"Ono", a segunda longa-metragem da polaca Malgosia Szumowska, contém uma premissa polémica que poderia ter dado forma a mais um filme banal e formatado. Afinal, o tema da interrupção voluntária da gravidez está na base de medíocres telefilmes baseados em factos verídicos que mais não fazem do que funcionar como uma desculpa para expor uma posição política, usando o cinema como mero meio para transmitir uma postura ideológica de forma geralmente pouco subtil.
Felizmente isso não acontece aqui, já que Szumowska é hábil e consegue contornar os lugares comuns que poderiam penalizar o seu projecto, centrado nos dilemas de Eva, uma jovem de 22 anos que engravida e fica indecisa entre praticar um aborto ou assumir o papel de mãe. Até aqui nada de novo, esta ideia foi já vista e revista inúmeras vezes, mas "Ono" afasta-se de territórios mais convencionais e oferece uma peculiar perspectiva sobre as dores do crescimento, a união familiar, a amizade e as dificuldades das escolhas, e o resultado é uma tridimensional visão das inquietações que marcam o final da adolescência e a entrada na idade adulta.
Um dos grandes méritos do filme é, indubitavelmente, a actriz principal, Malgosia Bela, que assinala uma interpretação comovente, luminosa e carismática, evidenciando as tensões e dilemas que sobressaltam a protagonista.
Ao longo de nove meses, Eva vive uma fase difícil onde tem de lidar com os receios quanto a um futuro enigmático e com um presente vincado pela preocupante gravidez, a doença do pai, a conturbada relação com a mãe, os problemas da amiga Ivone (a prostituta com um coração de ouro) e a estranha cumplicidade com o irreverente Michal, um jovem à beira do abismo (numa soberba prestação do promissor Marcin Brzozowski).
Obrigada a crescer depressa demais, Eva redescobre o mundo à medida que vai gerando uma ligação cada vez mais determinante com o seu bebé, que se torna no seu principal confidente.
Szumowska proporciona uma película honesta e genuína que se torna convincente devido à eficácia dos actores, ao sólido argumento e ao impressionante realismo dos espaços (a que não será alheia a experiência da realizadora nas áreas do cinema documental). Interessante, também, é o olhar sobre alguns aspectos da sociedade e cultura polacas, que tanto foca as suas vertentes mais tradicionais e mesmo pitorescas (a casa da protagonista, a cerimónia do casamento) como a subcultura urbana que começa a impor-se (e cujo conhecimento Eva aprofunda através da relação com Michal).
Percebe-se, então, porque é que a carreira de Malgosia Szumowska tem sido elogiada internacionalmente – o seu primeiro filme, "Happy Man", foi incluído nas melhores obras de 2001 segundo a revista “Variety” e "Ono" foi nomeado para o Grande Prémio do Júri no Festival de Sundance de 2005 -, uma vez que consegue gerar um olhar próprio e pessoal sobre temáticas que, noutras mãos, apenas cairiam em estafados clichés.
Ao segundo filme, Szumowska confirma-se como uma entusiasmante cineasta ao apresentar um retrato interessante e ambíguo sobre a maternidade e os primeiros dias da idade adulta. Uma obra a descobrir e um nome a fixar.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM
2 comentários:
Confesso que estive quase a adormecer a meio do filme. Pensei que o filme ía andar mais á volta da situação da gravidez e aborto mas afinal não...Enfim, não me entusiasmou por aí além, mas respeito a tua opinião :). De qualquer maneira, acho que a actriz principal esteve muito bem.
Cumprimentos cinéfilos
Pois eu até preferi que o filme não se centrasse só na gravidez, foi um desvio bem conseguido e imprevisível. E sim, a actriz promete, e além disso é simpática :D
Enviar um comentário