terça-feira, fevereiro 20, 2007

SONHOS VENCIDOS

Segunda metade do díptico que começou com "As Bandeiras dos Nossos Pais", "Cartas de Iwo Jima" (Letters from Iwo Jima) centra-se na batalha travada entre americanos e japoneses durante a Segunda Guerra Mundial pela disputa de Iwo Jima, ilha do Pacífico, e debruça-se sobre a perpectiva dos soldados nipónicos sobre o conflito.

Ainda mais contido e lacónico do que o título anteriormente estreado, "Cartas de Iwo Jima" baseia-se nas cartas trocadas entre os militares japoneses em missão na ilha e as suas famílias que os esperavam no país-natal, oferecendo um interessante e envolvente testemunho do quotidiano da guerra e do sentimento de perda que já se sentia muito antes do momento da derrota.

Vincado por um heroísmo magoado e desencantado, este é um retrato inevitavelmente trágico das contradições humanas e dos absurdos da guerra, elaborado sem desrespeitar qualquer dos lados do conflito. Um dos momentos mais fortes do filme é mesmo quando alguns dos soldados japoneses se apercebem que partilham, afinal, mais semelhanças do que diferenças com os seus antagonistas, ainda que isso não coloque em causa o sentido da missão de que estão incumbidos.

Assente numa narrativa mais linear do que "As Bandeiras dos Nossos Pais", "Cartas de Iwo Jima" possui, à semelhança deste, uma impressionante energia cromática, com uma fotografia de tons turvos e esbatidos onde predominam camadas de cinzentos, dotando o filme de uma singular dimensão visual.
Também nas sequências de combate há paralelismos, tendo em conta a carga crua e seca com que Eastwood as filma, consolidando um realismo asfixiante que ecoa em toda a película. Fulcral para essa carga realista é a opção pelo idioma japonês, uma decisão arriscada, uma vez que esta se trata de uma obra americana, mas plenamente justificada, tornando a acção ainda mais verosímil.

No entanto, apesar de alguns momentos sublimes, "Cartas de Iwo Jima" não chega a impor-se como a notável experiência cinematográfica que se apregoa em alguns círculos e que certas sequências sugerem. É certo que se trata de um filme rigoroso, complexo e denso, mas também excessivamente longo e cuja acção não é imune a alguma redundância, contendo mesmo cenas desnecessárias e cansativas.
Apoiado num estilo demasiado contemplativo, nem sempre é capaz de gerar a tensão dramática que a história pede e acaba por se tornar arrastado a espaços, ainda que a direcção de actores (em particular Ken Watanabe e Kazunari Ninomiya) e a realização de Eastwood só mereçam elogios. Um título a descobrir, em todo o caso, ainda que longe do clássico a que poderia ascender.


E O VEREDICTO É:
3/5 - BOM

8 comentários:

O Micróbio II disse...

Espero ver este e também o outro (tb de Cint Eastwood) sob uma visão norte-americana da mesma guerra - Flags of our fathers!

gonn1000 disse...

Ambos valem a pena, e como agora estão os dois em cartaz é de aproveitar.

Loot disse...

Ainda não vi nenhum. Antes pensava que os filmes eram sobre a visão da guerra do ponto de vista dos dois lados, um aideia que me atraiu imenso, mas parece que não é assim.
Um retrata a vitória amarga e outro a derrota honrosa segundo ouvi dizer, quero ver os dois, mas este atrai-me mais que o flags of our fathers.
Abraço

gonn1000 disse...

Sim, mas o primeiro está centrado nos americanos e o segundo nos japoneses, de qualquer forma. São ambos obras interessantes mas longe de excepcionais, embora mereçam ser vistas.

Anónimo disse...

Tão novo e já com trejeitos e vicios dos tipicos criticos ressabiados e que detestam cinema, que inundam os nossos jornais... enfim. Uma maneira de escrever previsível e com uma mesma formula na apreciaçao de qualquer filme. Para este tipo de "criticos", gostar muito de um filme ou achá-lo obra-prima nunca é possivel, porque seria um atentado à sua "superior" inteligência. Visivel nesta crítica, que só atribui 3 estrelas a umas das maiores obras-primas recentes...

gonn1000 disse...

É possível gostar muito de muitos filmes, sim, e ultimamente gostei bastante de "Pecados Íntimos", por exemplo. Mas grandes filmes não surgem, infelizmente, todas as semanas, por isso não posso destacar só obras brilhantes.
Quanto ao facto de ser "ressabiado", "detestar cinema" e de ter uma "superior inteligência", é você que o diz, eu limito-me a expressar - e tentar justificar - a minha opinião acerca de alguns filmes que vejo. E se acha a minha escrita previsível e formulaica, está no seu direito, não faça é juízos de valor sobre pessoas que não conhece (bem, se calhar até conhece, mas como você não se identifica não sei para quem estou a falar).

João disse...

Este filme desiludiu-me, até porque gostei bastante de outros filmes de Eastwood, como Mystic River e Million Dollar Baby; mas acho um bom filme na mesma. O filme desenvolve lentamente a acção e eu acho que as personagens se mostram muito calmas perante a morte: se até quando se perde um jogo de futebol entre amigos muitas vezes se faz 30 por uma linha, quanto mais quando se perde uma guerra. Não se nota nem nervosismo nem desespero nas personagens. Por outro lado, acho a personagem de Watanabe muito bem conseguida: o homem que, fiel aos seus ideais, se mantém firme, apesar de rodeado de invejosos e incompetentes.

gonn1000 disse...

Achei este superior a "Mystic River", mesmo assim. Quanto á "calma" perante a morte, acho que isso foi intencional por parte de Eastwood, e o filme mostra que está interligado com a postura com que os soldados japoneses adoptam na sua missão.