sábado, dezembro 11, 2004

(IN)DISPONÍVEL PARA AMAR

"Antes do Amanhecer" (Before Sunrise), relativamente discreto na altura da estreia em 1995 conseguiu, no entanto, aglomerar uma considerável legião de fãs que o foi (re)descobrindo ao longo dos anos. Autêntico fenómeno de culto, a mais acarinhada obra de Richard Linklater forneceu um retrato das dúvidas, esperanças, sonhos e inquietações da chamada geração X, expostas através da singular relação de Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy), que se conhecem em Viena e passam um dia juntos. A dupla combina encontrar-se meses mais tarde, não colocando de parte a hipótese de dar continuidade à curiosa história de amor da qual foi protagonista, ainda que por pouco tempo.


O reencontro dá-se agora, nove anos depois, onde o duo já não se encontra a viver os últimos dias da adolescência mas a contrastar as ilusões, projectos e expectativas de então com a insípida realidade quotidiana da idade adulta. "Antes do Anoitecer" (Before Sunset) é, então, a apresentação do reencontro do par, desta vez em Paris. Jesse é agora um escritor que promove a sua nova obra na capital francesa e Céline aproveita a ocasião para o rever. O filme é ainda mais minimalista do que o seu antecessor, centrando-se apenas nos diálogos dos protagonistas e seguindo o seu percurso de hora e meia em tempo real, desde os tons formais e algo desconfortáveis do reencontro até ao mergulho no espectro emocional dos dois ex-amantes.

"Antes do Anoitecer", não tão reluzente e esperançoso como a obra que o antecedeu, abre espaço para o cinismo e a desilusão, expondo as metas que ficaram por atingir e as previsões que não chegaram a concretizar-se. Quando o par se conheceu, as atmosferas eram marcadas pela ilusão e entusiasmo, mas o novo contacto ocorre num contexto de alguma frustração e amargura (o preço da maturidade?). Apesar de melancólico e nostálgico, "Antes do Anoitecer" continua a ser um filme de Richard Linklater e, por isso, o idealismo ainda consegue superar os ambientes de cinismo desencantado. Há espaço para o amor, portanto, mesmo se as cedências e obrigações da vida adulta parecem indicar o contrário.

Credível e realista, o filme flui naturalmente, oferecendo um intrigante olhar sobre as relações humanas através de excelentes diálogos e das muito convincentes interpretações de Hawke e Delpy. Projecto feito "por amor à camisola", "Antes do Anoitecer" evidencia a entrega e dedicação da equipa que o gerou, tornando-se num dos mais simples e belos dramas de 2004.


A película assinala também o regresso do melhor Linklater, apostando na espontaneidade e sobriedade em detrimento da formatação de registos indistintos (o mediático e pouco surpreendente "Escola de Rock" chegou a colocar algumas dúvidas quanto à criatividade do cineasta). Manifesta-se, então, o regresso aos momentos inspirados da obra do realizador, como "Slacker" (um retrato indie da juventude, que lhe deu reconhecimento no início dos anos 90) ou "SubUrbia" (outra perspectiva sobre a teen angst, apostando num modelo narrativo original: focar as experiências de um grupo de jovens durante uma noite).


Esta atípica sequela/continuação possui, então, aspectos suficientemente singulares para se destacar como uma das pérolas do cinema independente norte-americano de 2004, congregando doses certas de leveza e de elementos despoletadores de reflexão.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

3 comentários:

O Puto disse...

É um do melhores filmes de 2004. Já quando tinha vinte e tais vi o "Before Sunrise" e vi-me ao espelho. Os sorrisos, as cumplicidades, as antecipações, os motivos e as constatações estão presentes em ambos os filmes. Tal como os personagens, o filme é mais maduro que o anterior. Soberbo, com um final categórico, alusivo à maravilhosa Nina Simone. Um (ou dois) dos melhores retratos de uma geração, à qual pertenço.

Lid disse...

Concordo com o puto. E com o gonn também. O diretor soube desenvolver bem o final para a história do casal e acabou rendendo um ótimo filme. um dos melhores de 2004 realmente.

gonn1000 disse...

O Puto: Concordo, é mais maduro do que o anterior, e também me revi neste retrato de geração.

Lid: Não achei perfeito, mas é muito recomendável.