segunda-feira, dezembro 04, 2006

MARCHA LENTA (E LONGA)

Tendo já concentrado o seu olhar em alguns dos habitantes do bairro das Fontainhas em dois dos seus filmes anteriores, “Ossos” (1997) e “No Quarto da Vanda” (2000), Pedro Costa retorna ao mesmo espaço em “Juventude em Marcha”, focando desta vez a mudança dos habitantes para um bairro social nas imediações.

As fronteiras entre a ficção e documentário voltam a esbater-se nesta obra de arriscada catalogação, pois as personagens são figuras reais e o filme apresenta alguns estilhaços do seu dia-a-dia, colocando-as face a uma câmara quase sempre imóvel, particularmente claustrofóbica nos momentos centrados em Ventura, que tem em “Juventude em Marcha” um protagonismo que no filme anterior pertencia a Vanda, agora moradora do bairro social.

Ventura é aqui a âncora de Costa, e através de episódios do quotidiano deste vai sendo construída uma perspectiva sobre um Portugal raramente mostrado, pelo menos desta forma, expondo uma realidade marcada pelo fenómeno da imigração (neste caso, cabo-verdiana) e pelas condições de vida precárias, e muitas vezes ignoradas, a que os habitantes do bairro estão sujeitos.

Filme-denúncia? Não, pelo menos não no sentido da adopção de intrusivas posições militantes, antes um retrato com um realismo levado ao extremo, estabelecendo relações entre um presente e um passado ainda muito próximo que despoletou drásticas mudanças. Igualmente extremas são as reacções que as opções tomadas por Costa na abordagem deste universo geográfico, social e humano podem trazer, uma vez que, se a temática é pertinente, a forma como é trabalhada arrisca-se a deixar cair por terra as suas potencialidades.

O verismo cru dos espaços e figuras começa por ser inquietante, mas “Juventude em Marcha” vai anulando esse efeito ao apostar em cenas de duvidosa pertinência, repetindo códigos e situações ao longo de duas horas e meia que se tornam cansativas, entediantes e, sobretudo, injustificadas.
Se por vezes se detecta alguma energia visual nos enquadramentos e, em particular, no trabalho de iluminação, tal não compensa a formatação em que o filme se vai afundando progressivamente, sendo vítima de um hermetismo que atinge o ponto de combustão nos inconsequentes planos fixos de quadros, portas, janelas ou paredes, prolongados até à exaustão.

Esta tendência, porventura identificada como marca de autor, é acompanhada por um miserabilismo que, de tão omnipresente, apenas conduz a que o desinteresse pelas personagens se vá instalando, a que não são alheias as apáticas expressões de todas elas, exceptuando Vanda, levando ao limite a rigidez e aridez do projecto.
Torna-se quase impossível encontrar aqui qualquer vestígio de densidade emocional, e embora Costa tente interromper a modorra através da carta que Ventura recita várias vezes, essa opção não passa de um mecanismo forçado, mais piegas do que poético e francamente ingénuo.

Ainda que os seus propósitos possam ser nobres, “Juventude em Marcha” apoia-se numa estrutura formal e narrativa tão impenetrável e alienante que se transforma num exercício de estilo destinado a testar a paciência do espectador.
Muito ambicioso mas pouco intenso e dominado por uma frustrante letargia dramática, fica refém de um esquematismo tão desinteressante como o dos mais banais blockbusters. Com a agravante de, ao contrário destes, “Juventude em Marcha” abusar da dose de pretensão, não estando à sua altura pois raramente consegue ser mais do que um soporífero arty com tiques de reality show.
E O VEREDICTO É: 1/5 - DISPENSÁVEL

20 comentários:

Daniel Pereira disse...

Vais levar poucas, vais...

gonn1000 disse...

Hey, é só uma opinião, não pretendo evangelizar ninguém nem sou obrigado a gostar de tudo :)

Flávio disse...

Estou contigo, Gonçalo. Não gosto dos filmes do Pedro Costa. Realidade já temos que chegue nas nossas casas, não é preciso ir ao cinema.

gonn1000 disse...

Nem é por aí, acho que o cinema não deve ser apenas (nem necessariamente) escapismo, o problema é que neste caso (e nos outros filmes que vi do Pedro Costa) a abordagem da "realidade" deixa-me quase sempre indiferente.

Hugo disse...

Não te fazia mal dares uma olhadela a este link:

http://kinoslang.blogspot.com/

Para além de ensinar Cinema, é a melhor análise que já encontrei a um filme que de dispensável não tem nada. Bem pelo contrário.

Anónimo disse...

Ensinar cinema? Isto existe?

gonn1000 disse...

Obrigado, já fui ler. É uma perspectiva, e embora bem fundamentada não mudou a minha opinião acerca do filme.

gonn1000 disse...

Wellington: Acho interessante identificar referências, desde que não implique cair no fundamentalismo.

Anónimo disse...

Ola, te mandei um mail do e-mail do meu trabalho (que barra as vezes) não sei se recebeste ou não..Queroa te perguntar uma coisa.

gonn1000 disse...

Olá, já vi e respondi.

Stalker disse...

Ainda não vi este filme. Aliás deste autor apenas vi o editado em DVD/Livro pela Assírio e Alvim, "Onde jaz o teu sorriso?", que é uma maravilha, na minha opinião.
Mas a minha curta intervenção é apenas para lembrar que o que define se um filme é uma obra fundamental ou dispensável em termos mais universais (pois cada um de nós tem histórias pessoais que tornam alguns filmes especiais) é a sua intemporalidade. Por outras palavras é preciso deixar pousar o olhar e que o tempo faça o seu trabalho.

gonn1000 disse...

Bem, não deixa de ser verdade, mas também não é por isso que deixamos de ter uma opinião quando os vemos de imediato. E isso tanto pode ser válido para os que consideram o filme fundamental como dispensável. Também costuma dizer-se que o tempo perdoa tudo, mas não me parece que seja o que vai acontecer em relação a "Juventude em Marcha" (no meu caso, obviamente).

Joana C. disse...

Parece que sou das poucas pessoas que partilha da tua opinião. Achei um filme aborrecido e, apesar de ter o seu mérito por tentar mostrar uma realidade bem cruel, acho que está muito longe da obra-prima que muita gente diz ser.

gonn1000 disse...

Sim, tem esse mérito, mas a forma como o faz esgota-se ao fim de pouco tempo e o resto são repetições que o vão tornando numa experiência frustrante.

MPB disse...

Eu sou de opinião muito contrária :D

Acho que a questão Documentario/ficção levantada nas obras anteriores se detiora cada vez mais, e o cinema de Pedro Costa afasta-se de uma realidade que é a dos rótulos e códigos comerciais.
É claro que como é normal não vai nem deve agradar a todos, mas a questão mais interessante é que parece não existir meio termo para o cinema de Pedro Costa, ou se adora ou se odeia.

Permite-me só um reparo, o termo "dispensável" não será "dispensável". Isto porque é extremamente pesado e eu sou daqueles que defende tanto o "Bom" como o "Mau" cinema e não o vejo como dispensável.

Cumprimentos

gonn1000 disse...

Sim, eu salientei que era um filme de difícil catalogação. Quanto ao tipo de reacções que o cinema de Pedro Costa costuma gerar, também acho que se geralmente tende ou para o amor ou para o ódio. A mim diz-me pouco, mas compreendo que outros não o encarem da mesma forma, é uma opinião e vale o que vale (para muitos será uma opinião dispensável, mas ainda assim tenho direito a emiti-la e tento fundamentá-la).

Bons filmes (mesmo que os meus não sejam os teus ;))

Stalker disse...

Uma opinião todos (ou quase) temos de imediato. Concordo. Mas essa opinião imediata tem os seus problemas. Um filme é construído num processo que é diverso de director para director mas, normalmente, é um processo complexo. E é essa complexidade que está por detrás do que nos é oferecido assim numa fórmula que foi transformada num ritual quase automático, do género segunda natureza, arrisco, como lavar os dentes ou beber uma bica. Ora se perdemos o respeito pelo ritual, a nossa disponibilidade torna-se francamente mais reduzida.

E a verdade (ou uma delas...) é que a abordagem de qualquer filme é condicionada pelo nosso passado. Aquela coisa entranhada que nos faz mais ou menos preconceituosos ou nos torna mais ou menos sensíveis a determinadas fitas. Reacções extremadas a obras de arte que, mais tarde, foram consideradas obras-primas ou fundamentais, sempre existiram.

Não podemos é perder a perspectiva. Há coisas que não foram construídas para uma suave lambidela. Tem de ser assim mais do género vinho a repousar em casco de carvalho. Não quero dizer que é o caso em apreço.

Mas dou-lhe o exemplo de um filme que já vi para cima de 30 vezes (não é exagero) e que ainda tem muito para eu descobrir: O Zerkalo (Espelho) do Andrei Tarkovsky. Numa outra dimensão, vejo-me a ir buscar o DVD do "Era uma vez na América", do Leone, só para rever uma cena ou o sorriso do De Niro no final.

Bem, já me emocionei...só de pensar nestes dois fico com pele de galinha. :-)

gonn1000 disse...

Claro, os gostos e as apreciações variam não só, mas também conforme as experiências de cada um, e se calhar se visse este filme pela primeira vez daqui a dez anos olharia para ele de forma diferente. Ou mesmo se chegar a revê-lo num futuro mais ou menos distante (embora à partida não tenha essa intenção).
Sim, este filme exige disponibilidade e entrega do espectador, muita até, mas infelizmente o que tem para oferecer não compensa esse esforço (enfim, mais uma vez realço que falo por mim). Por isso, não fico com vontade de o redescobrir e de tentar encontrar nele camadas que me pasaarm ao lado, até porque os filmes anteriores que vi do Pedro Costa também me deixaram esta impressão. Prefiro dar a prioridade da redescoberta e reavaliação a filmes que me marcaram minimamente, e "Juventude em Marcha" está longe de ser um dos títulos mais urgentes.

Anónimo disse...

Que imbecilidade.

gonn1000 disse...

Hum... ok. É só?