quinta-feira, setembro 20, 2007

TRADIÇÃO É TRADIÇÃO (?)

Recentemente, filmes como "O Paraíso, Agora!", de Hany Abu-Assad, "Munique", de Steven Spielberg, ou "Close to Home", de Vidi Bilu e Dalia Hager, têm proporcionado acutilantes olhares sobre o conflito israelo-palestiniano, contando boas histórias sem que as suas personagens sejam reduzidas a bandeiras de um qualquer posicionamento político.
"The Bubble" (Buah, Ha-), do israelita Eytan Fox, é mais um entusiasmante exemplo a juntar a estes títulos recomendáveis, incidindo no relacionamento entre dois rapazes de nacionalidades diferentes, e neste caso antagónicas.

Noam, um pacato empregado de uma loja de discos de Telavive, conhece o palestiniano Ashraf durante a sua última missão como soldado dos checkpoints fronteiriços, acabando por colaborar com este no auxílio a uma mulher que entra em trabalho de parto. Após esta situação fugaz, voltam a encontrar-se quando Ashraf vai a casa de Noam devolver-lhe documentos perdidos, e a partir daí iniciam uma relação que, apesar da crescente cumplicidade, não consegue ficar incólume face à conjuntura política e cultural que a envolve.

Se Ashraf vive pressionado pelo peso das tradições e obrigações familiares, assim como pelo da ocupação israelita, Noam tem um dia-a-dia bem distinto em Telavive, podendo optar por um estilo de vida mais liberal e cosmopolita, situação partilhada pelo seu grupo de amigos (daí o título do filme, que se refere à "bolha" protectora em que vivem os habitantes da capital israelita, praticamente imunes aos conflitos que a cercam).

Contudo, o facto de se viver um quotidiano relativamente seguro não implica que se seja a favor dos confrontos nos arredores da região, o que leva a que Noam e os seus dois colegas de apartamento - a persistente Lulu, que trabalha numa loja de perfumes, e Yali, empregado de um café in - se manifestem contra a ocupação da Palestina.
Entre entregas de folhetos ou raves na praia, os seus protestos não geram muita adesão, e a consideravel ingenuidade com que os implementam poderá criar reservas nos espectadores mais cínicos, à semelhança do que ocorreu com "Os Edukadores", de Hans Weingartner, onde outro grupo de jovens se revoltava contra o estado das coisas. Essa ingenuidade tende, no entanto, a dissipar-se à medida que os protagonistas vão sentindo na pele os efeitos das ameaças que criticam, sobretudo quando Ashraf se depara com uma situação sufocante da qual não sabe como escapar.

Ao longo de duas horas, Eytan Fox vai edificando uma narrativa que sabe aliar tensão dramática a um irresistível sentido de humor, recorrendo a ambas para oferecer um retrato absorvente e multifacetado da juventude israelita e palestiniana. Incialmente ligeiro, o filme ganha um tom mais denso e amargurado à medida que o par central sofre os entraves do fosso político que os afasta, e onde as utopias em que acreditaram durante anos não chegam para solucionar o cru e claustrofóbico ataque de realidade de que são alvo.

Mas "The Bubble" não vive apenas da abordagem ao conflito israelo-árabe, aliás o seu trunfo é ser capaz de o integrar numa história sobre os momentos altos e as dificuldades das relações humanas, independentemente de sexos ou etnias. Por isso, entre momentos desencantados há outros que são autênticas e contagiantes odes ao amor e à amizade, que o filme tem a capacidade de apresentar com uma invejável sensibilidade e verosimilhança.

O mérito divide-se pelo argumento bem carpinteirado, capaz de enveredar por atmosferas díspares sem perder o tom, pelo excelente elenco de jovens actores, todos credíveis e vibrantes nos seus papéis, ou pela realização fluída de Fox, atenta aos pormenores. A importância da cultura pop na construção das personagens é outro elemento-chave que acentua o realismo deste retrato, devidamente traduzido numa banda-sonora ecléctica que inclui canções dos Nada Surf, Le Tigre, Keren Ann, Belle & Sebastian ou Ivry Lider (cantautor israelita que aqui faz covers de temas de George Gershwin ou Tim Buckley).
Coeso e convincente em todos os aspectos, este é um dos grandes filmes do ano, e deixa forte curiosidade em relação à obra anterior de Eytan Fox, que antes desta assinou já três longas-metragens. Se estiverem ao mesmo nível, não são menos do que indispensáveis.

E O VEREDICTO É: 4,5/5 - MUITO BOM

Filme apresentado na 11ª edição do festival Queer Lisboa, a decorrer até 22 de Setembro no cinema São Jorge

4 comentários:

Daniel J. Skråmestø disse...

Na parte do coeso e convincente, discordo.
O filme é comprido demais e no final resolve que afinal quer meter um pé na chinela trágica e por isso coxeia um pouco porque já não vai a tempo de andar certo nesse sentido.
De convicente, a decisão do rapazito palestiniano não tem nada.
Talvez se fosse mini-série em vez de filme...
Apesar disso, gostei :)

gonn1000 disse...

Achei que esse lado trágico já se pressentia em cenas anteriores, não me pareceu feito à pressão. A decisão dele pareceu-me convincente, porque naquela situação é natural que se fique descoordenado, embora não ache que tivesse que passar obrigatoriamente por um acto desses. E também não achei o filme muito longo, pelo menos nunca me aborreceu :)

Spaceboy disse...

era dos filmes que mais curiosidade tinha em ver e já não fui a tempo. vejo doutras formas.

gonn1000 disse...

Já me disseram que estreará por cá, não sei é quando :)