segunda-feira, março 12, 2007

PECADOS ÍNTIMOS

Nos últimos anos, o cinema alemão tem sido pródigo na oferta de interessantes ficções sempre sustentadas no real, em particular na situação conturbada que o país viveu durante e após a Segunda Guerra Mundial. "Adeus Lenine!", "A Queda – Hitler e o Fim do Terceiro Reich" ou "Sophie Scholl - Os Últimos Dias" são alguns dos exemplos mais mediáticos, a que se vem juntar "As Vidas dos Outros" (Das Leben der Anderen), de Florian Henckel von Donnersmarck, vencedor do Óscar de Melhor Filme em Língua Não-Inglesa.

A acção tem início poucos anos antes da queda do muro de Berlim, situando-se na República Democrática Alemã e desenvolvendo uma claustrofóbica teia narrativa ancorada num sistema repressor e totalitário, que envolve os cidadãos numa sociedade de contornos orwellianos. É aí que um dos agentes da Stasi, a polícia política, tem como missão mais recente vigiar e reportar os acontecimentos que marcam o dia-a-dia de um escritor e da sua esposa, cuja conduta os colocou como suspeitos de sabotagem ao regime.

Contudo, à medida que vai conhecendo as vidas do casal que observa e escuta, o solitário oficial vê colocadas em causa as suas convicções e começa a questionar os pressupostos do sistema a que obedece, adquirindo uma familiariedade e empatia crescentes com os dois artistas e a dedicação destes às suas obras.

Abordando de forma complexa e sóbria um contexto facilmente dado a pontos de vista tendenciosos e maniqueístas, "As Vidas dos Outros" alia características do thriller e do drama para consolidar um objecto rigoro e inquietante, que pacientemente vai mergulhando o espectador numa espiral de medo, suspeita e intimidação. Se nos primeiros minutos a atmosfera não difere muito da de uma competente, mas indistinta série televisiva histórica, o filme consegue ir desenhando personagens densas, longe de uma função meramente simbólica, assim como usar a seu favor uma realização despojada e clínica, vincada por uma fotografia de apropriados tons acinzentados e lúgubres.

Embora quase sempre lacónica, à semelhança da postura do agente voyeur, a película nunca se torna fria ou mecânica, uma vez que há suficientes sequências de forte carga emocional construídas com uma sensibilidade digna de registo. As cenas com o casal são particularmente memoráveis, emanando um intimismo caloroso que, mesmo assim, não consegue fugir à interferência e controlo de um regime opressivo. Não menos meritória é a direcção de actores, já que o elenco exibe uma solidez uniforme e é essencial para que a narrativa se desenvolva de forma tão credível.

Há alguns detalhes menos convincentes, como a relativamente rápida mudança de atitude do polícia que vigia o duo de artistas - não muito provável na carreira de um veterano tão obstinado e inflexível -, ou o desenlace do filme, que se arrasta em demasia e apresenta uma solução mais confortável. Estes elementos não chegam, no entanto, para comprometer a consistência de uma obra inspirada e pungente, como "As Vidas dos Outros" claramente é.

E O VEREDICTO É:
3,5/5 - BOM

3 comentários:

Barão da Tróia II disse...

Vi os outros dois, aproveito a tua dica e vou ver se tiro um tempito para ir a LX dar uma vista de olhos, boa semana.

Anónimo disse...

Não diria de todo pouco convincente mas quase milagroso. Um milagre humano.
Filme envolvente, sem dúvida, frio mas ao mesmo tempo tocante, que certamente ganhará com outro visionamento.

gonn1000 disse...

Barão da Tróia II: Acho que o filme justifica a viagem. Obrigado, boa semana.

H.: Pois, a maneira como a mudança é encarada depende das doses de cepticismo de cada um :)
E sim, o filme é capaz de ganhar com um mais um visionamento.