Veteranos do rock português, os Mão Morta têm comprovado, em diversos álbuns e concertos, que são um dos mais singulares projectos musicais nascidos em território luso. Com uma linguagem e identidade própria, raramente geram a indiferença, antes suscitando as mais inevitáveis paixões ou os mais veementes ódios.
Na noite de sábado passado, o grupo bracarense voltou a não despoletar a apatia, embora as doses de energia e fascínio tenham estado um pouco abaixo do que se esperaria de uma banda com tal carisma.
Inaugurando o ciclo "For U Music", uma iniciativa que pretende revitalizar o Fórum Lisboa (antigo Cinema Roma) e que incluirá concertos de alguns nomes fulcrais do pop/rock português - Jorge Palma, Rodrigo Leão e Rádio Macau serão os próximos -, os Mão Morta apresentaram ao vivo o mais recente álbum "Nús", editado em 2004.
Aguardado com alguma expectativa, o espectáculo prometia alguma inovação cénica e a interpretação de temas praticamente inéditos para uma considerável faixa do público. "Gumes" foi o mote para a noite, registando uma minuciosa e cuidada componente estética e privilegiando a aura teatral que sempre se associou ao grupo.
Com um meticuloso trabalho de iluminação, o espectáculo proporcionou as primeiras sonoridades e gerou uma curiosa atmosfera entre o sinistro e o poético. Os elementos do grupo passaram os primeiros minutos no palco atrás de biombos, o que intensificou ainda mais o ambiente de mistério e envolvência, embora a música de "Gumes", geralmente apaziguada, não tenha sido a mais convidativa.
O espectáculo só despertou consideráveis níveis de intensidade quando as telas foram retiradas e os primeiros acordes de "Anjos da Pureza" se disseminaram pela sala. Bem recebida pelo vasto público - a adesão foi forte, uma vez que o espectáculo estava com lotação esgotada -, a canção foi seguida pela ainda mais entusiasmante "Arrastando o Seu Cadáver" numa exibição de autêntica energia rock, proporcionando um dos picos de visceralidade da noite.
Para além da apresentação integral de "Nús", o alinhamento foi marcado por diversos temas da restante discografia da banda, em particular do álbum "Primavera de Destroços". "O Jardim" e "Tu Disseste", dois episódios-chave desse disco, foram bons exemplos de contágio sonoro, enquanto que os tons ásperos de "Velocidade Escaldante" e um vício chamado "Estilo" (um dos momentos mais entusiasmantes da noite) confirmaram a peculiar rudeza hipnótica inerente ao projecto de Adolfo Luxúria Canibal.
O carismático vocalista foi competente e dedicado, mesmo sem grandes manobras de risco, tensão e ousadia, e os seus colegas de palco exibiram, como já é habitual, uma irrepreensível solidez. O mediático "Gnoma" e o calmo, mas intrigante "Morgue" marcaram a fase final do espectáculo, finalizado com "Humano" e "Primavera de Destroços", estes últimos já no breve e algo anti-climático encore.
Mais discretos e comedidos do que se esperaria - ainda que com pontuais descargas de energia cinética em "Arrastando o Seu Cadáver" e "Estilo" -, os Mão Morta apresentaram um concerto intimista e convincente, mesmo que as surpresas não tenham sido muitas (excepção feita para o fascinante trabalho de iluminação, sobretudo em "Gumes").
Para recordar, fica a memória de uma apelativa atmosfera soturna vincada por tonalidades escarlate e púrpura e uma selecção de boas canções (da qual não fizeram parte alguns temas mais óbvios, como "Budapeste", "Em Directo Para a Teelvisão" ou "Cão da Morte").
Seria mais interessante, contudo, se nesta apresentação de "Nús" o grupo se "despisse" mais e revelasse a sua natureza estranhamente inquietante, situação que geraria certamente um maior nível de arrepios e assombros. Assim, a experiência foi somente um sonho agridoce quando poderia ter resultado num concentrado de negrume com memoráveis sequências oníricas.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
Nota: A foto foi retirada do site oficial da banda e não se refere a este concerto, mas como não levei máquina fotográfica foi o que se arranjou :S
1 comentário:
Vêm a Vila Real na próxima sexta.
Depois dou o meu veredicto.
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