Depois da intensidade de "Tudo Sobre a Minha Mãe" e "Fala com Ela", Pedro Almodóvar aumenta as doses de negrume e obscuridade em "Má Educação" (La Mála Educación), distanciando-se da vertente calorosa e emotiva dessas elogiadas obras antecessoras.
Apostando em tons mais sinistros, o mais recente filme debruça-se sobre temas polémicos como a pedofilia, a prostituição ou a homossexualidade. É certo estas temáticas não são inéditas na obra do cineasta, mas raramente foram abordadas de forma tão soturna e arrepiante como em "Má Educação".
Herdando referências do film noir, do policial ou do melodrama, a película centra-se na relação de dois amigos de infância, colegas de um colégio interno católico, que se reencontram mais tarde, na idade adulta, no início dos anos 80. Enrique é agora realizador de cinema e Ignacio um actor principiante à procura de uma oportunidade para brilhar. Quando os dois jovens se reencontram, estão lançadas as pistas para uma intrincada história marcada pela mentira, traição, morte, amor e vingança, onde o presente e o passado mantêm uma interligação incontornável.
Almodóvar proporciona um denso olhar sobre os podres da Igreja Católica, nomeadamente sobre as assombrosas atmosferas dos colégios internos e das ambivalentes relações entre os padres e as crianças. É sabido que o cineasta passou a infância nestas instituições, mas desconhece-se até que ponto o argumento de "Má Educação" é auto-biográfico.
Através de flashbacks, o filme apresenta uma perspectiva sobre os laços de confiança dos dois amigos na infância, expondo também a descoberta da paixão de ambos pelo cinema e os primeiros contactos com o despertar da sexualidade.
Com uma estrutura narrativa complexa e criativa, "Má Educação" funde as esferas da realidade e da ficção, tornando-se num desafio constante para o espectador e obrigando-o a reavaliar e questionar os acontecimentos decorridos.
Ao contrário de grande parte dos filmes de Almodóvar, aqui não se efectua um mergulho no universo feminino, antes se expõem as tensões e antagonismos de um conjunto de personagens masculinas. O carácter trágico e a densidade dramática, no entanto, mantêm-se, através de uma teia de intrigas vincada pelo desejo, ambição, pecado e obsessão. As atmosferas são, por isso, carregadas de negrume, e raramente há espaço para o despontar do amor num filme que aborda a perversidade humana. A espaços, verificam-se alguns momentos de humor, mas "Má Educação" privilegia a melancolia e o desencanto.
Para além da espessura dramática, a película impressiona também pelo rigor técnico e formal, onde a realização e banda-sonora voltam a marcar pontos e a reconstituição de Madrid dos anos 80 exibe competência. A direcção de actores é igualmente profícua, da qual se destaca a credibilidade do duo protagonista constituído por Fele Martínez (Enrique) e, sobretudo, Gael Garcia Bernal (Ignacio). Bernal, um dos mais promissores actores latinos de hoje - como "Amor Cão", "E a Tua Mãe Também" ou "Diários de Che Guevara" podem atestar - , oferece aqui os seus melhores desempenhos e confirma a sua versatilidade (a femme - ou homme? - fatale que compõe é uma das mais impressionantes interpretações do ano).
Talvez menos acessível e imediata do que algumas das suas obras anteriores, "Má Educação" é uma experiência cinematográfica que volta a demonstrar a vitalidade criativa de Almodóvar e um estilo que - goste-se ou não - é singular, característico e pessoal.
E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM
4 comentários:
Nossa! ninguém comentou ainda?
Gostei bastante pelo teor melancólico e a atuação de todos os atores, principalmente o Gael Garcia. Momento lindo, e que ao mesmo tempo me passou angústia, foi a cena de 'Inácio', quando ainda pequeno, canta 'Moon River' com o padre ao seu lado.
Palmas para Almodóvar que mostrou o lado desprezível e horrendo da Igreja Católica.
Não é um filme fácil, mas é muito bom, e o Gael é surpreendente.
gael é assim aquele homem que prontos...enfim! é so o ideal! é lindo!
e depois como actor bate td e todos neste fantastico filme de Almodovar, o melhor a meu ver..****
Também gosto do Gael, e neste filme superou-se. Não acho que seja o melhor do Almodóvar, mas também é dos meus preferidos.
Enviar um comentário