sábado, abril 22, 2006

A ÚLTIMA HORA

Ecléctico e geralmente seguro, François Ozon tem vindo a consolidar-se como um dos estimáveis cineastas franceses a emergir em meados dos anos 90, cuja obra tanto incide em domínios do musical (“8 Mulheres”), do suspense (“Swimming Pool”) ou do drama intimista (“5x2”), e onde o rigor e a eficácia costumam estar presentes.

“Le Temps qui Reste”, o novo filme do realizador, é o segundo de uma trilogia dedicada à morte, iniciada com “Sob a Areia”, no entanto desta vez o foco não incide sobre uma mulher de meia idade em busca do marido desaparecido, mas antes num jovem que é confrontado com a revelação de que lhe restam poucos meses de vida, devido a um tumor raro.
Romain, fotógrafo de 31 anos, vê a sua percepção do mundo alterar-se com a perturbante notícia, reavaliando as relações com os seus familiares, colegas e namorado e mergulhando numa espiral de inquietação, dor, dúvida e medo.

Películas baseadas em doenças terminais não são propriamente algo inovador por si só, e muitas vezes geram melodramas de escassa subtileza e gritantes doses de manipulação emocional, recorrendo aos rodriguinhos mais básicos e rasteiros (como o atestam muitos telefilmes). Ozon não envereda por esta via – nem tal se esperaria - e aborda o tema e o protagonista com o respeito e dignidade que merecem, nunca os utilizando como ferramentas para a comoção fácil.

Tendo já provado ser um perspicaz observador das relações humanas, o cineasta não defrauda as expectativas e apresenta um filme sólido, depurado e contido, sustentado em atmosferas realistas geradas pela fluída realização, que novamente concilia gravidade e leveza.

Se Ozon é decisivo para que “Le Temps qui Reste” seja um filme bem-sucedido, Melvil Poupaud mostra-se igualmente determinante, surpreendendo com uma interpretação magnética e carismática.
Compondo uma personagem ambígua e que dificilmente gera empatia imediata com o espectador, o actor principal oferece um desempenho exemplar, com uma entrega comparável à de Romain Duris em “De Tanto Bater o Meu Coração Parou”, de Jacques Audiard, outro filme francês recente com um belo título e um fortíssimo protagonista.
Em vez de incentivar a pena e as lágrimas do espectador, Poupaud constrói uma personagem de temperamento difícil, arrogante e individualista, mas que aos poucos vai revelando as suas fragilidades e virtudes, expondo assim o pior e o melhor da sua humanidade.

Com uma interpretação de alto calibre e uma temática marcante – e bem trabalhada -, “Le Temps qui Reste” sugere, a espaços, ser um filme capaz de se catapultar para um patamar próximo da excelência, mas infelizmente tal não chega a ocorrer.
Por um lado, há personagens secundárias cujo relacionamento com o protagonista é demasiado fortuito e inverosímil (o casal que deseja ter um filho), por outro, o filme, apesar de envolvente e por vezes tocante, sabe a pouco, parecendo bastante curto e deixando algumas arestas por limar (a relação de Romain com os pais e a irmã merecia maior aprofundamento, assim como a sua fase de adaptação à doença).

Embora se imponha como um dos bons filmes de 2006, “Le Temps qui Reste” acaba por desiludir um pouco porque tem elementos que lhe permitiriam juntar-se ao grupo dos melhores. De qualquer forma, Ozon continua a ser um cineasta a acompanhar, e este até é o seu melhor filme a estrear em salas nacionais, assim como o mais caloroso, só é grande pena que fique a um passo do brilhantismo.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

9 comentários:

Anónimo disse...

vejo-o qdo estrear na próxima semana...

gonn1000 disse...

Sim, felizmente este é dos que tem estreia comercial prevista, e merece.

C. disse...

Ainda bem que a estreia já está prevista porque não pude ir ver o filme no Indie. Acompanho com atenção o ozon desde o "Sob a Areia" e ainda não me desiludiu uma única vez.

gonn1000 disse...

Por acaso o "Sob a Areia" é o que gosto menos dos que vi dele (todos os que estrearam cá), este "Le Temps qui Reste" até foi o que me convenceu mais, mas ainda não foi desta que o Ozon me arrebatou.

Anónimo disse...

Bom filme :). Ainda assim penso que o Ozon podia ter arriscado mais um pouco
(análise no meu blog).

P.S. -> Foi impressão minha ou ficaste surpreendido por me ver no Indie? LOL

Abraço

gonn1000 disse...

Pois, também acho que podia ter ido mais longe, mas ainda assim recomenda-se.
Fiquei surpreendido quando me chamaste e eu não sabia quem tu eras LOL

Anónimo disse...

ñ me desiludiu nada a mim! um dos melhores do ano, sem dúvida, uma verdeira obra-prima!

Anónimo disse...

gostei bastante . fez com que fosse ver outros filmes feitos pelo melvil ,tipo o conto de verao e o divorcio.

gonn1000 disse...

H.: Não gostei assim tanto, mas é um filme com muitas qualidades.

Sónia: Esses não vi, só "Eros Terapia"