda assim, elementos a reter, como a competente abordagem da difícil mas próxima relação entre os pais e a filha, num constante debate de prioridades, e sobretudo a interpretação de Julia Hummer, jovem actriz que revela aqui um considerável potencial na pele de uma adolescente complexa e indecisa. Não é o suficiente para fazer de "The State I Am In" uma obra de relevância assinalável, mas chega para dar o benefício da dúvida a Christian Petzold.


E O VEREDICTO É:
2/5 - RAZOÁVEL


"The State I Am In"
é uma das obras da secção "Herói Independente" da quarta edição do IndieLisboa

segunda-feira, abril 23, 2007

O MISTERIOSO ATENTADO EM MANHATTAN

O filme começa sem que nada se saiba sobre ela, e quando termina o espectador continua sem ter muitas pistas sobre a identidade ou as motivações da protagonista de "Day Night Day Night", segunda experiência na realização de Julia Loktev depois do documentário "Moment of Impact".

Nesta obsessiva viagem centrada na missão de uma jovem bombista que se prepara para um atentado suicida em Nova Iorque, Loktev não se perde em explicações e limita-se a focar a acção, tanto a dos testes da aspirante a terrorista, que ocupam cerca de dois terços da película, como as peripécias decorridas posteriormente em Times Square, local para onde se planeou o atentado.

Tal como "O Paraíso, Agora!", de Hany Abu-Assad, também "Day Night Day Night" oferece um retrato de uma missão terrorista avesso a estereótipos, histerias e facilitismos. O facto das atitudes e postura da personagem principal pelas ruas de Nova Iorque serem tão prosaicas e discretas apenas alarga o nível de inquietação gerado pelo filme, que sugere que o perigo pode surgir mesmo onde menos se espera.
A actriz protagonista, Luisa Williams, é seguida pela câmara ao longo de uma hora e meia de nervosismo crescente, e a sua interpretação sóbria mas intensa é determinante para que "Day Night Day Night" consiga perturbar e descoordenar. Aparentemente uma adolescente silenciosa, tímida e educada, encontra-se no entanto numa situação pouco habitual mas o filme nunca chega a revelar o que a levou até lá, o que o torna num objecto especialmente enigmático e intrigante.

Durante uma primeira parte, onde a protagonista se prepara para a missão num quarto de hotel com a ajuda pessoas que permanecem anónimas, "Day Night Day Night" é uma obra tão rigorosa, claustrofóbica e clínica que se arrisca a deixar o espectador tão esgotado como a jovem terrorista. Nas ruas de Times Square há alguma descompressão na narrativa, pois embora os grandes planos ainda predominem o filme ganha maior fôlego quando o argumento abre espaço para algumas surpresas estrategicamente colocadas.
A película resulta melhor nos segmentos finais, mas mesmo sendo desequilibrada mostra uma realizadora e uma actriz com méritos mais do que evidentes, o que só por si já bastaria para destacar este como um título a ver.

E O VEREDICTO É:
3/5 - BOM

"Day Night Day Night"
é uma das obras em competição na quarta edição do IndieLisboa

sexta-feira, abril 20, 2007

INDIELISBOA: DAY ONE, CHECK.

"Life in Loops: a Megacities Remix", de Timo Novotny, assinalou ontem à noite a inauguração do IndieLisboa no cinema São Jorge e teve sessão esgotada. Hoje, o mesmo filme será musicado ao vivo pelos austríacos Sofa Surfers, com início previsto para as 21h45 no mesmo espaço.

Integrado na secção Herói Independente, foi exibido "Helpless", o primeiro de muitos filmes programados do japonês Shonji Aoyama. Lacónico e vincado por um ritmo pouco envolvente, o filme aproxima-se de alguns títulos de Takeshi Kitano mas não consegue impor-se como uma obra dotada de sinais particulares, arrastando-se numa narrativa entediante dominada por personagens sem grande consistência. Espera-se que as restantes películas do cineasta em exibição sejam mais aliciantes.

Para hoje, o cartaz contempla mais de vinte filmes que se distribuem pelas salas do King, Londres, São Jorge e Fórum Lisboa. É o caso de "Destricted", longa-metragem que reúne várias curtas assentes na temática do sexo e realizadas por nomes como Larry Clark, Matthew Barney ou Gaspar Noé (às 22h15 no Fórum Lisboa); "Le Dernier des Fous", o aplaudido drama familiar do francês Laurent Achard (no King às 22h); "Old Joy", do norte-americano Kelly Reichardt, protagonizado pelo cantor Will Oldham (21h30 no King); "Squatterpunk", do filipino Khavn, experimental retrato dos bairros de lata de Manila (23h30 no Londres); ou várias obras do novo cinema alemão, entre outros. Resta saber como lidar com tanta oferta em simultâneo...


Sofa Surfers - "Good Day to Die"

MAGIA SEM ACIDENTES

A propósito da edição do seu terceiro disco, o recente “The Magic Position”, Patrick Wolf actuou na passada quarta-feira em Lisboa pela primeira vez, no Lux, e se o concerto não chegou a esgotar – ao contrário do ocorrido com os dos Cansei de Ser Sexy há poucos dias no mesmo espaço – também não se pode dizer que a adesão tenha sido escassa.

O cantor e multi-instrumentista, apenas com 23 anos, exibiu uma maturidade e segurança atípicas, já denunciadas nos discos mas que, noutros casos, nem sempre têm reflexo nas actuações ao vivo. Wolf, contudo, não desiludiu, e pareceu sentir-se em casa tanto pelo à-vontade que revelou perante um público sempre entusiasmado como pelas suas notáveis capacidades interpretativas.
Dono de uma voz possante e magnética como poucas, o músico irlandês tem o mérito de a usar em canções que cruzam registos que tanto vão da pop mais infecciosa e trauteável a paisagens de uma dolente melancolia com pronunciada herança da folk ou da música clássica.
O espectáculo demonstrou essa versatilidade, alternando momentos intimistas e recatados com outros que convidaram à festa, sendo estes últimos os mais frequentes ou não tivesse grande parte do alinhamento incidido em “The Magic Position”, o disco onde Wolf revela uma faceta mais optimista e esperançosa.

O início, com “Overture”, encantou pelas belíssimas melodias não só do violino, presença habitual nas composições do cantor (e tocado pelo próprio), mas também pelo acompanhamento da banda de suporte que incluiu um contrabaixista, outra violinista, um baterista e um manipulador de elementos electrónicos. “Get Lost”, efusiva q.b., deu continuidade a um arranque conseguido, e a visceral “Tristan” regressou a “Wind in the Wires”, o segundo álbum do músico.
Sem canções menores, o concerto viveu tanto da energia e intensidade destas como dos interlúdios em que Wolf se dirigiu ao público para relatar episódios de actuações anteriores ou da sua adolescência, tentando animar os espectadores e sendo sempre bem-sucedido nesse propósito, nem que para isso tivesse de gozar com a sua imagem (dizendo, por exemplo, que a sua roupa – umas calças de lycra de tons zebra, uma t-shirt de alças e umas meias rotas – tinha sido comprada numa loja para raparigas adolescentes).

Entre as palminhas durante os temas – e houve muitas em Accident and Emergency” ou “The Magic Position” – houve espaço para momentos de considerável introspecção em “To The Lighthouse”, do disco de estreia “Lycantrophy”; “The Stars”, inesperadamente interligada com uma versão de “Moon River”, ou o cativante díptico “The Bluebell”/”Bluebells”.
Os dois encores também registaram essa dualidade de atmosferas, uma vez que o primeiro, uma cover do hit 80s “Feels Like I’m in Love”, de Kelly Marie, extravasou uma hipnótica pujança disco que uns Scissor Sisters gostariam de atingir (irresistíveis, as constantes acelerações e desacelerações), e o segundo, “Magpie”, terminou com Wolf ao piano e com um precioso complemento vocal (gravado) de Marianne Faithful.

Como tudo o que é bom dura pouco, o concerto mal chegou aos 60 minutos de duração, deixando de fora várias canções que teriam sido muito bem-vindas (a ausência de “The Libertine” é quase imperdoável). E apesar da solidez do espectáculo, foram poucos os temas que registaram diferenças face às versões dos discos, o que não é necessariamente mau – pelo menos quando as canções, como é o caso, sobrevivem bem a isso -, mas também não gera grandes doses de surpresa. De qualquer forma, os recorrentes aplausos foram merecidos e o jovem músico provou que, se continuar neste nível, será sempre uma presença acolhedora a não perder no palco mais próximo.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM


Patrick Wolf - "The Magic Position" (ao vivo, via Randomtypes)

quinta-feira, abril 19, 2007

ESTREIA DA SEMANA: INDIELISBOA

'A Scanner Darkly', de Richard Linklater

Esta semana, e até porque não há estreias especialmente intrigantes, o melhor é concentrar atenções na quarta edição do IndieLisboa, que como já vai sendo hábito traz, em Abril, algumas das melhores propostas do cinema independente.
Este ano, as sessões decorrem no Fórum Lisboa e nos cinemas King, Londres e São Jorge e há algumas novidades previstas.
A abertura oficial decorre hoje pelas 21h30 no São Jorge com o espectáculo "Life in Loops: a Megacities Remix", seguido do concerto do Quinteto Mário Franco. Nas restantes salas que acolhem o festival, os primeiros filmes em exibição são a muito esperada fusão de animação e imagem real "A Scanner Darkly", de Richard Linklater (às 22h15 no Fórum Lisboa); "Who Killed Cock Robin?", de Travis Wilkerson (21h15 no Londres) e "Helpless", de Shonji Aoyama (21h30 no King).
Nos próximos dias estarei por lá e destacarei aqui alguns filmes, à semelhança do que ocorreu nas edições de 2005 e 2006, agora já não como enviado do Cinema2000 mas do SAPO.

terça-feira, abril 17, 2007

EDWARD ESMAGA!!!

Como a BD parece ser um filão de que Hollywood ainda não se cansou de explorar, já está confirmada uma sequela para "Hulk", protagonizada por Edward Norton (que substitui assim Eric Bana, que encarnou a personagem no primeiro filme).
Se há poucas dúvidas de que o actor será convincente como Bruce Banner, o mesmo não se pode dizer das capacidades do realizador escolhido, o francês Louis Leterrier, conhecido pelo seu trabalho em projectos muito fraquinhos (nota: eufemismo) como a saga de "The Transporter" ou "Danny the Dog - Força Destruidora". Enfim, não é propriamente o que se esperaria depois de um (recomendável) primeiro filme assinado por Ang Lee, mas se a Marvel quer mais receitas de bilheteira através de cinema-pipoca de qualidade duvidosa então percebe-se a opção.

E já que falamos no (anti)herói verde, aproveito para dizer que achava mais piada a uma adaptação da Mulher-Hulk, de preferência a da fase escrita e desenhada por John Byrne (há cerca de 20 anos), que redefiniu a personagem e fez da sua revista uma das mais auto-conscientes, irreverentes e divertidas da Marvel (tendo inspirado, e ainda bem, a série de BD actual escrita por Dan Slott). Ah, mas se o filme for só mais uma desculpa para ver a Halle Berry ou a Jennifer Garner aos saltos em trajes menores, então mais vale a ideia não avançar...

segunda-feira, abril 16, 2007

THE JAPANESE TOUCH

Talvez o projecto mais emblemático da revolução (musical) francesa de meados de 90 - só equiparado em mediatismo e influência pelos Daft Punk -, a dupla Air estreou-se com um dos discos mais aclamados da década, "Moon Safari" (1998), inspirada amálgama electrónica de lounge, easy listening e dream pop que originou singles cristalinos como "Kelly Watch the Stars" ou "All I Need".

Dez anos depois, Jean-Benoit Dunckel e Nicolas Godin assinam o seu quarto registo de originais, "Pocket Symphony", mas se no início as aventuras sonoras que a dupla propunha conquistavam por uma contagiante carga de frescura e espontaneidade, nos últimos anos as suas canções nem sempre têm conseguido manter essa aura.

O novo disco é o testemunho mais paradigmático de uma certa acomodação que tem invadido a música dos Air, dado que muitas das suas composições até poderiam ter surgido na década passada, uma vez que não contêm particulares traços de inovação.

Não é, contudo, com "Moon Safari" que "Pocket Symphony" exibe maiores semelhanças, antes com a mais etérea banda-sonora para "The Virgin Suicides", de Sofia Coppola, ou algumas pistas de "Talkie Walkie", em especial o tema "Alone em Kyoto", que já continha influências orientais que adquirem aqui maior preponderância.

Um dos factores diferenciadores que tem sido referido quanto a este disco é a utilização de instrumentos tradicionais japoneses, como o koto e shamisen, mas essa opção, embora curiosa, não traz grandes novidades às sonoridades praticadas pela dupla. Pelo contrário, são utilizados para reforçar a carga tranquila e introspectiva que sempre dominou grande parte das criações dos Air - os experimentalismos nem sempre pertinentes de "10,000 Hz Legend" foram uma excepção -, tornando "Pocket Symphony" num álbum dominado por cenários de placidez por vezes sedutores, mas globalmente redundantes e preguiçosos.

Não é que o resultado seja de desprezar, apenas traz o sabor de uma receita já antes testada, utilizada e que de tão recorrente começa a tornar-se algo insípida. Nem mesmo as colaborações de Jarvis Cocker (Pulp) e Neil Hannon (Divine Comedy) potenciam grande valor acrescentado, já que os temas que interpretam não ascendem acima da mediania que caracteriza a maior parte do disco. Curiosamente, tanto os dois cantores como os Air já tinham participado recentemente no disco de Charlotte Gainsbourg, "5:55", que partilha não só de algumas atmosferas de "Pocket Symponhy" como da relativa indiferença que este induz.

Mesmo assim, se este regresso do duo francês não é particularmente estimulante, inclui ainda quatro ou cinco boas canções à altura do que já fizeram antes, como o confirmam "Mer du Japon", um dos episódios de maior energia rítmica; "Photograph", absorvente momento de electrónica paisagista; "Lost Message", um dos temas de maior carga cinematográfica; "Left Bank", com acolhedores traços de ingenuidade a recordar a fase inicial do grupo; ou a elegante "Space Maker", uma aprazível faixa de abertura. Infelizmente, não bastam para compensar a monotonia dominante de um disco excessivamente contemplativo e de escassas variações de tom, que se ouve com algum agrado mas não gera grande impacto.

E O VEREDICTO É:
2,5/5 - RAZOÁVEL



Air - "Once Upon a Time"

sábado, abril 14, 2007

ADIVINHA QUEM VEIO PARA JANTAR

Calma e pacífica, Wheely é aparentemente uma pequena cidade do interior norte-americano semelhante a tantas outras, onde pouco ou nada perturba um dia-a-dia mais ou menos rotineiro. Assim é até ao dia em que, sem pré-aviso, recebe visitantes muito peculiares, que desde logo começam a disseminar-se um pouco por todo o lado e a alterar significativamente a vida dos cidadãos, que não esperavam uma invasão massiva de viscosas criaturas provenientes de outro planeta.

Esta premissa simples terá já originado múltiplos filmes alicerçados no terror e suspense, por isso não será pela originalidade da proposta que "Slither - Os Invasores", estreia de James Gunn na realização, se destacará, mas se não inventa muito esta comédia macabra com temperos de série-B sabe como conciliar influências de modo a funcionar enquanto entretenimento delirante e imaginativo q.b..

Apostando mais num cerrado humor negro do que em sucessivas doses de sustos e cliffhangers - embora ainda contenha mais do que suficientes -, esta curiosa primeira obra não pretende fazer mais do que saciar quem ande com saudades de um filme de zombies bem confeccionado e sem receio de oferecer generosas quantidades de gore.

James Gunn, embora só agora se inicie na realização, não é propriamente um novato pois inclui no seu currículo a criação de argumentos para o remake de "O Renascer dos Mortos, de Jack Snyder, ou de alguns filmes da Troma, ainda que o filme mais assustador que tenha escrito seja, provavelmente, "Scooby Doo 2: Monstros à Solta", escolha algo atípica no seu percurso.
O realizador, que também assume aqui a função de argumentista, compensa o óbvio baixo orçamento desta produção com um atrevimento e desbragamento que já não se viam desde "Snakes on a Plane", mas neste caso o filme não é sufocado pelo hype e cumpre o que promete sem desapontar.

Quem também colabora no projecto é Nathan Fillion, que aqui mantém o carisma já evidenciado na série "Firefly" e no filme "Serenity" e compõe um protagonista apropriadamente intrépido, espirituoso e impaciente, arriscando tornar-se num digno sucessor de Kurt Russel ou Bruce Campbell.
Os outros nomes do elenco são ainda menos mediáticos e não primam por uma qualidade interpretativa digna de nota, mas quem não esperar de "Slither - Os Invasores" um festival de desempenhos excepcionais também não deverá sair desiludido desta despretensiosa hora e meia de bizarria auto-consciente e irresistivelmente repugnante, que pode inovar pouco mas consegue reciclar muito bem.


E O VEREDICTO É:
3/5 - BOM

sexta-feira, abril 13, 2007

BIVALVES E TREMOÇOS

A história de dois casais e de um morto que, como o título indicia, é só um pretexto para que a acção se desenrole e os rumos das personagens se entrecruzem. Também por lá andam duas senhoras de idade de (poucos) brandos costumes e o Gustavo, um dos elementos de um casal que diz a melhor frase de engate de sempre.
Para pessoas que não se cansam de ouvir incessantemente a "Blue Monday", dos New Order, e/ou que gostam de comédia bem escrita que não se limita a fazer rir, recomenda-se a ida a "O Morto é só um Pretexto", em cena na Aula Magna do ISCTE às sextas e sábados às 21h30 e aos domingos às 19h, até dia 22. Uma boa proposta para esta noite, portanto.

quinta-feira, abril 12, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "MISSÃO SOLAR"

Danny Boyle é daqueles realizadores incapaz de se centrar exclusivamente num tema ou género específico, e no seu novo filme, "Missão Solar" (Sunshine), testa domínios da ficção científica numa aventura espacial onde um grupo de astronautas tenta reactivar o Sol, que ameaça aproximar-se do fim. Protagonizado por Cillian Murphy, que Boyle revelou em "28 Dias Depois", o filme não é o melhor do realizador - afinal, um "Trainspotting" não surge todos os dias - mas felizmente também não desilude e merece a deslocação. A ver.


Outras estreias:

"A Nuvem", de Gregor Schnitzler
"Climas", de Nuri Bilge Ceylan
"Número 23", de Joel Schumacher
"O Atirador", de Antoine Fuqua
"O Último Beijo", de Tony Goldwyn
"Um Perfeito Estranho", de James Foley



Trailer de "Missão Solar"

terça-feira, abril 10, 2007

BAD GIRLS

O projecto chama-se Bunny Rabbit mas inclui, para além da vocalista que dá o nome ao duo, a sua companheira Black Cracker, produtora que já colaborou com as Cocorosie e que assume aqui também a função de MC. "Lovers and Crypts", o disco de estreia da dupla, é uma estranha proposta centrada nas suas experiências - reais ou imaginárias, por vezes é difícil dizer - pelas ruas de Brooklyn, bairro onde residem e de onde partem para desenhar um retrato de relações de amor e ódio num contexto urbano e agressivo.

A voz de criança endiabrada de Bunny Rabbit suscita comparações com o registo de Kelli Ali, ex-vocalista dos Sneaker Pimps, ou mesmo de Alison Shaw, dos Cranes, injectando uma falsa doçura nas canções que a espaços se tornam claustrofóbicas pelo negrume que congregam. Transpirando sexo, violência, pânico, revolta e provocação, "Lovers and Crypts" é um concentrado de atitude e irreverência, expostas de forma por vezes inconsequente mas com uma energia que incita audições repetidas.

Maioritariamente composto por uma fusão entre hip-hop e electro, ainda que não seja alheio a contaminações grime, trip-hop, funk ou mesmo industriais, o disco evoca cenários de ruas sinuosas e obscuras dominadas por figuras também pouco convidativas. A sujidade e textura lo-fi dos beats, bem como o discurso sexualizado, aproximam-se dos domínios de Peaches; a carga crua da voz e das rimas de Black Craker remetem para a aspereza de uma Missy Elliot e o cruzamento de referências díspares que aliam kistch a sofisticação sempre com uma pulsão rítmica contagiante sugerem que a dupla andou a ouvir "Arular", de M.I.A..

Contudo, o facto de ter parentes próximos não implica que "Lovers and Crypts" não possua méritos próprios, e há vários exemplos que o comprovam: "Saddle Up" abre o álbum com uma cadência tão repetitiva quanto dançável, "Rio Grande" surpreende pelas inesperadas guitarras em ebulição no final, "Lucky Bunny Foot" é um obsessivo statement que deixa evidente a presença da dupla, "Dirty Dirt" surge como uma desconcertante canção de amor/ódio e a faixa-título, o primeiro single, demonstra bem aquilo que o disco tem para oferecer ao ser simultaneamente imediata e sinistra.

Vincado por mais momentos convincentes do que desapontantes, o disco nem sempre é, mesmo assim, fácil de digerir, já que "Dolphins" consegue ser bastante irritante tanto pela melodia como pela letra e "St Guillen" fecha o álbum com uma aura tão sorumbática que pode ser difícil de suportar. A recorrência a tantas f-words e aparentados também é, no mínimo, questionável, ou pelo menos gratuita.
A dupla ainda deixa, então, algumas dúvidas ocasionais, mas tendo gerado um primeiro registo com tantos momentos envolventes seria injusto não conceder, pelo menos, o voto de confiança e incluir Bunny Rabbit entre as boas revelações de 2007.


E O VEREDICTO É:
3/5 - BOM



Bunny Rabbit - "Lovers and Crypts"

sábado, abril 07, 2007

UMA CANÇÃO DE AMOR

A comédia romântica tem sido um género que, desde há anos, raramente conseguiu reinventar-se de modo a escapar a uma fórmula já esgotada e cansativa, repetindo personagens e situações-tipo.
Têm havido, mesmo assim, tentativas de fugir a modelos mais óbvios e previsíveis, casos de "Crueldade Intolerável", dos irmãos Coen, revisitação das screwball comedies; "Embriagado de Amor", de Paul Thomas Anderson, que envolveu o género numa secura atípica; ou "A Secretária", de Steven Shainberg, onde o romance deu lugar à obsessão. Exemplos como estes são, no entanto, cada vez mais raros, e geralmente ficam à sombra de objectos mais convencionais e desinspirados.

"Música & Letra" (Music and Lyrics), de Marc Lawrence, pouco tem em comum com os títulos acima referidos, não escondendo tratar-se de um produto mainstream e menos arriscado, mas ainda que não seja um filme especialmente inventivo contém atractivos que o colocam acima da maioria das propostas do género.

O filme começa com o videoclip de um hit de uma banda (fictícia) da década de 80, os POP!, cuja melodia orelhuda e look dos elementos obriga a comparações com uns Wham! ou outros fugazes ídolos teen do mesmo período.
A acção decorre, contudo, no presente, quando um dos membros do grupo, agora extinto, é convidado por uma jovem e popular cantora a escrever a letra de um single. Alex, longe dos momentos de glória de outros tempos, aceita o desafio, embora não revele que nunca escreveu uma canção. O músico quase esquecido acaba por encontrar um inesperado auxílio em Sophie, que substitui durante uns dias a amiga que ia a casa do cantor regar as plantas e cujo inexplorado talento para a criação de letras não passa despercebido a este.

A partir daqui, estão lançadas as bases para que "Música & Letra" cumpra a obrigatória rotina das comédias românticas, o que no caso implica que a parceria profissional do duo se alargue para o campo pessoal se entretanto conseguir superar alguns entraves. O desenlace não vai decerto surpreender ninguém, mas até aí o filme consegue ser minimamente refrescante, mesmo que não invente nada.

O par romântico, constituído por Hugh Grant (que já tinha participado na película anterior do realizador, "Amor sem Aviso") e Drew Barrymore, é uma valiosa opção de casting, pois gera uma assinalável química que ajuda a que alguns lugares-comuns do argumento se tornem desculpáveis.

Grant, na pele de um ídolo dos anos 80 com carreira em fase descendente, não apresenta nada muito distante do seu registo habitual, o que não é necessariamente mau já que o actor é eficaz e tem uma boa noção de timing cómico. Já Barrymore é reluzente na pele de uma idealista e insegura aspirante a escritora, oferecendo um desempenho vincado pela sua habitual espontaneidade e encanto.
Campbell Scott e Kristen Johnston são também sólidas presenças como secundários, e a actriz que se notabilizou pela série televisiva "3º Calhau a Contar do Sol" é mesmo responsável por algumas das cenas mais hilariantes do filme.

Felizmente, os actores são quase sempre servidos por diálogos razoavelmente trabalhados, e mesmo que o trajecto da narrativa se adivinhe o filme não se limita a seguir as peripécias do casal mas aproveita para lançar um curioso olhar à indústria musical, desde o precário reinado dos one-hit wonders às filosofias de algumas divas pop, aqui personificadas na cantora Cora Corman (com óbvias alusões a Jewel, Shakira ou Madonna).

Marc Lawrence não é um realizador particularmente criativo e por isso "Música & Letra" aproxima-se mais da televisão do que do cinema, mas mesmo nunca sendo brilhante o filme é um entretenimento bastante aceitável, onde a despretensão não é sinónimo de ofensa à inteligência do espectador. Longe de obrigatória, é uma proposta simpática, e quem não lhe pedir mais do que isso não dará por perdida a sua hora e meia de duração.


E O VEREDICTO É:
2,5/5 - RAZOÁVEL

Entrevista a Hugh Grant

SOBRE BLOGS E BLOGGERS

Subscrevo inteiramente este post.

quinta-feira, abril 05, 2007

EM LISBOA JÁ É UMA FEBRE

Um dia depois da estreia em Portugal, os Cansei de Ser Sexy voltaram a dominar o palco do Lux, em Lisboa, na noite de ontem. O cansaço gerado pela actuação da véspera - se é que houve algum - não se fez notar durante um concerto sempre dinâmico, onde a banda brasileira confirmou os elogios de quem a acusa de ser uma das mais excitantes revelações dos últimos anos.

Mal chegaram ao palco, os Cansei de Ser Sexy receberam logo um aplauso generalizado, ou não fossem muito esperados pelos espectadores que esgotaram o segundo de dois concertos que marcam a estreia do sexteto brasileiro em Portugal.
Começando de imediato a descarregar uma irresistível energia que contamina as suas canções, o grupo apresentou ao vivo o seu álbum de estreia homónimo e um dos mais aclamados de 2006, concentrado de pop infecciosa e imaginativa e resultado de uma brincadeira de amigos na internet que, com a preciosa ajuda desta (via blogues, fotologs, webzines e myspace), acabou por gerar um dos mais recentes fenómenos de culto para melómanos e não só.

A noite proporcionou uma sucessão de temas upbeat e que, apesar das letras nonsense - ou talvez por causa delas -, se mostram incrivelmente trauteáveis, como o atestou o público que acompanhou a banda e parecia saber os refrões de cor.
Uma vez que cada canção do disco tem potencial para se tornar num single, a adesão foi imediata e a diversão garantida desde os primeiros minutos. Do electro de "Alala", que ao vivo ganhou uma dimensão mais abrasiva, passando pelo igualmente marcante hino "Meeting Paris Hilton", pela descontração de "Alcohol" ou pela contagiante ode "Music is my Hot Sex", o ritmo manteve-se acelerado e enérgico ao longo de todo o concerto, onde a banda e o público quase disputaram quem conseguia dançar com mais intensidade.

A vencedora, arrisca-se, terá sido a vocalista Lovefoxxx, excelente entertainer que comprovou ao vivo todo o carisma que já emanava no disco. Incapaz de se manter quieta por mais de três segundos, foi sempre afável e comunicativa, mesmo quando se esqueceu do que tinha para dizer. A química com os espectadores foi evidente, para o qual terão contribuído os crowdsurfings regulares, as muitas perguntas a elementos da plateia ou o justo maiot escuro, de deixar a milhas o abanar de ancas de Shakira, a actuar à mesma hora no Pavilhão Atlântico.

Vitaminada festa aglutinadora de rock alternativo, electro, funk, new wave e power pop, certamente não terá pecado por falta de eclectismo, reforçado pela inclusão de uma cover de "Pretend We're Dead", das L7, carregada de pulsão riot grrrl, ou por um tema do EP "Em Rotterdam Já é Uma Febre" (um dos três que o grupo editou), "I Wanna Be Your J-Lo", uma das canções da banda inspirada numa estrela do showbiz actual. A introdução desta última, dedicada aos portugueses Buraka Som Sistema, foi dos momentos mais hilariantes e desconcertantes da noite, onde Lovefoxxx testou as suas habilidades de MC e, embora o resultado não tenha sido irrepreensível, ninguém pareceu ter ficado imune ao desbragamento que gerou.

Apesar de muitíssimo competente e sem episódios fracos, o concerto ficou um pouco aquém dos pergaminhos da banda, não por ter sido desapontante mas pela brevidade - durou apenas uma hora - e pela ausência de algumas das melhores canções do colectivo, como "Patins", "CSS SUXXX", "Computer Heat" ou "Bezzi", algumas delas pedidas mas que ficarão, talvez, para um regresso - quem sabe no Festival Paredes de Coura, para o qual o grupo já está confirmado.

Antes de Lovefoxxx e companhia, estiveram em palco os norte-americanos Tilly and the Wall, cujo cruzamento de folk e indie pop se iniciou de forma pouco auspiciosa e, embora tenha melhorado ao longo da actuação, nunca se elevou acima de uma entrega simpática servida por canções mornas. Nada que os Cansei de Ser Sexy não tenham remediado minutos depois, compensando uma longa espera com um concerto que valeu a pena mas soube a pouco. Ficou no entanto o mote para revisitar ao disco - caso alguém precisasse - enquanto se aguarda o retorno do grupo a palcos nacionais.

E O VEREDICTO É:
3,5/5 - BOM

CSS - "Fuckoff is Not the Only Thing You Have to Show" (ao vivo na noite anterior, via burninghearts)

Obrigado pelo bilhete :)

ESTREIA DA SEMANA: "INLAND EMPIRE"

Ao longo de três horas, "Inland Empire" segue as peripécias de uma actriz que, na rodagem do seu mais recente filme, vive uma enigmática história que a envolve tanto dentro como fora dos bastidores das filmagens.
Os contastes entre o real e o ilusório e o cruzamento de linhas narrativas díspares não são novidade na filmografia de David Lynch, e a sua nova proposta parece dar seguimento a essa tendência. Laura Dern, cúmplice regular do realizador, protagoniza esta obra que já há quem aclame como uma das mais desafiantes do idiossincrático cineasta.

Outras estreias:

"300", de Zack Snyder
"A Maldição do Vale", de Christophe Gans
"Boleia Mortal", de Dave Meyers
"Dot.com", de Luís Galvão Teles + "O Outro Lado do Arco-Íris", de Gonçalo Galvão Teles
"O Bom Nome", de Mira Nair


Trailer de "Inland Empire"

quarta-feira, abril 04, 2007

CSS SUXXX?

Espero que não... Consta que ontem foi bom, espero que hoje também seja. A confirmar mais logo, a partir das 21h30.

terça-feira, abril 03, 2007

UM PAÍS (E UM REALIZADOR) EM CRISE

Mesmo antes da estreia, "O Caimão" (Il Caimano) era já alvo de alguma controvérsia por se tratar de uma suposta sátira a Silvio Berlusconi, e a dúvida prendia-se com o facto de saber qual seria a abordagem empregue por Nanni Moretti na sua perspectiva sobre o ex-primeiro-ministro italiano.

Ora, apesar desse ter sido o motivo pelo qual o filme gerou mais burburinho, comprova-se agora que esta está longe de ser uma obra que se reduza a uma arma de arremesso, não se centrando somente na crítica a uma figura política uma vez que conta com um argumento que engloba muitos outros elementos. Demasiados, talvez, porque esta história sobre Bruno Bonomo, um produtor de filmes de série-Z em crise - não só profissional como familiar - que encontra na parceria com uma jovem realizadora o impulso para dar um novo sentido à sua vida perde-se constantemente em indecisões e contrastes de tom.

Moretti tanto investe nos dilemas do drama conjugal do seu protagonista como nos episódios dos bastidores cinematográficos que preenchem o dia-a-dia deste, não deixando, claro, de oferecer um olhar sobre Berlusconi, que não por acaso é a figura sobre a qual o filme-denúncia de Bruno se debruça (e aqui entra a lógica de "filme-dentro-do-filme").

Muito para condensar numa só obra? A julgar pelo resultado de "O Caimão", sim, já que esta oscilação entre o retrato da crise da meia idade, do declínio do cinema italiano e das convulsões políticas e sociais da Itália dos últimos anos nunca atinge um ponto de equilíbrio, desperdiçando as potencialidades de um filme que raramemente entusiasma.
O problema nem é só a dispersão do argumento, uma manta-de-retalhos que foca questões relevantes sem as desenvolver convenientemente, antes o facto de "O Caimão" falhar tanto quando tenta a comédia como o drama, tornando-se num objecto cada vez mais indiferente e arrastado e que convida ao bocejo durante as suas duas (longas) horas de duração.
Face a estes desapontantes predicados, de pouco serve a competência do elenco, desperdiçado num filme sisudo e sem chama.

Moretti faz da tensa e angustiante situação do seu protagonista um eco dos sintomas que afectam a Itália de hoje, que de acordo com o filme se encontra imersa num contexto de hesitações - perdida, desnorteada e descaracterizada. Ironicamente, estes são também males de que "O Caimão" acaba por sofrer.

E O VEREDICTO É:
1,5/5 - DISPENSÁVEL

segunda-feira, abril 02, 2007

CINEMA - TOP 10 2006: OS MELHORES

(Post "um pouco" atrasado, eu sei, mas não queria deixar estas escolhas de fora...)

2006 foi um ano de muitos bons filmes, mas poucos realmente marcantes e perto da excelência (ao contrário de 2005, por exemplo, quanto a mim com mais obras acima da média). Dos 145 que vi no cinema - não incluindo os que só foram exibidos em festivais - estes foram os meus preferidos:


1 - «Voltar» - tudo sobre as mães delas
Longe do negrume claustrofóbico do anterior (e brilhante) "Má Educação", Almodóvar
regressou com um filme que, se infelizmente não gerou o consenso de um "Tudo Sobre a Minha Mãe", não deixa de figurar entre os melhores momentos da sua filmografia. Comovente, sensível e maduro como poucos, "Voltar" é um prodígio a todos os níveis, da apurada realização ao sólido argumento, embora o maior destaque vá para o elenco, mais uma vez irrepreensível. Que o diga Penélope Cruz, actriz irregular que aqui arranca, provavelmente, o seu melhor desempenho de sempre, na pele da memorável Raimunda.

2 - «Munique» - guerra e paz
Algumas obras recentes de Steven Spielberg ("Relatório Minoritário", "Guerra dos Mundos") têm sido contaminadas por interessantes zonas de sombra, mas em "Munique" esse carácter soturno vai mais além. Partindo do atentado nos Jogos Olímpicos de 1972 para propor um olhar complexo e inquietante sobre o conflito israelo-árabe e, em última instância, sobre a ambiguidade humana, "Munique" não se limita a lançar bases de reflexão, pois é também um thriller feito com um profissionalismo ímpar e um drama implacável, dispensando facilitismos hollywoodescos. E um dos grandes filmes do ano.

3 - «O Segredo de Brokeback Mountain» - amor e ovelhas
Um dos mais mediáticos filmes de 2006, este é igualmente um dos mais estimulantes, confirmando não só a versatilidade de Ang Lee, realizador que raramente desaponta independentemente do registo em que se mova, como a dos seus dois protagonistas: Jake Gyllenhaal e Heath Ledger. Se as capacidades interpretativas do primeiro actor não são novidade, as do segundo revelam-se aqui como nunca antes, e juntos construíram uma das mais dolorosas e pungentes histórias de amor vistas no grande ecrã durante o ano.

4 - «Match Point» - o jogo
O percurso recente de Woody Allen parecia colocá-lo entre os cineastas seguros e confiáveis, mas já pouco inovadores, limitando-se a repisar territórios que lhe proporcionaram, noutros tempos, epítetos mais auspiciosos. Com "Match Point", contudo, tudo muda. A acção passa de Nova Iorque para Londres, a omnipresente Scarlett Johansson recebe o título de nova musa e o filme apresenta uma elegância e engenho como há muito não se via na obra do realizador. Eis um regresso surpreendente.

5 - «A Senhora da Água» - o ilusionista
Não era fácil superar "A Vila", o filme anterior de M. Night Shyamalan e o mais belo que realizou. Ainda não é "A Senhora da Água" que consegue fazê-lo, mas a espaços este conto de fadas para adultos está lá muito perto, evidenciando o perfeccionismo e a singular sensibilidade que distinguem o jovem realizador no cinema actual. Recheado de sequências de antologia com algumas das mais inesquecíveis imagens do ano (enriquecidas pela excelente banda-sonora de James Newton Howard ), o filme gerou reacções extremas mas, para quem estiver disposto a compreendê-lo, fica como um dos melhores momentos de uma filmografia irregular, mas muito interessante.

6 - «O Tempo Que Resta» - a última hora
Já se suspeitava que François Ozon era um realizador a ter em conta, mas até agora ainda não tinha apresentado um filme tão envolvente e memorável como "O Tempo que Resta". Belo e sóbrio drama sobre os últimos dias de um jovem fotógrafo confontado com uma doença mortal, possibilitou também a Melvil Poupaud uma das interpretações mais comoventes do ano. A melhor surpresa do cinema francês de 2006 mora aqui.

7 - «Shooting Dogs — Testemunhos de Sangue» - África deles
No mesmo ano em que levou às salas a malograda sequela de "Instinto Fatal", Michael Caton-Jones gerou também "Shooting Dogs — Testemunhos de Sangue", obra que compensa em falta de mediatismo o que oferece em densidade e acutilância. Propondo um olhar sobre o contexto conturbado do Ruanda, é um filme de uma rara intensidade e realismo, fugindo das armadilhas que facilmente surgem quando Hollywood decide abordar situações que vitimam países do terceiro mundo. A (re)descobrir.

8 - «Em Paris» - o meu irmão, eu e o meu irmão
"Minha Mãe" já tinha provado que Christophe Honoré era um nome a ter debaixo de olho, e "Em Paris" felizmente confirma-o. Nos antípodas do filme antecessor, este é um drama familiar que incide em particular na relação de dois irmãos, interpretados por dois dos mais talentosos jovens actores franceses: Romain Duris e Philippe Garrel. Experimental mas longe de hermética, "Em Paris" é uma obra inspirada e calorosa, deixando muita curiosidade quanto ao próximo tabalho do realizador francês.

9 - «O Paraíso, Agora!» - coragem debaixo de fogo
Inesperada surpresa oriunda da Palestina, este é um retrato de dois terroristas suicidas saturados das consequências que o conflito traz ao seu quotidiano. Hany Abu-Assad convence por nunca simplificar as situações e personagens, apresentando um filme com figuras tridimensionais em vez de estereótipos. A direcção de actores é fundamental, e o protagonista Kais Nashef, até aqui desconhecido, é mesmo responsável por uma das interpretações mais impressionantes do ano.

10 - «Ninguém Sabe» - irmãos inseparáveis
Modesto, mas magnético, este drama centrado em quatro pequenos irmãos que têm de sobreviver sozinhos na ausência da mãe é a primeira obra de Hirokazu Kore-eda a estrear em salas nacionais. Infelizmente, porque a julgar pela subtileza com que o realizador consegue desenhar prosaicas cenas do dia-a-dia, a par de uma forte densidade emocional, fazem dele um cineasta que não merece passar despercebido entre os muitos do novo cinema japonês.

Os 10 seguintes:

«Os Amigos de Dean», de Arie Posin
«Transamerica», de Duncan Tucker
«Finais Felizes», de Don Roos
«Babel», de Alejandro González Iñárritu
«V de Vingança», de James McTeigue
«Wolf Creek», de Greg McLean
«Walk the Line», de James Mangold
«X-Men: O Confronto Final», de Brett Ratner
«Alguns Dias em Setembro», de Santiago Amigorena
«Voo 93», de Paul Greengrass