terça-feira, julho 24, 2007

MAGIA, CONSPIRAÇÕES E REFORMA EDUCATIVA

A saga do aprendiz de feiticeiro mais famoso do mundo terminou finalmente na série de livros que lhe deu origem, uma vez que "Harry Potter and the Deadly Hallows", o sétimo e último volume, chegou recentemente às lojas. Já o grande ecrã recebeu "Harry Potter e a Ordem da Fénix" (Harry Potter and the Order of the Phoenix), a quinta aventura da popular - e muito rentável - personagem da inglesa J.K. Rowling, que ficará como um dos maiores fenómenos da década a abranger um público dos 7 aos 77 (pelo menos).

Depois de Chris Columbus, Alfonso Cuarón e Mike Newell terem adaptado episódios da saga, desta vez a tarefa foi entregue a David Yates, realizador britânico com experiência na televisão. Essa mudança pouco altera, contudo, o tom, o estilo e o formato do filme quando comparado com os anteriores, pois tal como esses não esconde as suas bases literárias, sendo demasiado expositivo e mantendo uma por vezes pouco fluída estrutura episódica.

O início e o desenlace são especialmente paradigmáticos dessa situação, já que as primeiras cenas são continuações directas de "Harry Potter e o Cálice de Fogo", logo quem não o viu corre o risco de demorar algum tempo a familiarizar-se com os acontecimentos. O final mantém a tendência, deixando uma inevitável porta aberta para o filme seguinte. No entanto, "Harry Potter e a Ordem da Fénix" supera bem estas obrigatórias limitações estruturais, e ainda que faça parte de uma história mais ampla esta aventura consegue valer por si, mesmo que não esteja imune a alguns desequilíbrios.

Parte do interesse advém do facto da saga adoptar aqui tonalidades mais negras e sombrias, característica que se tem imposto progressivamente à medida que o protagonista vai crescendo. Harry sofre agora o turbilhão emocional da adolescência, que nem é o seu principal problema tendo em conta que é encarado com desconfiança por grande parte da comunidade dos feiticeiros, sendo poucos os que acreditam no seu encontro e confronto com Lorde Voldemort (ocorrido no filme antecessor).
Mais solitário e ostracizado do que nunca, torna-se num outcast e adopta uma atitude defensiva que, num primeiro momento, o faz recusar mesmo um contacto próximo com os seus amigos de sempre, Ron e Hermione.

A atmosfera adensa-se quando uma nova professora é enviada pelo Ministério da Magia para a escola de Hogwarts, alterando radicalmente as políticas de ensino e impondo um rigoroso sistema mantido a pulso de ferro. Uma das principais alterações do programa passa pela proibição do ensino de medidas de auto-defesa aos alunos, tornando-os inúteis face às ameaças de Voldemort e seus aliados, o que leva a que Harry se encarregue dessa tarefa assumindo, clandestinamente, o papel de mentor de alguns colegas.

"Harry Potter e a Ordem da Fénix", sem inovar muito face ao que a saga já apresentou no cinema, não deixa de ser eficaz na abordagem aos dramas do crescimento, explorando a difícil travessia na busca de autonomia ou as consequências da rigidez e intolerância levadas ao extremo, vincadas pela adesão ou fuga às normas instituídas. O lado negro do protagonista, que começa a insinuar-se, ajuda a que se combata algum maniqueísmo, e funciona mesmo não sendo inesperado nem original - nos últimos tempos o mesmo sucedeu, por exemplo, a Frodo em "O Senhor dos Anéis — O Regresso do Rei" ou a Peter Parker em "Homem-Aranha 3".

O elenco continua a conjugar veteranos de luxo - Gary Oldman, Alan Rickman, Emma Thompson ou Helena Bonham Carter - com novos talentos - em particular o trio Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson -, e só é pena que o excesso de personagens leve a que alguns dos primeiros tenham pouco para fazer. A excepção fica por conta de Imelda Staunton, que tem tempo para brilhar e inquietar na pele da austera e muito british professora Umbridge, uma bem-vinda adição ao elenco.
Visualmente continuam a registar-se por aqui alguns pequenos prodígios, com cenários e adereços irrepreensíveis que traduzem um universo coerente, onde a fantasia é privilegiada mas nunca vítima de devaneios gratuitos. Os efeitos especiais são, de resto, utilizados mais em função de pequenos detalhes deliciosos (como os gatos nos bibelots) do que em cansativas sequências exibicionistas.

Sendo um dos mais satisfatórios títulos da saga, "Harry Potter e a Ordem da Fénix" padece contudo de um excesso de palha narrativa, acusando alguma dispersão e tornando-se arrastado a espaços. Os momentos mais acelerados são os finais, que inversamente pecam por serem demasiado abruptos e encerram estas quase duas horas e meia de forma pouco surpreendente.
O balanço é ainda positivo, e mesmo que não tenha a relativa carga de novidade dos episódios inciais esta quinta aventura supera-os aos conseguir uma maior densidade emocional, mergulhando no âmago do protagonista e alargando a sua rede de obstáculos.
Não possuirá muitos trunfos que permitam converter quem nunca se deixou cativar pelo jovem feiticeiro, mas também não dá motivos para que os que o seguem o coloquem em causa. Pelo contrário, comparando com o declive qualitativo que outras sagas enfrentaram nas terceiras partes, esta mantém um equilíbrio apreciável novamente registado na quinta, mesmo que ainda não tenha saído daqui nenhum grande filme - e a julgar pelo sucesso comercial até agora, nem será preciso.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

8 comentários:

Gonçalo Trindade disse...

Concordo. A saga sempre conseguiu manter um muito aceitável nível de qualidade, e verifica-se o mesmo com este quinto filme. Enfim, são filmes agradáveis, sem dúvida um belo entretenimento.

E os livros são brilhantes. Este último então... simplesmente magnífico.

gonn1000 disse...

Ainda não vi nenhum que fosse de facto obrigatório, mas acho que cumprem embora sem deslumbrar muito. Dos livros, fiquei-me pelo primeiro.

Flávio disse...

Eu sei que vou estar sozinho nisto, mas acho o Harry Potter uma grande merda. Não consigo compreender o rebuliço. Claro que a magia é sempre um tema fascinante, mas o que é que os livros/filmes trazem para além dos clichés (varinhas, bruxas, etc) que já todos conhecemos?

gonn1000 disse...

Não acho que estejas sozinho, há muita gente que não gosta. Eu não sou fã mas até simpatizo, e dentro do cinema de entretenimento há produtos bem piores.

olarques disse...

Não posso deixar de sorrir à cordialidade das tuas respostas :-) Realmente os meus pais esqueceram-se desse ingrediente em mim.
Eu sou um fã do Harry Potter (ou fui na adolescência?). Conforme fui lendo os livros comecei a ver a estrutura base sempre igual que a autora usa, e isso começou a entristecer-me, mas ainda não me saturou. Estou à espera da tradução do último.
Quanto aos filmes. Nunca gostei de nenhum, mas até vi alguns no cinema. Porque não resisto, e fico na esperança que é desta que fazem um filme melhor do que o livro. Tenho a sensação que os realizadores perceberam desde início que todos os leitores do Mr. Potter iriam ver os filmes, portanto o investimento fica coberto. Para quê mais trabalho? Para quê mais despesa? Os gajos (espectadores) estão no papo. Notei esse pouco esforço quando se dá a luta entre os bons e os maus, surgindo como que de um rasto de fumo branco (bons) e negro (maus). Achei a ideia bastante interessante, esboçam-se uns planos diferentes, mas nada é explorado. Tudo feito a despachar serviço. Já agora. Sabes se os realizadores são de origens portugas? :-)

gonn1000 disse...

Só li o primeiro livro, e embora ouça muita gente defender que estes superam os filmes não posso por isso compará-los. Quanto à "preguiça" dos realizadores, não sei se a culpa será tanto deles ou de J.K. Rowling, que parece impor uma série de medidas para que os filmes não se distanciem muito dos livros (neste último não sei, mas em casos anteriores recordo-me que aconteceu isso). E não, tanto quanto sei nenhum tem origens tugas (porquê a pergunta, já agora?).
Abraço cordial :P

olarques disse...

A pergunta era simplesmente para ver se encontrava uma justificação a esta lei de menor esforço...

gonn1000 disse...

Ah ok... Mas acho que isso não é exclusivo nacional :)