quarta-feira, junho 22, 2005

CIDADE MARAVILHOSA

Num período em que Hollywood parece ter descoberto a viabilidade comercial de adaptações cinematográficas de ícones dos comics norte-americanos, era uma questão de tempo até "Sin City - A Cidade do Pecado", série escrita e desenhada por Frank Miller, chegar ao grande ecrã.

Uma das mais elogiadas obras do argumentista/desenhador que redefiniu heróis como Batman ou Demolidor, "Sin City - A Cidade do Pecado" assenta nos códigos do film noir e apresenta uma galeria de personagens, geralmente rudes e agressivas, que tentam sobreviver numa cidade não menos agreste e violenta.

Se a série de BD era alvo de culto e prestígio, o filme promete alargar a esfera de admiradores - e de incontornáveis detractores - já que é alvo de uma divulgação massificada e não é conhecido apenas por um nicho fiel mas restrito. O hype é tão grande que já muitos consideram que esta adaptação é o - ou um dos - melhores filmes do ano, assim como uma das películas mais fiéis à matriz dos comics.

Realizado por Robert Rodriguez e pelo próprio Frank Miller - contando ainda com uma sequência dirigida por Quentin Tarantino - "Sin City - A Cidade do Pecado" manifesta uma absoluta reverência à BD que lhe deu origem, apresentando uma exímia reprodução das nebulosas atmosferas urbanas, marcadas por ambientes nocturnos e inóspitos.

O filme impressiona visualmente ao recorrer a um dos grandes trunfos das graphic novels de Miller: um vibrante contraste cromático entre o preto e o branco, intensificando a carga noir e gerando uma aura peculiar e absorvente. A espaços, algumas manchas de cor estrategicamente escolhidas - vermelhos e amarelos garridos, sobretudo - invadem algumas cenas, concedendo ao filme um estilo único e hipnótico.

Estilo é, de resto, a palavra-chave de "Sin City - A Cidade do Pecado", já que Rodriguez aproveita para regressar aos tons cool que se julgavam já perdidos depois do realizador enveredar por subprodutos como "Spy Kids". O criador de "Desperado" ou "Aberto até de Madrugada" assinala aqui um saudável regresso à forma, misturando bem os ingredientes para criar uma intensa experiência cinematográfica.

Desdobrando-se em três histórias centrais, o filme contém um núcleo de personagens que seriam a pior companhia a encontrar num beco escuro: polícias sem princípios, prostitutas letais e armadas até aos dentes, criminosos à beira da loucura e demais figuras obscuras que se entrecruzam - raras vezes de forma pacífica - nas suas travessias nocturnas. Marcadas pelo amor (ou falta dele), sexo, agressividade e egocentrismo, a maioria dos protagonistas do filme não olha a meios para atingir os fins, por isso quem estiver no seu caminho é só mais um alvo a abater.

Marv (visceral Mickey Rourke), uma criatura gigantesca e ameaçadora, é subitamente tocado pelo amor quando a misteriosa Goldie (Jaime King) passa uma noite com ele. Contudo, esse breve momento não é mais do que um ameno interlúdio na sua vida, uma vez que, ao encontrar a sua amante morta na cama, Marv volta a entrar numa espiral de crueldade em busca de vingança contra os responsáveis pelo assassinato.

O lacónico Dwight (magnético Clive Owen) é forçado a enfrentar o esgrouviado Johhny Boy (Benicio Del Toro, hilariante) para proteger a sua namorada (Brittany Murphy, num desempenho sem grande carisma), mas depois disso terá de auxiliar um grupo de prostitutas - lideradas por um amor antigo, Gail (uma efervescente Rosario Dawson) - a lidar com inimigos bem mais sinistros.

Na terceira história, Hartigan (Bruce Willis, igual a si próprio) protege obstinadamente uma criança de investidas pedófilas, e acaba por se apaixonar por esta ao reencontrá-la anos mais tarde, quando Nancy (Jessica Alba, uma boa surpresa) é já uma mulher.

Protagonizado por um atractivo lote de estrelas - para além das referidas acima pontuam ainda Elijah Wood (macabro como nunca antes), Josh Hartnett (intrigante, mas sem muito para fazer), Nick Stahl ou Michael Clarke Duncan - "Sin City - A Cidade do Pecado" conta com um elenco titânico e só peca por nem sempre saber aproveitá-lo, pois há actores cuja participação é pouco mais do que um cameo.

O problema é de um argumento que, apesar de estimulante, não se preocupa em inserir grande densidade às personagens, reduzindo-as a figuras unidimensionais e estereotipadas. Caso estes anti-heróis tivessem maior complexidade, "Sin City - A Cidade do Pecado" seria não só um filme poderoso, formalmente irrepreensível e com uma energia contagiante, mas facilmente atingiria o estatuto próximo de uma obra-prima. Assim, é uma dinâmica experiência sensorial, carregada de estilo, mas algo desequilibrada na substância que contém.

Este elemento manifestava-se também no sobrevalorizado "Kill Bill - A Vingança", mas Tarantino conseguiu um maior equilíbrio no segundo episódio dessa saga, inserindo-lhe uma vital densidade dramática. Rodriguez, como já é habitual tendo em conta a sua filmografia, aposta apenas na caricatura e no superficial, e embora se saia bem - sobretudo nas electrizantes peripécias que envolvem Clive Owen/ Rosario Dawson/ Benicio Del Toro - não consegue fazer milagres.

O resultado é um divertido, brutal, dinâmico e muito pouco verosímil exercício de estilo, que não desilude mas também não é tão bom ao ponto de ser incensado. Ainda não é desta que Brian Singer ("X-Men", "X-Men 2") e, principalmente, Sam Raimi ("Homem-Aranha", "Homem-Aranha 2") perdem o estatuto de cineastas que adaptaram de forma mais inspirada heróis da BD para cinema nos últimos anos. Talvez Rodriguez atinja esse nível nas sequelas de "Sin City - A Cidade do Pecado", já em preparação.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

19 comentários:

magnolias_forever disse...

Quero MUITO ver este filme!! Estou seduzida pela imagem do filme, essa aura peculiar e absorvente de que falas! Não o posso perder no cinema!

gonn1000 disse...

Não o percas mesmo porque vale bem o preço do bilhete :)

Hitler disse...

Boa análise.
O filme vale a pena sim senhor, mas como dizes não destrona outras adaptações. Os estúdios descobriram uma nova forma de fazer dinheiro, mas por vezes estragam os comics, como acho que vai acontecer com o Fantastic Four, mas vamos ver!

Randomsailor disse...

Concordo contigo quando achas que há uma falta de densidade nas personagens e acho engraçado o facto de na b.d. a história mais fraca "The Big Fat Kill" protagonizada pelo Dwight ser no filme a mais consistente... Quanto ao estilo é sem dúvida igual à B.D. mas como dizes não chega para tornar a obra genial...
De qualquer forma acho superior ao X-men e principalmente ao Homem Aranha 2 que, para mim, foi uma desilusão...

Stay well

Daniel Pereira disse...

Ai, ai, ai. E onde estão os primeiros dois Batman, de Tim Burton" nesse leque de obras que ainda não foram destronadas? Mau.

gonn1000 disse...

Ana Marques: Pois, "Fantastic Four" não parece mesmo muito promissor, mas ainda assim quero vê-lo...

Randomsailor: Ó Random, tanto estudo anda a trocar-te as ideias :P O "Spider-Man 2" é muito bom!!! ;)

Daniel: Bem, eu referia-me às mais recentes e essas já têm uns anitos. De qualquer forma, admito que não me dizem muito :P

Anónimo disse...

valeu bem o esforço e os actores estiveram bem à altura. Só é pena ter de ser contado um pouco à pressa. Eu queria mais :)

MPB disse...

Finalmente encontrei alguém que diz que o "Spider-Man 2" é muito bom... finalmente. Obrigado grande GONN1000 :D

Tb tenho essa opinião.

É superior a Sin City, isso tb acho ;)

FANTASTIC 4 - cheira a barraca total :D


Cumprimentos

Anónimo disse...

Concordo na parte de "falta de maior densidade das personagens", mas não deixa de ser a mais fiel adaptação de BD a filme :)!

Cumprimentos cinéfilos

gonn1000 disse...

Membio: Sim, também não me importava que o filme se alongasse mais...

Ne-To: Yup, aliás o primeiro também já estava bem acima da média :)

sOlo: Será provavelmente a mais fiel, mas é a melhor?

Anónimo disse...

Para mim é a melhor...opiniões! Mas já agora, qual é para ti a melhor adaptação de BD ao cinema :)?

Cumprimentos cinéfilos

gonn1000 disse...

Claro, opiniões...Das mais recentes acho que a melhor é "Homem-Aranha 2", mas se calhar era melhor rever os "Batman" de Tim Burton, que já não vejo há anos, antes de escolher esse...Hasta.

Anónimo disse...

Hum, também gostei do Spider-Man 2. Quanto aos "Batman's", nunca fui grande fan mas também não os vejo há uns bons anos. Quando os voltar a ver posso dar uma opinião mais concreta.

Cumprimentos cinéfilos

gonn1000 disse...

E temos mesmo é que ver o novo, que estreia hoje :D

Daniel Pereira disse...

Só para "picar o ponto": também preciso rever os Batman do Tim Burton. E andava a passar no Hollywood, perdi-o 3 ou 4 vezes... Damn!

gonn1000 disse...

Pois foi...Por acaso acabei de ver lá "Barton Fink", dos Coen. Esperava muito mais...

kimikkal disse...

Concordo com a tua análise do filme, grande atenção à estética (realmente sublime), pouca ou nenhuma às personagens. Só Benicio del Toro escapa, mas isso é "culpa" do actor, não do realizador.

Bom paralelo em relação ao primeiro "Kill Bill", o que me ficou do filme foi parecido.

Com uma diferença grande, não saí a meio do filme, tal como fiz no Kill Bill...

gonn1000 disse...

Pois, o primeiro "Kill Bill" também não me convenceu muito, mas não me fez sair a meio...Do segundo sim, gostei bastante, é muito mais equilibrado. Fica bem ()

Spaceboy disse...

Fui ver o «Sin City» hoje e também gostei bastante, achei que estava muito bem feito e a ideia foi muito bem conseguida. Não acho o «Kill Bill» nada sobrevalorizado, o 2º é melhor que o 1º, mas continua a ser um filme excelente!