Criar um sucessor para o muito elogiado, amado e aclamado "Mellon Collie and the Infinite Sadness" não era tarefa fácil, uma vez que as expectativas eram altíssimas e dificilmente os Smashing Pumpkins conseguiriam superar aquele que ficou, a par de "Siamese Dream", como o seu álbum mais emblemático. Por isso, quando o muito aguardado "Adore" foi editado, em 1998, grande parte da crítica e dos fãs da célebre banda de Chicago não soube como reagir perante um registo com atmosferas tão distantes daquelas que marcaram o determinante álbum duplo do grupo.
Vincado por tons intimistas, sóbrios e delicados, "Adore" envereda por domínios bem diferentes da megalomania e intensa vibração de "Mellon Collie and the Infinite Sadness", apostando em ambientes mais serenos, contemplativos e soturnos e rompendo com a considerável teen angst presente nos trabalhos anteriores dos Smashing Pumpkins. Menosprezado e subavaliado no período da sua edição, "Adore" é um daqueles discos que não se revela totalmente de forma imediata, embora contenha um incomum e subtil talento na composição.
Gravado sem o baterista Jimmy Chamberlin - reduzindo a banda a um trio composto por Billy Corgan, James Iha e D' Arcy -, "Adore" percorre áreas mais apaziguadas e melancólicas, e só a espaços exibe traços da visceralidade e energia que caracterizaram o grupo. Essa ausência de rebeldia e dinamismo permite apresentar uma composição mais subtil e madura, rompendo com as influências grunge/ indie rock/ heavy metal e seguindo áreas mais próximas de uma dream pop com contornos góticos, despoletando uma inebriante aura nocturna.
"Adore" contém um viciante e absorvente conjunto de baladas negras, onde os Smashing Pumpkins não se apoiam tanto na força e distorção das guitarras mas antes em densas e hipnóticas sonoridades electroacústicas. Foi uma aposta arriscada para a banda, que aqui se debruçou em territórios pouco habituais na sua discografia até então, mas o resultado final é plenamente conseguido.
A espaços as canções seguem formatos mais clássicos, sustentadas pela sobriedade da voz de Billy Corgan - que aqui brilha como nunca, libertando-se de registos mais excessivos e histriónicos - e pela serenidade do piano, enquanto que noutros momentos o grupo recorre à envolvência dos sintetizadores, gerando resultados com tanto de nostálgico como de inventivo.
Um dos pontos fortes dos Smashing Pumpkins sempre foram as letras, e em "Adore" Corgan volta a destacar-se como um notável escritor de canções, oferecendo mais uma série de inspiradas reflexões acerca da desilusão, amor, solidão ou desespero e consolidando um universo de referências complexas e profundas.
Embora aparente, às primeiras audições, ser mais modesto e minimalista do que os álbuns anteriores da banda, "Adore" convence pela sua maior sofisticação e densidade, proporcionando episódios de recorte superior como a aliciante dream pop de "Perfect" (de facto, um single perfeito), a excentricidade irresistível de "Pug", a sentida melancolia de "Daphne Descends", a comovente desolação de "Shame", a inquietude de "Crestfallen" ou a deliciosa electropop elíptica de "Appels + Oranges".
"Adore" pode não ter a grandiosidade e eloquência dos frequentemente elogiados "Siamese Dream" e "Mellon Collie and the Infinite Sadness", mas compensa esse aspecto através das peculiares e estranhamente contagiantes atmosferas que dissemina, salientando-se não só como um disco surpreendente mas também como uma obra-prima.
Não é o álbum mais emblemático, influente e marcante dos Smashing Pumpkins, mas é provavelmente o melhor que o grupo nos deixou. Fascinante e intemporal.
E O VEREDICTO É: 5/5 - EXCELENTE
15 comentários:
pela ruptura, encaro adore no trabalho dos [excelentes e marcantes] smashing pumpkins da mesma forma que enquadro kid a na discografia dos [não menos excelentes] radiohead.
sublinho a tua referência ao traço intimista, sóbrio e delicado de adore.
é soberbo.
grande escolha. bom trabalho.
os melhores cumprimentos.
Percebo a comparação, embora considere o "Kid A" muito mais desequilibrado do que o "Adore". Também acho que o "Adore" partilha ambientes com o "The Nigh" dos Morphine, por exemplo...
Fica bem :)
durante muito tempo, caracterizei o álbum 'adore' como uma peça menor na discografia dos pumpkins - o princípio de um ciclo de decadência que viria a culminar no 'machina'. isto porque havia crescido com as abóboras alojadas entre o coração e o fígado; a teen angst de que falas fora o meu sumo e nele se espremeram 'gish', 'siamese dream' e 'mellon collie'.
lentamente reconheci 'adore' como um dos melhores álbuns criados nos idos anos 90. reconheci-lhe o génio e o sopro criador. na verdade, ainda hoje o descubro, fresco e surpreendente.
porém, sei que ainda não o coloco no seu devido lugar, isto é, na curva, mantendo-o,talvez por teimosia, na sombra de 'mellon collie'.
parabéns por tão bela recensão.
Apesar de achar que o génio de Billy Corgan atingiu o seu apogeu no ecléctico "Mellon Collie...", "Adore" surgiu como uma lufada de ar fresco, apesar de um certo intimismo da obra, como foi aqui referido. Não foi uma ruptura, como "Kid A", mas uma opção mais sensata. E é um grande disco, carago! E, para além de vós, conheço mais pessoas com a mesma opinião.
Skizo: Percebo essa tua postura em relação a "Adore", já que os meus primeiros contactos com o disco também foram assim. Mas é um álbum que vai crescendo e torna-se, aos poucos, num registo memorável.
Puto: Sim, não é uma ruptura nem um álbum revolucionário, mas não deixa de ser um grande disco...
Amo tanto este album que à frente encontra-se apenas Amnesiac dos Radiohead, onde encontro semelhanças pessoais relativas à minha pessoa nas 2 obras primas absolutamente intemporais.
gonn1000: tb pertenço ao cinestesia mas não escrevo nada por problemas técnicos:( Tens aqui um blog EXEMPLAR, gonçalo, tal como a tua cultura. Abraço[]
Obrigado pela parte que me toca...Volta sempre ;)
primeiro: É tão raro encontrar alguém que gosta tanto deste album como eu, que tenho ke te agradecer por lhe fazeres a homenagem merecida!
Segundo: é de facto e apesar de ser contário á maioria dos fans de punpkins , o meu album preferido deles, por variadas razões ke aparentemente nada têm a ver com o album em si e por ser de facto um album em que as canções, no seu verdadeiro sentido são a parte principal daquele universo. Talvez pela escuridão nele presente, talvez por expressar como poucos tanta sinseridade de um artista, talvez por representar tão fortemente e honestamente uma fase da vida de alguém.
é bom saber que não é um abum eskecido posto de lado na carreira dos Pumpkins..
obrigado e continua a escrever.
Ana Teresa
Por estes lados não é mesmo um álbum esquecido, aliás deve estar no meu Top10...E já se fala numa reunião dos Pumpkins :D
Obrigado pelo comment e vai aparecendo :)
Também gosto muito do «Adore», mas o meu preferido é mesmo o «Mellon Collie and the Infinite Sadness». Ja sabia que o cd preferido de Pumpkins da minha priminha (Ana Teresa) era o «Adore», por isso recomendei-lhe ler este texto e a seguir o teu blog.
Ah, muito bem, és um rapaz ajuizado. No fim do mês envio-te a comissão :)
Bem parece que já vou bem tarde no comentário deste teu texto mas só agora o encontrei e parei logo aqui!!
Enfim, "Adore" é o meu album e "Shame" a minha música.
Não discuto gostos nem opiniões acerca dos albuns de Smashing, Billy Corgan está-me entranhado no sangue, nas minhas veias corre todo o amor que poderia alguma vez conceder a uma obra e sim Smashing pa mim é mesmo tudo e Billy Corgan o grande criador.
Mas o que é o Adore? É exactamente o que finalizaste, uma obra-prima. Sem duvida alguma estamos perante um album soberbo, extra-sensorial, perfeito mas como qualquer outra obra não é acessivelmente compreendido pelos demais. Tu compreendeste-o. Gostei mto do teu texto, das descrições as musicas tudo! Aceito e agradeço quem prefira o Mellon Collie ou qq outro album, so me fazem sentir cada vez mais unica por me identificar tanto com este album que retrata a minha pessoa....enfim!
********** fica bem e vou ler agora as referencias cinematograficas que ja vi que sao mto boas tb!! =)
É, já escrevi o texto há uns tempos, mas mantenho a mesma opinião acerca do disco, permanece como um dos meus álbuns de eleição. Agora que os Pumpkins anunciaram o regresso, era bom que o fizessem com um registo desta estirpe, não? :)
Obrigado e vai aparecendo.
espero mesmo que sim!! estou esperando ansiosamente pelo regresso...
Acho que podem se basera mto no Adore até porque na musica actual teria mais logica...e futureembrace esta longe de se equiparar mas em certos registos fazia lembrar...
mas tambem...queremos que "Adore" seja unico, logo igual igual não!! LOLOLOL
"TheFutureEmbrace" exibe de facto aproximações no som, mas em termos de coesão está mesmo uns degraus abaixo. Esperemos para ver - ou ouvir - o que a banda nos traz no regresso.
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