quarta-feira, dezembro 15, 2004

O OUTRO LADO EXISTE

Como "A Última Hora" (25th Hour), de Spike Lee, ou "Fahrenheit 9/11", de Michael Moore, podem comprovar, os trágicos eventos do 11 de Setembro inspiraram novas perspectivas cinematográficas sobre a América contemporânea. Num período algo tenso e imprevisível, também Wim Wenders proporciona um olhar sobre a nação do Tio Sam com "Terra da Abundância" (Land of Plenty), focando atmosferas onde se movimentam os párias e "outcasts", figuras de um lado pouco visitado e divulgado.


O realizador de "Paris, Texas" ou "Buena Vista Social Club" aborda a relação de Lana (Michelle Williams), uma jovem idealista missionária e Paul (John Diehl), veterano do Vietname assombrado por alguma paranóia. Regressada de uma missão em África e no Médio Oriente, Lana chega a Los Angeles para auxiliar os sem-abrigo e procurar o seu tio. A aproximação dos dois protagonistas evidenciará os contrates entre a busca de esperança ou a espiral descendente gerada pela obsessão e desconfiança exacerbada.

Dividido entre a harmonia etérea e a tensão claustrofóbica, o filme combina traços do road movie e drama familiar, apresentando um estilo realista, contemplativo e próximo do documentário. Ao contrário da vertente polémica e sensacionalista de um "Fahrenheit 9/11", "Terra da Abundância" adopta tons mais poéticos e apaziguados, ainda que pontuados por doses consideráveis de melancolia e desespero.
Também não paira por aqui um americanismo exagerado e saloio, presente em tantos filmes americanos que exaltam as ilimitadas qualidades da nação (talvez porque esta obra é produto de uma perspectiva de um europeu). Pelo contrário, a película exibe momentos de desencanto e amargura a par de ambientes mais reluzentes a espaços, debruçando-se sobre as múltiplas culturas que constituem o tecido humano americano. A realidade que Wenders expõe nem sempre é aprazível e fácil de contemplar, evidenciando a vertente mais escondida e negra do "sonho americano".

Apesar do retrato que o cineasta alemão oferece ter os seus momentos de relevo, o filme é prejudicado por um ritmo demasiado lento e arrastado, e a partir de certo ponto nada mais há para mostrar do que a repetição de ideias e questões. O que começa como uma obra promissora torna-se num filme desequilibrado, inconstante, excessivamente longo e, por isso, acaba por proporcionar mais doses de monotonia do que de desafio. O argumento, demasiado esquemático, não chega a entusiasmar, e os conflitos dos protagonistas aproximam-se de modelos estereotipados.
Embora Wenders gere algumas cenas de envolvente sobriedade - complementadas pela interessante banda sonora, que inclui Leonard Cohen, David Bowie ou o quase desconhecido Thom -, esses ocasionais momentos de inspiração não são suficientes para sustentar um filme que se torna insípido e pouco estimulante. Ainda que seja mais consistente do que a maioria dos esforços recentes do cineasta, "Terra da Abundância" possui uma boa premissa para a qual faltou, infelizmente, uma execução à altura.

E O VEREDICTO É: 2/5 - RAZOÁVEL

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