terça-feira, dezembro 05, 2006

OS DIAS DO FIM

Realizador alvo de uma crescente internacionalização nos últimos anos, o mexicano Alfonso Cuarón tem sedimentado uma filmografia com tanto de versátil como de desequilibrado, iniciando-a com "A Princesinha" (1995) e "Grandes Esperanças" (em 1998, mais uma adaptação da obra de Dickens), títulos pouco mais do que curiosos, mas revelando contudo uma envolvente singularidade em "E a Tua Mãe Também" (2001), road movie que ofereceu um dos mais belos retratos da adolescência do cinema recente.

"Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" (2004), a sua contribuição para as aventuras do jovem e mediático feiticeiro, acrescentou um recomendável negrume à saga, e se não se saiu mal enquanto trabalho de encomenda também não foi um filme à altura das expectativas geradas pelo seu projecto anterior.

Agora, com "Os Filhos do Homem" (Children of Men), transfere para o grande ecrã o livro homónimo de ficção científica de PD James, cuja acção decorre num futuro próximo (2027) onde o mundo é caracterizado por um caótico contexto de anarquia global, vitimado por sérios problemas de imigração e, sobretudo, por uma crise de infertilidade que se arrasta há anos.

É certo que as atmosferas futuristas que o filme apresenta não são propriamente originais, compilando elementos já vistos no cinema e, sobretudo, na literatura, mas Cuarón consegue, ainda assim, proporcionar uma visão suficientemente refrescante e pessoal, contando com uma convincente criação dos cenários e impondo uma aura que traduz um clima conturbado e contaminado pela repressão.
Para tal não é alheia a soberba fotografia de Emmanuel Lubezki, com variações cromáticas dominadas por apropiados tons de castanho e cinza, determinantes para a edificação de um ambiente nebuloso e intrigante, e principalmente o trabalho de realização de Cuarón, que em dois ou três momentos atinge a excelência pelo nervo e carga realista que imprime a algumas sequências de antologia (uma atribulada viagem de carro ou, já mais perto do desenlace, a autêntica guerra civil nos prédios em ruínas).

Infelizmente, este rigor técnico não tem contraponto na narrativa, seguidora de uma lógica de videojogo, onde as personagens vão saltitando de nível para nível ou, neste caso, de perigo para perigo, encontrando novos aliados e adversários à medida que a sua fuga decorre.

A escassa solidez do argumento, que não sabe como aproveitar as muitas e pertientes temáticas sugeridas (todavia não aprofundadas), desbarata assim a competência (e a espaços mestria) visual, limitando também as prestações de um elenco forte, mas que mal tem oportunidade de mostrar o que vale. Julianne Moore, Michael Caine e Chiwetel Ejiofor, secundários de luxo, mereciam maior tempo de antena, e cabe assim a Clive Owen carregar o filme às costas, tarefa para a qual se mostra à altura, compondo um protagonista simultaneamente intrépido e desencantado.

Mesmo sendo algo decepcionante no seu desenvolvimento, "Os Filhos do Homem" resulta enquanto um eficaz thriller apocalíptico, já que Cuarón é geralmente bem sucedido na gestão do suspense, sabe filmar imaginativas cenas de acção e mantém o interesse até ao final, encontrando ainda uma valiosa mais-valia no carisma de Owen. Mas não deixa de ser inevitável pensar no grande filme que poderia ter saído daqui...
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

4 comentários:

Anónimo disse...

Outro filme subestimado e que eu gostei muito.Um dos melhores do ano.

gonn1000 disse...

Dos melhores não diria, mas acho que não merecia o desprezo com que a maior parte da crítica nacional o tratou.

Anónimo disse...

Para mim, o melhor do ano.

E tens razão, não merecia o desprezo que teve pelos críticos, e críticos somos todos, não precisamos que os do "Expresso" nos digam o que ver :P.

gonn1000 disse...

Este não foi um ano de muitos grandes filmes, mas mesmo assim não colocaria "Os Filhos do Homem" entre os melhores. E sim, mal seria se só fosse ver filmes aprovados pela imprensa.