Intolerância, novos modelos de família, SIDA, política, orientações sexuais, religião ou traição são alguns dos elementos-chave de "Anjos na América" (Angels in America), a surpreendente mini-série do canal norte-americano HBO. Baseado numa premiada peça teatral de Tony Kushner, o projecto foi adaptado ao grande ecrã pelo cineasta Mike Nichols e inclui na lista de protagonistas três dos mais conceituados actores do presente: Al Pacino, Meryl Streep e Emma Thompson. Igualmente meritórios são Justin Kirk, Ben Shenkman ou Patrick Wilson, alguns nomes não tão mediáticos mas de considerável talento.
"Anjos na América" desenrola-se no início dos anos 80 e retrata os primeiros momentos de disseminação da SIDA, doença que funciona como elemento de ligação dos protagonistas. Num período marcado pela administração de Reagan, uma complexa teia de personagens debate-se com a alvorada de novas mentalidades, o florescer da revolução sexual e um conturbado contexto pós-Guerra Fria, vivendo crises de identidade e fases de contínuo questionamento.
Nesta adaptação televisiva, Mike Nichols ultrapassa os limites do meio e proporciona momentos de pura excelência cinematográfica através de um rigoroso trabalho de realização com refrescantes técnicas narrativas. Misturando momentos de cru realismo com cenas de intensa carga onírica, Nichols concede a este projecto uma bizarra, mas muito original e intrigante atmosfera. Embora as sequências dos sonhos/visões das personagens sejam, a espaços, objecto de árdua análise e interpretação, possuem uma dimensão experimental rara nas linguagens televisivas actuais. Esta vontade de ultrapassar as formas convencionais aproxima "Anjos da América" de outras séries revolucionárias da televisão de hoje, como a carismática "Os Sopranos" (The Sopranos) ou a inexcedível "Sete Palmos de Terra" (Six Feet Under).
Com um denso ambiente fim-de-milénio, a narrativa da mini-série ora apresenta episódios de forte tensão dramática e emocional ora envereda por ocasiões de um áspero humor negro, mantendo um tom etéreo e alucinatório que antecipa a entrada num "admirável (?) mundo novo". O ritmo da acção nem sempre cativa, sendo ameaçado por cenas onde o desafio conceptual se confunde com pretensão, gerando momentos demasiado frios e herméticos. Contudo, quando resulta, oferece um poderoso estudo de personagens onde se abordam os conflitos da natureza humana mediante uma viagem pelos seus meandros mais recônditos e inóspitos. A brilhante direcção de actores ajuda, e a muito conseguida reconstituição de época torna o projecto ainda mais credível. De resto, Mike Nichols demonstra a sua mestria com cenas de admirável poesia visual, criando envolventes imagens dignas de antologia.
Bem escrita e soberbamente realizada, "Anjos na América" é um pequeno oásis num panorama televisivo cada vez mais formatado e pouco reluzente. Uma ousada mini-série a (re)descobrir.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM (com tendência para subir num revisionamento)
2 comentários:
Então revê o mais rapidamente possivel esta magnifica mini-serie. E se conseguires (não sei se fizes-te isso) vê as 6 horas seguidas (é claro com pausas para comer...), pois irás ver que 3.5 em 5 é muito pouco.
Cumps.
P.S. Comentário a esta obra no meu blog.
Tenciono rever, mas há muita coisa à frente. Mas sim, talvez 3,5/5 seja pouco.
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