quarta-feira, julho 11, 2007

TIROS PELA CULATRA

Com argumento assinado por Lars Von Trier, "Querida Wendy" (Dear Wendy) exibe alguns paralelismos com "Dogville", o filme do cineasta dinamarquês que também decorria numa pequena cidade do interior dos Estados Unidos e ia mergulhando nas clastrofóbicas relações da sua comunidade. Desta vez, a realização ficou a cargo do conterrâneo Thomas Vinterberg, outro nome central do movimento Dogma 95 que ganhou algum prestígio com "A Festa" (1998) e perdeu grande parte dele com "O Amor É Tudo" (2003). Não parece ser agora que o reconquistará, num filme sustentado por uma boa premissa que não chega, contudo, para compensar um desenvolvimento atabalhoado.

"Querida Wendy" até arranca relativamente bem, alicerçando-se nas reflexões do protagonista, um jovem solitário e tímido que encontra na posse de uma arma a forma de reforçar a auto-estima. Aos poucos, a sua rede de amigos começa a alargar-se para além de Wendy - a arma, à qual dedica cada vez mais atenção -, encontrando afinidades com outros jovens da povoação, igualmente retraídos, e que adoptam o mesmo processo para aumentarem a confiança em si próprios. Assim, acabam por formar um pequeno grupo denominado Dandies, que preconiza a posse de armas mas não a sua utilização, defendendo acima de tudo ideais pacifistas. A única ocasião em que recorrem a elas é nas sessões de tiro privadas, como meio de desenvolver a disciplina e a concentração, rejeitando ímpetos violentos.

Inevitavelmente, chega o dia em que o cenário se altera e o grupo acaba por estar no local errado à hora errada, entrando em conflito com a polícia devido a um equívoco numa situação que rompe com o ambiente tranquilo que se manteve até então. E é aí que "Querida Wendy" se torna num filme decididamente falhado, caíndo num poço de previsibilidade que alguns desequilíbrios de momentos anteriores já insinuavam.

Von Trier parece ter escrito o argumento tendo em vista uma crítica feroz ao livre porte de arma nos EUA, o que talvez nem resultasse mal caso se preocupasse minimamente com as personagens, dando-lhes algum substrato dramático em vez de as usar como descartáveis instrumentos da sua tese.
Tirando o protagonista, que ainda é alvo de alguma densidade psicológica, nenhum dos elementos dos Dandies vai além do estereótipo loser mais batido e simplista. Mesmo assim, o modo como o argumento os trata no desenlace do filme não deixa de ser arrogante, e sobretudo muito pouco compensador para o espectador que aguentou uma narrativa tão irregular apenas para chegar a um final que se adivinha ao fim de vinte minutos.
A previsibilidade nem é o maior defeito, antes a perspectiva básica e moralista com que o argumentista aborda a questão, confundindo acutilância e sentido de oportunidade com irreverência e violência gratuitas. "Querida Wendy" cai assim num antiamericanismo fácil e preguiçoso, a milhas da subtileza presente em "Dogville".

A narração em off do protagonista, quase omnipresente, é outra opção que em nada contribuiu para a consistência do filme, e se ao início até ajuda a compreender os seus dilemas rapidamente se torna intrusiva. O elenco desperdiça actores como Jamie Bell - aqui muito longe do magnetismo de "Billy Elliot" ou "Os Amigos de Dean" -, Bill Pullman ou Mark Webber, que de resto nunca chegam a ter personagens sólidas para interpretar.

Nos momentos iniciais, "Querida Wendy" chega a sugerir fazer ao western o que o também recente "Brick", de Rian Johnson, fez ao film noir, reformulando e recontextualizando o género através de um elenco jovem e de uma sensibilidade pós-moderna. Mas não, a Vinterberg somente interessa conduzi-lo como mera arma de arremesso aos EUA, e nem o interessante trabalho de realização nem a banda-sonora - à base de canções dos The Zombies - são capazes de disfarçar as debilidades de um filme que, ao ter tantas pretensões de dar um murro no estômago, não consegue mais do que uma série de tirinhos de pólvora seca.


E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL

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