quarta-feira, dezembro 20, 2006

SONHOS EFÉMEROS

Quando, há dois anos, o francês Michel Gondry realizou a sua segunda longa-metragem, “O Despertar da Mente”, não foram poucos os que a consideraram – e justamente – um dos filmes nucleares da primeira metade da década, aliança perfeita entre comédia delirante e drama envolvente, um prodígio de escrita que, combinada com uma peculiar identidade visual e um elenco irrepreensível, deixou muita expectativa quanto às futuras obras do realizador.

“A Ciência dos Sonhos” (La Science des Rêves) tem agora a tarefa ingrata de ser o seu título sucessor e deixa claro que, embora apresente algumas qualidades, está muito abaixo da excelência, ou mesmo de um nível acima da média, ficando longe de ser um marco da década ou sequer do ano.
Reconheça-se que Gondry continua a apostar num trabalho de realização pessoal e imaginativo, herdeiro do cruzamento de minimalismo e surrealismo pelo qual já se havia destacado nos videoclips que dirigiu antes de testar os domínios da sétima arte. O que falta, e de que maneira, é um argumento que consiga coordenar o experimentalismo visual (por vezes brilhante), e sobretudo dar alma às personagens, ou não tivessem sido estas que ajudaram a que “O Despertar da Mente” criasse um raro e difícil elo emocional com o espectador.

A superficial carga dramática é especialmente frustrante uma vez que desperdiça um sólido elenco, não tanto no caso dos protagonistas, mas gritantemente no dos secundários, onde constam, entre outros, Alain Chabat, Aurélia Petit, Sacha Bourdo ou Miou Miou, com pouco ou nada para fazer. Já Gael García Bernal destila carisma na pele de um ilustrador que viaja para Paris, consegue um emprego menos estimulante do que esperava e que entretanto se apaixona pela vizinha do lado, interpretada por uma competente Charlotte Gainsbourg. A dupla resulta bem, mas também prova que a superlativa química partilhada por Jim Carrey e Kate Winslet não é para todos.

Se no filme anterior o motor da acção era a memória, aqui é o universo dos sonhos, cuja abordagem é inventiva e refrescante nos primeiros minutos mas não consegue aguentar-se perante uma acção elíptica e pouco surpreendente. A alternância entre sequências reais e oníricas é curiosa e faria maravilhas num videoclip, mas a forma como é trabalhada aqui não contém trunfos que sustentem uma hora e meia imune a desequilíbrios.

Nota-se, portanto, a ausência da escrita de Charlie Kaufman, e apesar de “A Ciência dos Sonhos” seguir o template edificado pelo argumentista, Gondry nunca consegue ser mais do que um esforçado, embora irregular imitador. Será injusto, mesmo assim, acusá-lo de oferecer aqui um mau filme, pois se este não deixa de ser uma semi-desilusão ainda contém vários momentos meritórios que compensam as suas falhas.
É pena, contudo, que aquilo que acaba por ser uma brincadeira com alguma piada, candura e excentricidade nunca chegue a aproximar-se do objecto admirável e encantador que “A Ciência dos Sonhos” poderia ter sido. Resta esperar que da próxima Gondry acorde mais inspirado.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

6 comentários:

Flávio disse...

Feliz Natal, Gonçalo!

gonn1000 disse...

Obrigado, para ti também :)

Anónimo disse...

Não gostei nada Gonçalo. Mas não me aptece voltar à mesma dicussão :)

Boas Festas :)

Anónimo disse...

*apetece* :)

gonn1000 disse...

Eu sei, eu sei, vai lá ver os tónisscótes :P (bem, se o "Deja Vu" for tão bom como o "True Love", concordo contigo).

gonn1000 disse...

E obrigado, boas festas ;)