"Os Profanadores" (The Resurrectionists) foi o livro que se seguiu, em 2002, ao muito elogiado - e nomeado para o Booker Prize - "Os Guardiões da Verdade", e tal como na obra anterior também aqui o irlandês Michael Collins apresenta uma perspectiva atenta e realista acerca do quotidiano do interior dos EUA, numa ficção onde o drama familiar, o suspense e o road book se complementam.
Frank Cassidy é um homem da classe média baixa que vive um dia-a-dia precário e pouco encorajador em New Jersey com a sua família algo disfuncional: Honey, a sua esposa cansada da rotina que a entorpece há anos; Robert Lee, um adolescente filho desta que não simpatiza especialmente com o padrasto; e Ernie, o filho do protagonista, uma criança alheia ao desencanto que a rodeia pois vive ainda num mundo de fantasia povoado por dinossauros e desenhos animados.
Ao saber que o seu tio Ward, um figura que marcou a sua infância e juventude, faleceu repentinamente, Frank e a sua família deslocam-se para o Michigan, onde este residia, na tentativa de obterem a parte da herança que lhes é devida. Contudo, durante a viagem Frank irá reatar a sua relação com o seu primo Norman, filho de Ward, e as questões monetárias causarão alguma crispação e desentendimentos, evidenciando os traços quase esquecidos de um passado que se julgava inerte mas cujas memórias regressam subitamente.
Partindo rumo a uma nova vida, a famíla Cassidy terá de tentar manter-se unida entre peripécias desconfortáveis, e à medida que se aproxima do Michigan Frank revive alguns dos episódios mais nefastos da sua infância, em particular o trágico incêndio que gerou a morte dos seus pais e em relação ao qual o seu tio Ward teve um papel suspeito e dúbio.
Narrativa de um filho pródigo em busca da redenção e da solução de mistérios do seu passado e presente, "Os Profanadores" volta a comprovar que Collins é um astuto retratista dos episódios que vincam o quotidiano de uma América desencantada e muitas vezes ignorada, um mundo de losers, inadaptados, párias e marginais pouco familiarizados com o sucesso.
"Os Guardiões da Verdade" já continha muitos dos elementos que aqui se encontram, uma vez que também se centrava num protagonista que não sabia como reagir à desolação que o cercava e era também uma obra que focava um assassinato numa pequena localidade do interior dos EUA.
No entanto, "Os Profanadores" não chega a ser uma repetição, oferecendo algumas variações e proporcionando um olhar mais intenso às dificuldades das relações familiares, aos traumas e recalcamentos com raízes na infância e ao misto de esquizofrenia e amnésia que caracteriza o protagonista, atormentado por uma família que raramente o apoia e por diversos acontecimentos que o afastam da esperada, mas quase sempre ausente, prosperidade.
Collins, ao recorrer à narrativa na primeira pessoa, facilita a aproximação com a progressiva amálgama emocional que invade Frank, cujo ponto de vista orienta as peripécias que marcam a acção. Num estilo consideravelmente descritivo, minucioso mas não supérfluo, o autor traça uma perspectiva lacónica sobre a desorientação de uma América pós Vietname - no final dos anos 70 -, onde um denso limbo existencial parece sobrepôr-se aos pressupostos do sonho americano.
"Os Profanadores" não é um livro especialmente inovador, uma vez que recicla ideias não só do próprio Collins mas também de alguma literatura (Richard Ford, Jack Kerouac ou mesmo Ernest Hemingway) e cinema norte-americanos (as atmosferas outonais aproximam-se das de muitos filmes indie), mas consegue apresentar personagens e situações suficientemente entusiasmantes e envolventes para que a sua leitura se torne recomendável, mesmo não sendo uma obra essencial.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
1 comentário:
Se gostas então experimenta ler este...
Obrigado! Também vou linkar-te :)
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