quarta-feira, novembro 24, 2004

A VERDADE ESCONDIDA

John Frankenheimer criou, em 1962, "O Enviado da Manchúria" (The Manchurian Candidate), centrado nos ambientes tensos de plena Guerra Fria e protagonizado por Frank Sinatra. Em 2004, Jonathan Demme adapta alguns dos pressupostos dessa obra ao contexto político dos dias de hoje e proporciona um dos thrillers mais fortes do ano, "O Candidato da Verdade" (The Manchurian Candidate), entregando o papel principal a Denzel Washington.

Num período em que alguns filmes mediáticos abordam, de forma mais ou menos directa, as dúbias atmosferas político-económicas contemporâneas - como "Spartan - O Rapto", de David Mamet, ou mesmo "Supremacia" (The Bourne Supremacy), de Paul Greengrass - Jonathan Demme volta a incidir nesta temática e constrói uma película repleta de intensidade e inquietação.

Atormentado por ambíguas memórias das suas experiências na Guerra do Golfo, o Major Bennett Marco (Denzel Washington) crê que a aclamação pública do seu ex-colega de pelotão Raymond Shaw (Liev Schreiber) é baseada em factos não muito concretos e esclarecedores, o que o encoraja a encontrar algumas pistas que lhe permitam solucionar de vez a sua suspeita crescente. Esta busca irá despoletar um claustrofóbico e arriscado percurso por domínios de corrupção e mentira. A obscura e densa teia de revelações envolve memórias manipuladas, mortes misteriosas e inimigos intocáveis, gerando sequências trepidantes e episódios assombrosos.

Jonathan Demme volta a focar questões pertinentes, polémicas e actuais - como já tinha feito nos emblemáticos "O Silêncio dos Inocentes" (The Silence of the Lambs) ou "Filadélfia" (Philadelphia) - e retrata as delicadas interligações entre territórios políticos e económicos num ambiente de contínua globalização, tornando difícil a descoberta de uma ameaça isolada. Conseguindo gerar um ritmo envolvente e acelerado, o cineasta oferece um thriller que, mesmo com momentos de alguma previsibilidade (e inverosimilhança), está acima dos estereotipados e inócuos exemplos que marcam grande parte do género actualmente.

Para além da astuta realização e de um sólido argumento, "O Candidato da Verdade" destaca-se pelas boas interpretações do elenco. Denzel Washington apresenta a eficácia habitual (embora a sua personagem não se desvie muito dos papéis que o popularizaram), Liev Schreiber surpreende pela bem conseguida carga de frieza e sobriedade e Meryl Streep brilha num dos desempenhos mais arrepiantes - no bom sentido - e complexos do ano, confirmando a sua enorme versatilidade e talento.

Tenso e poderoso, "O Candidato da Verdade" proporciona um demolidor olhar sobre as democracias ocidentais contemporâneas - particularmente a americana - e salienta-se como um dos títulos cinematográficos nucleares da recta final de 2004, congregando um eficaz equilíbrio de suspense, acção e drama em atmosferas de conspiração.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

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