quarta-feira, março 23, 2005

ÍDOLOS

Vencedor do Grande Prémio do Júri do Festival Sundance de 2004, “DiG!” é um documentário que se debruça sobre a história de duas bandas do rock alternativo norte-americano, os Dandy Warhols e os Brian Jonestown Massacre, focando os seus primeiros passos e os rumos divergentes que acabariam por adoptar.
A realizadora Ondi Timoner passou sete anos a registar em vídeo algumas das experiências dos grupos, desde os ensaios iniciais, na recta final dos anos 90, passando pela gravação dos discos de estreia e o modo como ambos os projectos lidaram com o estrelato (ou ausência deste), até 2003.

Noutras mãos, “DiG!” poderia ser mais um episódio de um “Behind the Scenes” da VH1 ou de qualquer programa semelhante, expondo o percurso de uma banda de forma cronológica e recorrendo a uma estrutura mais ou menos convencional, abordando o período conturbado dos primeiros dias e a fase áurea da ascensão do grupo. Embora estes elementos também estejam presentes no documentário, a perspectiva de Timoner vai mais longe e não se limita a gerar mais um retrato estereotipado.

“DiG!” começa por entusiasmar ao centrar-se em dois grupos em paralelo que provêm da mesma cidade, Portland, no estado de Oregon, partilham uma sonoridade semelhante – amálgama de indie rock, folk e pop, claramente assente em sonoridades retro mas reformulando-as e adaptando-as ao presente - e cujos membros estabelecem laços de amizade e companheirismo, influenciando-se mutuamente. Essa proximidade reflecte-se sobretudo na química partilhada pelos seus vocalistas – e líderes – Courtney Taylor, dos Dandy Warhols, e Anton Newcombe, dos Brian Jonestown Massacre, que forjam uma complexa relação de amor-ódio, capaz de despoletar uma sincera admiração a par de uma não menos intensa inveja e desdém.
Este relacionamento conflituoso provém das opções contraditórias que ambos os músicos defendem para as suas bandas, uma vez que Taylor não hesita em negociar com grandes editoras e Newcombe adopta uma obstinada postura individualista assente no do-it-yourself, recusando que os Brian Jonestown Massacre se sujeitem a qualquer pressão externa.

Assim, a ligação dos dois vocalistas – e, consequentemente, dos seus grupos – torna-se mais dúbia e nebulosa à medida que os Dandy Warhols iniciam um percurso rumo a um sucesso moderado – primeiro através de um contrato com a Capitol Records, posteriormente com uma inesperada aclamação no Reino Unido ou pela cedência da canção “Bohemian Like You” para uma emblemática campanha publicitária -, enquanto que os Brian Jonestown Massacre se mantêm como um nome praticamente desconhecido fora da sua terra-natal devido à atitude auto-destrutiva de Anton Newcombe (figura onde a genialidade convive de perto com a auto-indulgência e o narcisismo, desencadeando uma série de episódios conturbados que vão minando os sonhos dos seus colegas e suscitando convulsões internas na banda).

Ondi Timoner apresenta alguns momentos elucidativos da tensão que se vai insinuando entre os dois grupos ao longo dos anos, originando uma subtil animosidade que tem expressão máxima na canção “Not If You Were the Last Dandy on Earth”, a “resposta” dos Brian Jonestown Massacre a um dos temas mais mediáticos da fase inicial dos Dandy Warhols, “Not If You Were the Last Junkie on Earth”. Este é um dos diversos casos em que Anton Newcombe lança ácidas considerações acerca das opções artísticas do seu (ex?) amigo, acusando-o de perda de genuinidade e amor à música em prol de uma conversão às oportunidades do sucesso comercial (que Newcombe abomina e rejeita).

Curiosamente, apesar destas atitudes - não muito distantes da “mítica” rivalidade Blur/Oasis, como chega a ser comentado a certo ponto - Courtney Taylor (que faz a voz off do documentário) não deixa de elogiar os traços de criatividade e singularidade da música de Newcombe, defendendo-o como um dos mais inspirados artistas contemporâneos e demonstrando assim um considerável fair-play.

“DiG!” é um vibrante olhar sobre a juventude, o universo do rock, a ambição, o sonho e o sucesso, um profícuo documentário que aposta mais numa bem arquitectada tensão dramática do que em domínios contemplativos ou demonstrativos.

Ondi Timoner consegue proporcionar uma obra suficientemente intrigante, recusando eventuais lugares comuns que poderiam tornar o projecto num inócuo concentrado de “sexo, drogas e rock n’ roll” com muita irreverência mas pouca substância. Felizmente isso não acontece, e o resultado final tem densidade q.b., focando os músicos com uma crueza assinalável, para o bem e para o mal (se Newcombe é alvo de maior atenção, protagonizando uma espiral descendente vincada pelas drogas e um individualismo exacerbado, Taylor também não é poupado, pois a realizadora inclui algumas cenas com os seus caprichos de drama queen, como no episódio da gravação de um videoclip).

Uma boa surpresa e uma das provas de vitalidade do género documental proveniente de esferas mais alternativas, à semelhança dos igualmente recomendáveis “Os Friedman”, de Andrew Jarecki, ou “Tarnation”, de Jonathan Caouette. A ver (e ouvir).

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

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