domingo, outubro 21, 2007

IDENTIDADE (FINALMENTE) CONHECIDA

Do cinema de acção não têm chegado grandes surpresas nos últimos anos, mas o nome Jason Bourne já começa a ser familiar dentro dos (anti-)heróis do meio recentemente instituídos, e que em "Ultimato" (The Bourne Ultimatum) vive a sua terceira aventura após "Identidade Desconhecida" (2002) e "Supremacia" (2004). À saga regressa o protagonista, Matt Damon, e o realizador que assinou o segundo episódio, Paul Greengrass (o primeiro esteve a cargo de Doug Liman), assim como se recuperam os ambientes de espionagem e conspiração governamental que têm orientado o seu desenvolvimento.

Greengrass, por vezes interessante (como no docudrama "Voo 93"), noutras nem por isso ("Domingo Sangrento"), volta aqui a recorrer ao tipo de realização pelo qual se tem distinguido, apostando no método da câmara ao ombro, com planos curtos, montagem acelerada e muitos close ups, recusando quase sempre a pirotecnia vistosa a favor de uma colagem à pele das personagens, desenhando um estilo tenso e claustrofóbico.

O resultado oferece algumas sequências conseguidas, mais frenéticas e intensas do que as da maioria da concorrência, construindo um caos ordenado que se distingue dos golpes fáceis de uma realização ao estilo videoclip. É certo que, por vezes, essa efervescência pode descoordenar o espectador, que por mais que se concentre não tem tempo de se aperceber do que está de facto a ocorrer em algumas cenas de perseguição ou tiroteio, mas no geral Greengrass comprova saber o que está a fazer e conduz o filme com mão segura, nunca deixando que este caia na monotonia.

"Ultimato" não desilude nas injecções de adrenalina, já no argumento o balanço é mais irregular, caíndo numa abordagem algo genérica e superficial, não inserindo grandes novidades. O que há, como nos títulos antecessores, é um ponto de partida minimamente capaz de desencadear mais uma história do gato e do rato, e Greengrass precocupa-se mais com o estilo e a energia das sequências de acção do que com as motivações e singularidades das suas personagens, mantendo a frieza emocional que tem contaminado a saga.

A profundidade que daqui emana a espaços provém mais do empenho dos (óptimos) actores do que da escrita dos seus papés, e é pena que num filme que por vezes consegue entusiasmar com cenas de perseguição realistas e tridimensionais não se esforce por dar a mesma substância aos seus protagonistas.
Sobretudo nesta terceira parte da saga, que conclui o que se desenvolveu nos anteriores, era importante conceder maior densidade a Jason Bourne, aqui na procura dos responsáveis pela sua transformação num agente (e assassino) da CIA. Os medos e inquietações do espião em relação à descoberta do seu passado do qual não se lembra são alvo de foco regular, o problema é que a sua exploração é pouco imaginativa, nunca atingindo uma tensão dramática especialmente memorável.

A questão da identidade é um tema nuclear da saga, no entanto nunca se torna tão intrigante como os bons momentos de suspense que frequentemente dominam a narrativa, não deixando que "Ultimato" saia do campo do thriller engenhoso, cerebral e clínico, mas assente em personagens que não geram muita empatia.
O maior exemplo desta situação é a inconsequência da "revelação" final, onde Bourne tem acesso à verdade sobre o seu processo de recrutamento e só se confirma que não há grandes motivos para o espectador se colocar mais do lado dele do que dos seus antagonistas.

E daí, talvez aquilo que Greengrass proporciona aqui até já seja mais do que se deveria pedir, se se tiver em conta que não são todos os blockbusters que conseguem prender a atenção ao longo de quase duas horas. Se a isto se adicionarem três ou quatro sequências de antologia, melhor ainda - a da perseguição ao jornalista britânico na estação de comboio durante a hora de ponta, logo no início, e sobretudo a dos tiroteios num bairro pobre de Tânger são excelentes exemplos do melhor cinema de acção.

E depois há ainda um elenco que, além de um Matt Damon cada vez mais confortável na pele de espião angustiado, conta ainda com secundários de luxo como David Strathairn, Joan Allen e a promissora Julia Stiles.
Só é pena que o tal argumento sisudo não conte com as qualidades dos de outros filmes de acção recentes, como o sentido de humor de "Die Hard 4.0 — Viver ou Morrer" ou o romantismo do surpreendente "007 — Casino Royale", e embora isso faça com que "Ultimato" não ascenda ao nível desses não o impede de ser um título a ter em conta para os fãs do género.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

12 comentários:

Anónimo disse...

o argumento da trilogia do bourne é muito superior a qualquer 007 e a qualquer diehard.

nunca gostei das analises que fazes, mas desta vez deu-me vontade de comentar.

Anónimo disse...

Concordo com o Pedro Santos ... o argumento é muito bom. Original (coisa que pouco se encontra hoje em dia num filme).
O que falta, sobretudo neste filme, é o aproveitar desse argumento para firmar o filme em algo mais substancial ... enriquecer a história.

Gostaria de que este filme tivesse continuação e que o aproveitar da história desse pretexto a mais uma trilogia bourne.

Este filme é o que esperava: pouca história, intenso no seguimento dos passos de Jason Bourne e "amigos".
Focar a acção e perceber quilo que Bourne anda a tramar já é muito para o espectador e essa foi a aposta neste filme.

Mesmo o fim foi surpreendente, embora demasiado rápido.
Não ficámos a conhecer o passado de Jason. A sua relação com a agente da CIA (que deu para perceber numa cena a existência de algo) e o que motivou bourne a juntar-se a tão maquiavélico plano.

Ficou muito no ar, que não foi mostrado ou aproveitado.

Se tivesse sido, o filme seria apenas mais um. Assim, gostasse da acção e especula-se sobre o resto.

Para mim ... melhor que os filmes do 007, onde já sabes o princípio, o meio e o fim do filme.
Em jason bourne, nem o segundo seguinte conseguimos prever.

Além disso, são percorridos diferentes países e diferentes realidades. Não são filmagens em hoteis, mas sim na rua, dentro das culturas locais.

Gostei bastante desta trilogia. Gostaria de mais. Mas penso que acabou.

gonn1000 disse...

Pedro Santos: Acho que as bases do argumento estão lá, e a questão dele não saber a sua verdadeira identidade é interessante, mas os filmes poderiam explorá-la de forma muito mais aprofundada.

Luís Matos: O argumento é muito bom mas o filme tem pouca história?! Concordo que o ponto de partida é bom, mas o Greengrass prefere colocar mais ênfase na acção (e filma-a de modo muito eficaz, como disse) do que num olhar mais compelxo sobre as personagens. E, conforme dizes, este final da trilogia deixa muito por contar, o que é um bocado frustrante.

Anónimo disse...

Suponho que as pontas soltas que ficaram... se deve a um novo "Bourne". Matt Damon já referiu que "deve" vir aí mais um. Um abraço!

C. disse...

Preferia que a trilogia ficasse por aqui, mas o dinheiro volta a falar mais alto.

Gostei deste "encerramento", é uma série de filmes que conjuga acção, história e boas personagens. Não é muito comum estes dias...

gonn1000 disse...

Ricardo: Pois, não me surpreende, aliás é o habitual. Fica bem.

Wasted Blues: Também preferia, mas se os próximos mantiverem esta eficácia já não é mau, ainda ficaram algumas questões por explorar.

VdeAlmeida disse...

Neste género, nada chegará nunca aos calcanhares dos 007

gonn1000 disse...

Achei "Casino Royale" melhor do que este, mas não sou grande fã de Bond.

Gonçalo Trindade disse...

Acho que a saga de Bond nunca terá a brutalidade nem a história adulta da saga de Bourne... nem mesmo o (excelente) Casino Royale conseguiu igualar a intensidade de Bourne. Este terceiro capítulo é, a meu ver, um instantâneo clássico do contemporâneo cinema de acção. Greengrass criou um filme adulto e extremamente intenso (viva a shaky cam!), com uma personagem principal dotada de um dualismo e de uma complexidade (principalmente com aquela excelente revelação) óptima.

Se fizerem um quarto filme, estragam tudo... Esperemos que o Greengrass seja sábio o suficiente para saber que a saga fica óptima desta forma. É que raios, até o próprio Bourne disse que já se lembrava de tudo (ou pelo menos de tudo aquilo que queria saber)! O que é que vão fazer-lhe agora? Atirar-lhe com uma pedra à cabeça e dizer que o rapaz ficou amnésico? Enfim... acho que o filme deu as respostas necessárias.

gonn1000 disse...

Também acho que a saga pode ficar por aqui, embora ainda tenham material para lhe dar uma continuação interessante.
Achei que este "Ultimato" era um bom filme de acção, e o Greengrass impressiona em muitas sequências, mas daí a considerá-lo um clássico... E comparando-o com "Casino Royale", não vi aqui nada próximo da intensidade emocional de algumas cenas entre Daniel Craig e Eva Green (a do chuveiro ou a do final na água, por exemplo). Tecnicamente é muito conseguido, mas falta-lhe alma.

Gonçalo Trindade disse...

Não falava propriamente de intensidade emocional (apesar de sentir uma forte empatia em relação à personagem de Bourne) mas antes... um outro tipo de intensidade (talvez intensidade no sentido de "as cenas de acção são incríveis e o Bourne quando que algo faz tudo para o obter e leva tudo á frente, mantendo ao mesmo tempo um nível bastante realista" :P). Adorei simplesmente toda a dualidade da personagem. E as cenas de acção... enfim, pareceram-me reminiscentes aos grandes clássicos deste tipo de cinema ("The French Connection", entre outros). Acho que o Casino Royale e o Ultimatum estão um pouco em lugares diferentes... o Ultimatum é um thriller sério e adulto, que vive tanto à base de cenas de acção como da história em si. O Casino Royale é um thriller... diferente (toques de romance, uma personagem diferente...). Enfim, prefiro o Ultimatum ao Casino Royale (mas adorei Casino Royale, e acho-o um filme magnifico... como fã de 007, adorei a reviravolta que deram à personagem)... é talvez um filme que faça mais o meu estilo por assim dizer.

Mas enfim... são gostos e opiniões (e ainda bem que as partilhamos, que a blogoesfera serve para isso mesmo!).

gonn1000 disse...

Por acaso achei que "Ultimato" vivia mais das cenas de acção do que da história, ao contrário de "Casino Royale", que comparativamente tem maitas sequências mais apaziguadas (o que nem lhe fica mal).
Mas como dizes, são gostos e opiniões, e aqui aceitam-se todos desde que expostos educadamente.