domingo, janeiro 02, 2005

UMA VIDA MENOS NORMAL

Com o sucesso das adaptações cinematográficas de "Homem-Aranha", "X-Men" ou "Hellboy", entre outros, os heróis dos comics norte-americanos destacam-se como uma clara fonte de inspiração recente para experiências no grande ecrã.
Como acontece com todos os fenómenos sobre-explorados, há o perigo do formato apresentar títulos desinspirados e redundantes - como o anémico "Catwoman", mal acolhido pela crítica e pelo público - ou de gerar obras que o parodiam ou reciclam, como a nova obra de animação da Pixar, "The Incredibles - Os Super-Heróis".

Os estúdios que criaram filmes carismáticos como "Toy Story" ou "À Procura de Nemo" (Finding Nemo) proporcionam agora uma película que aposta não no universo dos brinquedos ou em mundos aquáticos mas antes nas aventuras de uma família de super-heróis.


Ser um super-herói pressupõe que, para além de surpreendentes poderes e habilidades, tenha de se lidar também com alguma angústia existencial devido ao desvio da normalidade. Por isso, Mr. e Mrs. Incredible, paladinos reformados, optam por viver uma vida que segue os hábitos e rotinas de uma vulgar família americana dos subúrbios. Essa tentativa de normalidade obriga a que os seus peculiares dons sejam pouco utilizados, atitude que o casal tenta incutir aos seus filhos, também eles superpoderosos. O problema é que a experiência quotidiana é pouco entusiasmante e demasiado previsível, cinzenta e formatada. Mr. Incredible, sobretudo, tenta ultrapassar o frustrante dia-a-dia encurralado numa agência de seguros, cujas normas de conduta são contraditórias com os ideais que o ex-super-herói defende. No entanto, inesperados acontecimentos irão despoletar o regresso à glória de tempos passados, quando um novo super-vilão coloca em perigo a aparente atmosfera de paz e tranquilidade.

Amálgama da acção de James Bond com personagens inspiradas em super-heróis como os X-Men ou o Quarteto Fantástico, a nova película de Brad Bird introduz mais uma curiosa família disfuncional para colocar ao lado de outros exemplos da animação recente, como "The Simpsons" ou "Family Guy" (com as quais partilha um humor que possibilita múltiplas leituras e agrada a várias faixas etárias).
O fascínio do realizador por heróis da BD era já visível no seu filme anterior, "O Gigante de Ferro" (The Iron Giant), repleto de homenagens explícitas a personagens como o Super-Homem ou The Spirit. A sua obra possui múltiplas piscadelas de olho a referências da Era Dourada, o que torna "The Incredibles - Os Super Heróis" numa película que, apesar de recorrer a modernas e sofisticadas técnicas de animação digital, contém uma estrutura narrativa enraizada nos modelos clássicos do filme de aventuras.

Embora o resultado seja quase sempre minimamente imaginativo a nível visual, este novo trabalho da Pixar possui um argumento não muito inovador quando comparado aos emblemáticos exemplos de sucesso destes estúdios. De facto, a acção desta aventura segue (muito) de perto a linha de incontáveis histórias de super-heróis já vistas tanto no cinema como, sobretudo, na BD, não apresentando nada de novo. Claro que há bons momentos de criatividade, mas esta revela-se maioritariamente nas impressionantes imagens, com texturas e movimentos muito bem elaborados.

As personagens, ainda que divertidas, não são especialmente cativantes e carecem de maior desenvolvimento (exceptuando Mr. Incredible), tornando-se demasiado caricaturais (o caso mais óbvio é o estereotipado super-vilão). O ritmo também nem sempre é envolvente, algo pouco recomendável num filme de acção, e o filme é um daqueles casos com mais estilo do que substância ("O Gigante de Ferro", desprovido de tanta pompa e circunstância, era bem mais emotivo e caloroso).

Apesar do epíteto de obra-prima ser exagerado, "The Incredibles - Os Super-Heróis" está longe se ser um mau filme e funciona como um inteligente entretenimento para toda a família, exibindo algumas sequências realmente "incríveis". É pena que contenha mais episódios fulgurantes a nível visual do que personagens e situações que permitam uma empatia mais forte e memorável, tornando-se numa experiência cinematográfica que vale a pena conhecer mas não necessariamente revisitar.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

Sem comentários: