domingo, setembro 30, 2007

10 BLOGUES, 5 FILMES, 1 REALIZADOR

As escolhas e classificações relativas a algumas das estreias de Setembro, organizadas pelo Knoxville - a rentrée cinematográfica não foi forte e nota-se. Votei em branco no melhor filme de Luc Besson uma vez que só vi três - "O Quinto Elemento", "Joana D'Arc" e "Artur e os Minimeus" - e não gostei de nenhum.

sexta-feira, setembro 28, 2007

CRIAÇÃO INDIVIDUAL

“We Can Create” é o primeiro álbum do britânico James Chapman, que assina o seu projecto musical como Maps, resultado de investidas laboratoriais de criação e manipulação de som num computador.
Aliando a sua voz de registo tranquilo a um intrincado novelo de texturas predominantemente electrónicas, desenha aqui um conjunto de canções que aliam experimentalismo a um demarcado apelo melódico, embora o segundo aspecto se sobreponha quase sempre ao primeiro.

Caracterizado por atmosferas doces, sedutoras e luminosas, “We Can Create” consegue um saudável equilíbrio entre minimalismo e grandiosidade, fruto de um design sonoro apurado e preciso, evidenciando que Chapman é um das boas revelações oriundas de domínios brit.
Os temas movem-se entre a dream pop de Maximillian Hecker, o travo shoegaze dos Chapterhouse e o corta-e-cola cenográfico de Four Tet, incorporando ainda uma carga contemplativa próxima das paisagens de Ulrich Schnauss ou da placidez cristalina dos Sigur Rós (cujo produtor, Valgeir Sigurdsson, colaborou no disco).

A construção de ambientes é envolvente e gera belos episódios oníricos como “Elouise” (um dos melhores do ano) ou “You Don’t Know Her Name”, mas percorrendo o álbum parte do encanto que emana dos momentos iniciais acaba por se perder, já que “We Can Create” é mais bonito do que arriscado.

Mesmo não tendo temas fracos, ganharia se apostasse num maior contraste de camadas, acentuando a sujidade das paredes de som que se entrecruzam e, assim, injectando maiores doses de surpresa a uma sucessão de canções demasiado confortáveis, que quando ouvidas de seguida arriscam-se a funcionar enquanto (muito) agradável som de fundo em vez de composições que justificam maior atenção.

Além desta homogeneidade excessiva, também ainda não se acentua aqui uma marca pessoal que distinga muito Maps de outros projectos comparáveis, o que não chega a comprometer, contudo, que “We Can Create” figure entre as boas surpresas de 2007, contendo algumas das pérolas pop mais uplifting e convidativas dos últimos tempos. Uma bela promessa a confirmar.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM


Maps - "It Will Find You"

quinta-feira, setembro 27, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "FAY GRIM"

Chega hoje a salas nacionais o mais recente filme de Hal Hartey, "Fay Grim", que regressa a algumas personagens do recomendável "Henry Fool", de 1997. Desta vez, no centro da acção não está Henry mas a sua ex-esposa, agora mãe solteira que vive com o seu filho adolescente num bairro de Nova Iorque e é envolvida num plano da CIA.
Na altura da ante-estreia por cá, durante o IndieLisboa deste ano, as reacções foram díspares, mas quem aceitar a imprevisibilidade do idiossincrático realizador ou apreciar a bela e talentosa actriz que é Parker Posey não deverá dar o tempo por perdido.

Outras estreias:

"1408", de Mikael Håfström (o realizador de "Cruel")
"Pintar ou Fazer Amor", de Arnaud Larrieu e Jean-Marie Larrieu
"Sem Reserva", de Scott Hicks
"Stardust - O Mistério da Estrela Cadente", de Matthew Vaughn
"Vigilante", de Scott Frank




Trailer
de "Fay Grim"

quarta-feira, setembro 26, 2007

OS VERDES ANOS

Embora só agora se estreie com uma longa-metragem, Jorge Cramez tem já um considerável percurso ligado ao cinema, tendo sido assistente de realização de nomes como João César Monteiro, Fernando Lopes ou Jorge Silva Melo e conte com cinco curtas-metragens assinadas por si.
Esta experiência terá ajudado a que "O Capacete Dourado" exiba claros sinas de maturidade em alguns aspectos, ainda que como um todo este seja um filme que não escapa às fragilidades presentes em muitas primeiras obras.

A mais evidente regista-se no argumento, que se debruça sobre a relação entre dois adolescentes, Jota e Margarida. Ele, rebelde e impulsivo, passa os dias em viagens de mota, escape para um sistema de ensino no qual não se enquadra, não sentindo afinidades nem com os professores nem com os colegas do liceu. Ela, tímida e vulnerável, recém-saída de uma clínica, vive numa redoma edificada pelos pais, que a sufocam com recorrentes conselhos e perguntas. "O Capacete Dourado" segue o elo que vai crescendo entre estes dois outcasts, e que aos poucos vai alterando o seu quotidiano quando ambos encontram alguém em que se podem rever.

Este ponto de partida foi inspirado num caso real, em que um casal de namorados de Guimarães tentou suicidar-se (ainda que só ela o tenha conseguido), como forma de protesto ao antagonismo das suas famílias. Cramez alterou o local da acção, mantendo contudo o ambiente rural - o filme foi filmado em Vila Real - e aos poucos decidiu encaminhar a sua história noutro sentido, mudando sobretudo o desenlace.

O cinema recente tem sido fértil em complexos olhares sobre a adolescência, nomeadamente a facção indie, mas o curioso aqui é que "O Capacete Dourado" segue mais o modelo de exemplos clássicos - como "Fúria de Viver", de Nicholas Ray, uma influência assumida -, e se é interessante ver essa herança adaptada à realidade portuguesa, o realizador não apresenta aqui o golpe de asa que faça desta uma obra marcante.
Há cenas das quais emana uma tridimensionalidade no retrato dos adolescentes poucas vezes vista no cinema nacional, que nos últimos anos só terá paralelo em escassos títulos como "Os Mutantes", de Teresa Villaverde, ou "A Passagem da Noite", de Luís Filipe Rocha. Sequências como a da consola de jogos ou a de snooker são verosímeis, assim como os desempenhos do duo protagonista, Eduardo Frazão e Ana Moreira.

Infelizmente, a actriz adopta mais uma vez o registo que a tem distinguido e que impressionou nesse memorável filme de Villaverde ou no mais recente, "Transe". O seu desempenho não compromete, pelo contrário, mas seria preferível vê-la noutro tipo de personagens que não a de jovem angustiada e contemplativa.

Ainda assim, "O Capacete Dourado" vive mais do elenco jovem - ao qual se acrescenta Alexandre Pinto, também um "mutante" - do que do veterano, pois os actores consagrados pouco têm para fazer além de cameos desnecessários. É o caso de Rita Blanco, Alexandra Lencastre, Teresa Madruga e Maria João Luís, no papel de professoras entregues a diálogos algo forçados no início do filme. Rogério Samora, com mais tempo de antena, não pode fazer muito mais quando tem para interpretar o cliché do pai de família autoritário.

O desenvolvimento da narrativa também raramente se afasta dos lugares-comuns na abordagem aos conflitos geracionais e às dificuldades do crescimento, além de deixar demasiadas pontas soltas e contar com cenas despropositadas - caso daquela que foca uma pensativa mãe de Margarida ao pé da porta.

Até certo ponto, estes desequilíbrios são compensados pelo trabalho de realização de Cramez, capaz de sugerir cenas de um envolvente realismo poético, dominado por uma tensão longe de bucólica, seja pelos movimentos fluídos da câmara ou pela apelativa fotografia. E há episódios que mostram o filme que "O Capacete Dourado" poderia ter sido, como o da festa, vincada por uma forte componente sensorial a partir da eficaz interligação entre imagem e música. A banda-sonora é, de resto, um dos trunfos, cujo eclectismo inclui Echo & the Bunnymen, Strauss, Humanos e Vitalic.

Mais promissor do que convincente, "O Capacete Dourado" tem o mérito de apostar num retrato da adolescência poucas vezes visto no cinema nacional, e ainda que não seja plenamente conseguido deixa algumas provas de talento. Uma delas é o protagonista Eduardo Frazão, cuja segurança demonstrada nesta sua estreia como actor já justifica, por si só, a descoberta do filme.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

segunda-feira, setembro 24, 2007

FUNDO DE CATÁLOGO (3): BOSS HOG

Recuperação do último álbum dos Boss Hog, "Whiteout" (2000), através do single "Get It While You Wait". A canção - tal como o disco - aproximou-se mais da pop electrónica de uns Garbage e Hole (versão "Celebrity Skin") do que da vertente punk e garage dos registos anteriores, mas o carisma da vocalista e mentora do projecto, Cristina Martinez (a estonteante esposa de Jon Spencer), permaneceu inabalável. O álbum, não sendo genial, é daqueles que merecem ser ouvidos de tempos a tempos, mesmo que não esteja ao nível da muito sugestiva capa.


Boss Hog - "Get It While You Wait"

domingo, setembro 23, 2007

DIFERENTES COMO NÓS

Balanço francamente positivo para a 11ª edição do Queer Lisboa, o Festival de Cinema Gay e Lésbico que este ano decorreu no São Jorge entre 14 e 22 de Setembro. Boa organização a suportar uma programação consistente, com propostas interessantes nas longas e curtas-metragens (como a da foto acima, a óptima "Alguma Coisa Assim, do brasileiro Esmir Filho, premiada em Cannes), documentários e a novidade da secção musical, com videoclips comentados por João Lopes e Nuno Galopim.
Talvez por isso esta edição tenha registado mais de 6 mil espectadores, sublinhando a inteligência de um cartaz longe dos estereótipos de uma iconografia sexual ostensiva, maquilhada com plumas e lantejoulas. Sendo a diferença um dos temas clássicos do cinema, é estranho este festival continuar a ser alvo de esquecimento por parte de alguma imprensa e blogosfera, até porque grande parte dos filmes deste ano nem destoariam na programação de um IndieLisboa.

Posto isto, tive pena que o prémio de Melhor Longa Metragem tenha ido para o filme que menos gostei, o fraco "Solange Du Hier Bist", de Stefan Westerwelle, sobretudo quando o brilhante "The Bubble", de Eytan Fox, era um dos concorrentes. Enfim, não se pode concordar com tudo.

sábado, setembro 22, 2007

COMEÇAR DE NOVO

"Un Jour d'Été" é a primeira longa-metragem do francês Franck Guérin, que aqui se centra na reacção de um adolescente à morte do melhor amigo, ocorrida devido à queda de uma baliza num jogo de futebol na pequena localidade rural em que vivem. O filme segue a angústia que toma conta do protagonista após a situação, assim como a forma como a tenta colmatar aproximando-se da mãe do amigo, da qual se torna confidente, ajudando-a a suportar uma perda abrupta.

Guérin constrói aqui um drama sóbrio, contemplativo e minimalista, que aos poucos vai gerando uma considerável carga dramática que vive muito da gestão de olhares e silêncios. Há cenas magnéticas nos momentos de introspecção do protagonista, e o realizador sabe criar uma aliança hipnótica entre som e imagem, para a qual contribui uma banda-sonora instrumental discreta, mas envolvente, de Sebastien Schuller.

Marcado por cenas de beleza assinalável, "Un Jour d'Été" nem sempre conta com uma narrativa tão conseguida, sobretudo na segunda metade, onde Guérin se perde em indecisões quanto ao rumo das suas personagens. Ao tentar funcionar simultaneamente como retrato da adolescência, da perda de alguém próximo, dos constrangimentos das pequenas comunidades ou das fronteiras entre a amizade e o amor, o filme acaba por se tornar demasiado disperso, já que não chega a aprofundar todos.

De qualquer forma, esta é ainda uma obra auspiciosa, e mesmo que o desenlace deixe algumas pontas soltas no argumento "Un Jour d'Été" apresenta um olhar complexo sobre as arbitrariedades da vida, revelando um evidente apuro estético e uma direcção de actores que reforça o realismo das situações. Já é mais do que suficiente para justificar a sua descoberta.


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

Filme apresentado na 11ª edição do Queer Lisboa, que termina hoje no cinema São Jorge

sexta-feira, setembro 21, 2007

UMA HISTÓRIA NO FIM DO MUNDO

Lucas é um rapaz de 15 anos que vive numa pequena localidade da Patagónia, protagonista de uma rotina sem grandes surpresas nem motivações, incapaz de dar resposta ao turbilhão emocional (e hormonal) que o vai dominando durante a adolescência. Com um ambiente familiar conturbado, marcado pelas constantes discussões e reconciliações entre os pais, e com poucas actividades que o entusiasmem, passa a maior parte do tempo em passeios onde ouve música nos headphones e observa episódios do quotidiano.
Entre os analgésicos contra o aborrecimento encontra-se a cumplicidade que vai consolidando com Nacho, o seu carismático melhor amigo, e Andrea, uma tímida vizinha, que o intrigam e fascinam, embora de formas diferentes.

"Glue", estreia na realização do argentino Alexis Dos Santos, segue o percurso deste três amigos, investindo quer nos momentos em que estão juntos, mostrando os seus processos de socialização, quer naqueles em que estão sozinhos, geralmente os mais melancólicos e onde mais se notam as dúvidas e incertezas resultantes de um processo de mudança física e emocional.

Alicerçado numa narrativa que cruza situações do dia-a-dia com outras algo oníricas, comandadas pela narração em off de algumas personagens, o filme é uma boa montra dos dilemas e inquietações que atingem muitos adolescentes, tanto dos que habitam uma cidadezinha no meio de nenhures, como as figuras que foca, como quaisquer outros por todo o lado.

Alexis Dos Santos evidencia aqui traços presentes noutras obras do cinema sul-americano recente que se concentram no mesmo universo, como o emblemático "E a Tua Mãe Também", de Alfonso Cuarón, ou "Temporada de Patos", de Fernando Eimbcke, já que à semelhança destes aposta numa realização de contornos realistas, recorrento à cada vez mais usual câmara-à-mão, a actores não profissionais e a uma atmosfera intimista e lânguida, que se conjuga bem com a alternância entre os estados de inércia e curiosidade dos protagonistas.

Exibe, também, algumas fragilidades naturais numa primeira obra, seja porque contém demasiada palha narrativa, perdendo-se em deambulações de escasso interesse (como a viagem de Lucas com a família, uma das maiores quebras de ritmo), porque por vezes se aproxima tanto das personagens que adopta a ingenuidade destas (caso da narração de Andrea, que confunde sensibilidade com pieguice) ou ainda pelos tremeliques algo forçados da realização, que nem sempre são sinónimo de reforço da verosimilhança das situações.

Mesmo assim o balanço é positivo, pois se há sequências que abusam da monotonia há outras que são pequenos achados de energia e espontaneidade, comprováveis na cena em que Lucas e Nacho brincam com o macaco de peluche, num contagiante momento de antologia. O elenco também salva alguns desequilíbrios, sobretudo o actor principal, Nahuel Perez Biscayart, expressivo como poucos, e que leva a crer que a sua personagem tem muito dele próprio.
Salientam-se ainda alguns momentos vincados por uma hipnótica energia visual, nos tons alaranjados de Verão ao fim da tarde em que parte da acção se desenrola, sedimentando uma considerável carga sensorial que se reflecte também na banda-sonora, ancorada em canções dos Violent Femmes cujas letras gritam o que o protagonista guarda para si.

Obra modesta e simples, "Glue" não tenta ser uma referência nas histórias coming of age mas tem suficientes momentos refrescantes para merecer atenção, traçando um olhar subtil sobre a amizade, a solidão, o crescimento, os códigos sociais ou a sexualidade. Um bom começo, como já vem sendo habitual no cada vez mais fértil cinema sul-americano.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

Filme apresentado na 11ª edição do Queer Lisboa, a decorrer até 22 de Setembro no cinema São Jorge

quinta-feira, setembro 20, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "ULTIMATO"

Depois de "Identidade Desconhecida" e "Supremacia", Matt Damon volta a ser Jason Bourne em "Ultimato" (The Bourne Ultimatum), a terceira parte da saga do espião que tenta descobrir o seu passado.
Paul Greengrass ("Voo 93"), realizador do filme antecessor, assume novamente o cargo, mantendo a sua imagem de marca de planos curtos e ritmo frenético que serve competentemente os propósitos desta história. O resultado, longe de essencial, é um blockbuster que entretém com algumas sequências de facto impressionantes, mesmo que ainda não seja desta que a saga se torna memorável.

Outras estreias:

"Mandela: Meu Prisioneiro, Meu Amigo", de Bille August
"Morte num Funeral", de Frank Oz
"O Capacete Dourado", de Jorge Cramez
"Super Baldas", de Greg Mottola



Trailer de "Ultimato"

TRADIÇÃO É TRADIÇÃO (?)

Recentemente, filmes como "O Paraíso, Agora!", de Hany Abu-Assad, "Munique", de Steven Spielberg, ou "Close to Home", de Vidi Bilu e Dalia Hager, têm proporcionado acutilantes olhares sobre o conflito israelo-palestiniano, contando boas histórias sem que as suas personagens sejam reduzidas a bandeiras de um qualquer posicionamento político.
"The Bubble" (Buah, Ha-), do israelita Eytan Fox, é mais um entusiasmante exemplo a juntar a estes títulos recomendáveis, incidindo no relacionamento entre dois rapazes de nacionalidades diferentes, e neste caso antagónicas.

Noam, um pacato empregado de uma loja de discos de Telavive, conhece o palestiniano Ashraf durante a sua última missão como soldado dos checkpoints fronteiriços, acabando por colaborar com este no auxílio a uma mulher que entra em trabalho de parto. Após esta situação fugaz, voltam a encontrar-se quando Ashraf vai a casa de Noam devolver-lhe documentos perdidos, e a partir daí iniciam uma relação que, apesar da crescente cumplicidade, não consegue ficar incólume face à conjuntura política e cultural que a envolve.

Se Ashraf vive pressionado pelo peso das tradições e obrigações familiares, assim como pelo da ocupação israelita, Noam tem um dia-a-dia bem distinto em Telavive, podendo optar por um estilo de vida mais liberal e cosmopolita, situação partilhada pelo seu grupo de amigos (daí o título do filme, que se refere à "bolha" protectora em que vivem os habitantes da capital israelita, praticamente imunes aos conflitos que a cercam).

Contudo, o facto de se viver um quotidiano relativamente seguro não implica que se seja a favor dos confrontos nos arredores da região, o que leva a que Noam e os seus dois colegas de apartamento - a persistente Lulu, que trabalha numa loja de perfumes, e Yali, empregado de um café in - se manifestem contra a ocupação da Palestina.
Entre entregas de folhetos ou raves na praia, os seus protestos não geram muita adesão, e a consideravel ingenuidade com que os implementam poderá criar reservas nos espectadores mais cínicos, à semelhança do que ocorreu com "Os Edukadores", de Hans Weingartner, onde outro grupo de jovens se revoltava contra o estado das coisas. Essa ingenuidade tende, no entanto, a dissipar-se à medida que os protagonistas vão sentindo na pele os efeitos das ameaças que criticam, sobretudo quando Ashraf se depara com uma situação sufocante da qual não sabe como escapar.

Ao longo de duas horas, Eytan Fox vai edificando uma narrativa que sabe aliar tensão dramática a um irresistível sentido de humor, recorrendo a ambas para oferecer um retrato absorvente e multifacetado da juventude israelita e palestiniana. Incialmente ligeiro, o filme ganha um tom mais denso e amargurado à medida que o par central sofre os entraves do fosso político que os afasta, e onde as utopias em que acreditaram durante anos não chegam para solucionar o cru e claustrofóbico ataque de realidade de que são alvo.

Mas "The Bubble" não vive apenas da abordagem ao conflito israelo-árabe, aliás o seu trunfo é ser capaz de o integrar numa história sobre os momentos altos e as dificuldades das relações humanas, independentemente de sexos ou etnias. Por isso, entre momentos desencantados há outros que são autênticas e contagiantes odes ao amor e à amizade, que o filme tem a capacidade de apresentar com uma invejável sensibilidade e verosimilhança.

O mérito divide-se pelo argumento bem carpinteirado, capaz de enveredar por atmosferas díspares sem perder o tom, pelo excelente elenco de jovens actores, todos credíveis e vibrantes nos seus papéis, ou pela realização fluída de Fox, atenta aos pormenores. A importância da cultura pop na construção das personagens é outro elemento-chave que acentua o realismo deste retrato, devidamente traduzido numa banda-sonora ecléctica que inclui canções dos Nada Surf, Le Tigre, Keren Ann, Belle & Sebastian ou Ivry Lider (cantautor israelita que aqui faz covers de temas de George Gershwin ou Tim Buckley).
Coeso e convincente em todos os aspectos, este é um dos grandes filmes do ano, e deixa forte curiosidade em relação à obra anterior de Eytan Fox, que antes desta assinou já três longas-metragens. Se estiverem ao mesmo nível, não são menos do que indispensáveis.

E O VEREDICTO É: 4,5/5 - MUITO BOM

Filme apresentado na 11ª edição do festival Queer Lisboa, a decorrer até 22 de Setembro no cinema São Jorge

terça-feira, setembro 18, 2007

BARALHAR E VOLTAR A DAR

Já estiveram por cá várias vezes, mas ainda não parecem prejudicados pelas visitas regulares, pois mesmo assim os britânicos Massive Attack fizeram com que o Coliseu de Lisboa tenha concentrado ontem uns quantos milhares, que preencheram quase todos os cantos da sala.

Ainda no ano passado actuaram no festival Hype@Tejo, e apesar de nem aí nem na noite de ontem terem apresentado inéditos - nada se conheceu, portanto, de "Weather Underground", o novo álbum com edição prevista para este ano - também não deixaram de oferecer um espectáculo seguro e satisfatório.

O grupo de Bristol, agora um duo reduzido a 3D (Robert Del Naja) e Daddy G - com colaborações ocasionais -, não exibiu as doses de surpresa e brilhantismo que o tornaram numa das referências máximas da música pop (em sentido muito lato) da década de 90, já que o concerto contou quase sempre com grandes canções mas servidas sem grande garra, evidenciando uma postura algo acomodada.

O alinhamento não se desviou muito dos temas de "Collected", o best of editado no ano passado, e dos quatro álbuns de originais o mais explorado foi "Mezzanine", a notável obra-prima com que o grupo se reinventou em 1998, adicionando a visceralidade das guitarras à matriz sonora gerada no marcante "Blue Lines", de 1991.
Ironicamente, foi a presença destas que levou a que o espectáculo de ontem nem sempre tivesse o fulgor que se esperava, uma vez que, ao as adicionar a canções que não recorriam a elas originalmente, a banda perdeu-se em alguns devaneios cansativos e redundantes, acrescentando rudeza e distorção a temas que deveriam ter mantido a placidez electrónica (como em "Future Proof" ou no final de "Safe From Harm").

De "Mezzanine" o concerto resgatou também uma das suas vocalistas, Liz Fraser, a musa que deu voz aos Cocteau Twins e que ontem interpretou os dois temas que assinou com os Massive Attack: "Teardrop" e "Group Four". A primeira é uma das mais belas e emblemáticas canções da banda, embora ao vivo não tenha despertado grande entusiasmo, sobretudo pela fraca forma vocal de Fraser, ali muito longe da magia do original. A sua presença resultou bem melhor no duo com 3D em "Group Four", tema que fechou a noite e um dos poucos que se aproximou da excelência, principalmente na sequência instrumental em crescendo com desconcertantes explosões de bateria e guitarra (que, aí sim, fez sentido).

Os últimos vinte minutos foram, de resto, os melhores, e incluíram ainda o inebriante "Inertia Creeps", onde os sons de Istambul se cruzaram com o trip-hop, e o indispensável "Unfinished Simpathy", numa versão ligeiramente mais soul induzida pela óptima interpretação de Deborah Miller (também em alta em "Safe From Harm").

Outro dos convidados da noite foi o já habitual Horace Andy, que participou em todos os discos do grupo, sendo quase sempre solicitado para temas condizentes com as suas raízes reggae e dub. Foi o caso de "Hymn of the Big Wheel" ou "Angel", dois dos momentos mais aplaudidos, e é pena que o não menos obrigatório "Man Next Door" não tenha sido contemplado no alinhamento.

Embora tenha contado com demasiados episódios mornos, o espectáculo de ontem provou que os Massive Attack são, ainda assim, capazes de oferecer uma actuação acima da média, para a qual contribuiu a elaborada e sedutora vertente cenográfica, com um sofisticado trabalho de iluminação (cujos tons se moldaram às atmosferas de cada canção) e curiosos placards electrónicos (que divulgaram várias informações sobre Lisboa, antes da entrada do grupo em palco, ou sobre a guerra do Iraque, já a meio do concerto, dando continuidade à subtil atitude política que sempre emanou do projecto). Poderão não exercer o fascínio de outros tempos, mas se em vez de geniais se apresentarem, pelo menos, sempre competentes, valerá a pena voltar a acolhê-los por cá.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

segunda-feira, setembro 17, 2007

UMA CASA, SEIS VIDAS

Quando “A Casa de Alice” se aproxima do final, há uma cena em que uma colega da protagonista lhe diz que o seu caso extra-conjugal parece “coisa de novela”. E infelizmente, o espectador será tentado a concordar, já que no último terço o argumento do filme, até aí subtil, coerente e interessante, começa a perder o fôlego e tropeça em obstáculos que traem o equilíbrio da narrativa.

É pena, tendo em conta que este retrato do quotidiano de uma família da classe média-baixa de São Paulo arranca com uma vibração emocional assinalável, conseguindo definir ambientes e personagens em sequências de onde emana um impressionante realismo, a evidenciar a experiência no cinema documental do realizador Chico Teixeira, que aqui se estreia nas longas-metragens.

Alice, uma manicure de quarenta anos, é a figura que vai impedindo a desagregação familiar, sendo paciente com os três filhos, todos rapazes; cuidadosa com a mãe, ameaçada por ocasionais ataques de cegueira; e tolerante q.b. com a recorrente infidelidade do marido, um taxista que raramente está em casa. Ou pelo menos assim é até ao dia em que a pressão a afoga num desespero que pede uma alternativa minimamente aceitável, no caso o reencontro com um ex-namorado agora casado com a sua melhor cliente.

“A Casa de Alice” cativa pela atmosfera de tensão camuflada que vai implementando desde as primeiras cenas, intrigando à medida que os segredos dos elementos da família vão sendo descobertos mas deixando um travo de esperança na atitude obstinada e altruísta da protagonista. No entanto, quando Alice falha, o mesmo acontece ao filme, que no último terço se vai desfazendo e anulando qualquer tentativa de identificação com as personagens – exceptuando a da avó, vítima das circunstâncias -, sobretudo com a principal, que fica irreconhecível numa mudança de direcção pouco verosímil.

Prejudicado por um desenlace excessivamente pessimista e mal explorado, “A Casa de Alice” vale contudo pelas fortes qualidades presentes na direcção de actores (Carla Ribas no papel principal é especialmente brilhante), cuja espontaneidade reforça a carga verista de uma realização com tempo para mostrar a tensão que ressalta dos frequentes close-ups. O mesmo pode dizer-se dos diálogos, quase todos improvisados, que oferecem uma segura mistura de humor e crueza, e que só deixam a impressão de que Chico Teixeira é capaz de muito melhor, desde que no próximo filme se apoie num argumento consistente até ao final.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

Filme apresentado na 11ª edição do festival Queer Lisboa, a decorrer até 22 de Setembro no cinema São Jorge

domingo, setembro 16, 2007

FUNDO DE CATÁLOGO (2): LEFTFIELD

Flashback até 1995 para recordar um dos melhores discos da década passada, "Leftism", o primeiro dos britânicos Paul Daley e Neil Barnes, mais conhecidos como Leftfield. Misto de techno, dub, house e ambient, ajudou a definir o som de uma era e a levar a música de dança a novos públicos, algo menos conseguido no desapontante sucessor, "Rhythm and Stealth" (1999).
Canções como "Release the Pressure", "Black Flute" ou "Original" tornaram-se marcos e a presença convidados especiais, como Toni Halliday (dos Curve), só ajudou. Outro nome de peso que participou no álbum foi o ex-vocalista dos Sex Pistols, John Lydon, neste clássico chamado "Open Up":



Leftfield - "Open Up"

sexta-feira, setembro 14, 2007

LGBT NO GRANDE ECRÃ

Imagens das curtas-metragens 'Tears of the Goddess', de Wang Huiyue (em cima), e 'Kompisar - Flatmates', de Magnus Mork (em baixo)

Os festivais de Verão podem ter acabado, mas não implica que não haja outros a começar na rentrée, nomeadamente no que ao cinema diz respeito. Na semana passada foi o MOTELx, nesta é o Queer Lisboa, o Festival de Cinema Gay e Lésbico, que inicia hoje a sua 11ª edição.
Desta vez as sessões não decorrem no cinema Quarteto mas no São Jorge, cujas três salas irão acolher uma programação que se divide em curtas e longas-metragens, documentários, videoclips (na nova secção Queer Pop) ou debates.
A sessão de abertura é esta noite, pelas 21h30m, e contempla o filme "A Casa de Alice", do brasileiro Chico Teixeira, sendo seguida pela festa de inauguração, também no São Jorge, com DJ set de Nuno Galopim.

Até dia 22, ao longo da tarde e à noite, há muito para ver por lá, e está tudo bem apresentado no site e blog do festival. Como aperitivo fica aqui "Michael", dos Franz Ferdinand, um dos videoclips integrados na secção Queer Pop:

quinta-feira, setembro 13, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "MALA NOCHE"

Antes de "Disposta a Tudo", "Elephant" ou "Last Days - Os Últimos Dias" houve, entre outros, "Mala Noche", a primeira obra de Gus Van Sant, datada de 1985, que agora pode ser vista nas salas nacionais.
Rodado a preto e branco, o filme baseia-se num livro de Walt Curtis e foca a relação de um jovem lojista norte-americano com um imigrante mexicano ilegal, onde o segundo não cede às investidas amorosas do primeiro. Expondo já o carácter experimental que o realizador desenvolveria em parte da sua filmografia, exibe desequilíbrios naturais num trabalho de estreia mas, ainda assim, merece ser (re)descoberto.

Outras estreias:

"2 Dias em Paris", de Julie Delpy
"Duelo Imortal: A Animação", de Yoshiaki Kawajiri
"Duelo Imortal: A Origem", de Brett Leonard
"Em Nossa Casa", de Francesca Comencini
"O Gang do Pi", de Howard E. Baker e John Fox
"O Sabor da Melancia", de Tsai Ming-liang + "China China", de João Pedro Rodrigues
"Um Coração Poderoso", de Michael Winterbottom




Trailer de "Mala Noche"

quarta-feira, setembro 12, 2007

ACORDAR PARA A VIDA

Conhecido sobretudo pela sua carreira como actor, Steve Buscemi tem desenvolvido também um percurso como realizador, contando já com três filmes assinados por si: "Trees Lounge" (1996), "Animal Factory" (2000) e "Lonesome Jim" (2005).
Este último é um pequeno drama ancorado no regresso do protagonista à casa dos pais, no interior dos EUA, após ter vivido algum tempo em Nova Iorque, cidade onde trabalhou... a passear cães. A ambição de Jim era, no entanto, bem distinta, uma vez que sempre desejou tornar-se escritor, mas os repetidos falhanços para que tal se concretize levaram-no a mergulhar num estado onde a depressão se mistura com a apatia, destruíndo praticamente quaisquer traços de esperança.

A situação fica ainda pior quando o seu desespero encoraja o seu irmão a tentar suicidar-se, obrigando-o a substituí-lo no trabalho, na fábrica dos pais, e como treinador de uma equipa de basquetebol infantil feminina.
Praticamente sem forma de escapar a um crescente estatuto de loser, Jim encontra na discreta Anika alguém com quem partilha momentos que lhe oferecem algum optimismo, numa cumplicidade que nasce num one night stand e que se vai intensificando.

"Lonesome Jim", tanto pelos temas como pela componente formal, não esconde ser um típico exemplo do cinema independente norte-americano, investindo em áreas como o isolamento, a entrada na idade adulta ou a disfunção familiar e sendo um filme de orçamento modesto e realização sem grandes sinais de ruptura ou originalidade.
A novidade não mora aqui, já que o que Buscemi oferece foi feito por outros e muitas vezes melhor - "Garden State", de Zach Braff, ou "A Estação", de Thomas McCarthy, são apenas dois parentes próximos -, embora também seja verdade que essa simplicidade joga a seu favor e não o impede de cumprir os seus objectivos.

Buscemi gera aqui um drama árido, desencantado e lacónico, ainda que felizmente recuse cair no abismo emocional, temperando um quotidiano pouco auspicioso com salutares erupções de humor seco, mas eficaz. Sem estes momentos, a atmosfera do filme podia tornar-se irrespirável, e se nas sequências iniciais "Lonesome Jim" nem é particularmente cativante, aos poucos vai envolvendo e revelando a sua considerável subtileza na análise dos comportamentos, conquistando através de alguns diálogos inspirados e de uma carga dramática que ganha maior consistência na segunda metade.

Casey Affleck compõe um protagonista convincente, numa eficaz conjugação de indiferença, desânimo e vulnerabilidade expressa num olhar com tanto de magoado como de inocente. Liv Tyler tem também um bom desempenho, conseguindo irradiar a aura luminosa que a sua personagem requer, e Mary Kay Place é uma credível mãe extremosa.

"Lonesome Jim" não faz de Buscemi um realizador visionário ou imprescindível mas é um palpável e genuíno retrato do crescimento e das questões que afectam muitos jovens adultos, e a ressonância emocional que despoleta (embora a custo) compensa largamente a diminuta carga inventiva. Uma boa proposta indie que merece, pelo menos, um visionamento.


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

terça-feira, setembro 11, 2007

FUNDO DE CATÁLOGO: LUSH

Já que o shoegaze está cada vez mais na ordem do dia, devidamente recuperado por nomes como Maps, Film School, Asobi Seksu ou Relay, nada como voltar atrás uns anos e recordar uma das bandas que ajudou a implementar o género.
Depois das muralhas de distorção de "Spooky" (1992) e "Split" (1994), os Lush adoptaram, no seu terceiro e último disco, "Lovelife" (1996), um som consideravelmente mais directo, menos My Bloody Valentine e mais Elastica, sem no entanto se descaracterizarem. Foi com esse álbum que os conheci, por isso aqui fica "Ladykillers", um dos singles daí retirados e dos mais bem sucedidos do marcante quarteto londrino.



Lush - "Ladykillers"

BLINKS & LINKS (64)

sábado, setembro 08, 2007

VAMPIROS COM SANGUE NOVO

O mexicano Guillermo del Toro tem sabido sedimentar um percurso capaz de alternar entre títulos ligados aos estúdios de Hollywood – “Mimic”, “Hellboy” – e produções espanholas de cariz mais autoral – “Nas Costas do Diabo”, “O Labirinto do Fauno” - sem nunca deixar de projectar em cada um deles, de forma mais ou menos pronunciada, um estilo próprio que se vai tornando cada vez mais reconhecível e apurado.

“Blade II” (2002), a sua terceira longa-metragem, não é excepção, pois apesar do realizador dar aqui continuidade a uma saga iniciada por Stephen Norrington (em “Blade”, de 1998), consegue injectar-lhe uma vitalidade, energia e atmosfera que só a espaços se encontravam no primeiro episódio, este pouco mais do que sequências de combate com algumas boas ideias visuais.
A sequela não deixa de viver muito desses dois elementos, mas não só os desenvolve com maior consistência como dá à saga um universo singular e inventivo, redefinindo as histórias de vampiros para o novo milénio, algo a que o seu antecessor almejou sem grandes resultados.

Del Toro constrói aqui uma visão aliciante de um submundo vampiresco nas suas mais diversas variantes, dos puros aos híbridos, cujo equilíbrio é ameaçado quando surge uma raça mais avançada, perigosa, resistente e, sobretudo, com um maior apetite, cuja ementa inclui não só sangue de humanos mas também de vampiros. A rápida propagação desta nova espécie obriga a que tenham que se formar alianças improváveis, no caso entre Blade, caçador de vampiros apesar de conter também genes destes, e os seus inimigos bebedores de sangue, que lhe propõem uma parceria destinada a evitar uma carnificina superior à sua.

Este ponto de partida promete sumarentas (aliás, sanguinolentas) sequências de violência destravada, objectivo que “Blade II” atinge várias vezes e com invejável eficácia, disparando doses cavalares de adrenalina em cenas de acção muito bem coreografadas. É certo que a sua pertinência poderá ser discutível para a narrativa (como aquela em que o protagonista luta com os seus futuros aliados, que invadem o seu armazém), mas se ninguém vier aqui à procura de um filme cujo maior trunfo é o argumento, Del Toro compensa esta descarga ocasionalmente gratuita e mecânica com uma plasticidade que vai da estupenda fotografia de Gabriel Berinstain – determinante para a densidade dos ambientes urbanos, com sedutores azuis metálicos e esverdeados sépia – à carga magnética dos décors, tornando Praga num cenário urbano apropriadamente opressivo, soturno e sinuoso.
A minúcia estética contamina tudo, da sofisticação hi-tech dos gadjets usados pelas personagens ao guarda-roupa, com cabedal e coolness sugados à saga “Matrix” e à imagética techno-industrial (cuja música, intercalada com algum hip-hop, dinamita o filme do início ao fim e atinge o auge na estonteante rave de vampiros).

Além de uma explosiva aula de estilo, “Blade II” é um título que cativa pela boa gestão do suspense, algum terror e humor e até mesmo um amargurado romantismo, que não estando tão presente como os episódios de combate acelerado acrescenta um interessante fulgor dramático (infelizmente, não o suficiente para que as inquietações das personagens sejam tão memoráveis como os ambientes que percorrem, mesmo que a relação de Blade com Nyssa, uma das suas novas aliadas, tenha os seus momentos).

Dominado por hipnóticos borrões de cor, um ritmo alucinante e fartas doses de gore, o filme é uma experiência sensorial tão excessiva quanto divertida, e mais não se poderia pedir a uma adaptação de um (anti-)herói dos comics com estes contornos, sendo de resto uma das mais estimulantes inspiradas no universo Marvel (e também das mais distantes da matriz da BD original, o que aqui só resulta a seu favor). Não será um filme para toda a gente, mas quem for apreciador destas iguarias tem aqui uma bem confeccionada e, claro, condimentada com muito molho.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

sexta-feira, setembro 07, 2007

SUAVIDADE NÓRDICA

Embora os Röyksopp e os Kings of Convenience tenham sido os principais responsáveis pela difusão da nova pop oriunda de solo norueguês no início da década, coube aos conterrâneos e menos mediáticos Flunk a autoria de alguns dos álbuns mais interessantes aí revelados, caso do registo de estreia, “For Sleepyheads Only” (2002), e do seu sucessor, “Morning Star” (2004).

Assente na voz envolvente e por vezes encantatória de Anja Øyen Vister, a música do grupo percorreu aí domínios reminiscentes do trip-hop, aceitando cruzamentos com a dream pop e com uma escrita de canções herdada da tradição folk, elemento reforçado no segundo disco.

Em “Personal Stereo”, o terceiro álbum de originais, a sonoridade da banda permanece quase intacta, não acolhendo novas influências e evidenciando que, para além da menor carga electrónica que cede agora mais espaço à guitarra acústica, pouco mudou.
A considerável estagnação não leva a que o disco resulte numa desilusão, já que o apelo da maior parte das suas canções é ainda significativo, mas torna-o num registo menos estimulante e diversificado do que os antecessores, mostrando uns Flunk demasiado iguais a si próprios.

Não falta sequer a já habitual versão de um hit dos anos 80, desta vez “See You”, dos Depeche Mode, que é alvo da mesma receita plácida e minimalista que surpreendeu nas releituras de “Blue Monday” e “True Faith”, dos New Order, nos álbuns anteriores, e que aqui é já feita em piloto-automático, caindo no comodismo e mediania de uns Nouvelle Vague.

O recurso a canções de terceiros repete-se no mais apelativo tema-título, cuja letra evoca a de “The One I Love”, dos R.E.M., ainda que integrada numa atmosfera etérea e serena que já se tornou na linguagem de marca dos Flunk. Em “Personal Stereo” o grupo encontra-se mesmo mais apaziguado do que nunca, sendo raros os momentos de aceleração rítmica - o nebuloso e sedutor “Keep On” e o mais luminoso “Two Icicles” são os únicos que se aproximam de domínios minimamente dançáveis.

Com tanto de reluzente como de melancólico, os temas não arrebatam por uma carga criativa notável mas conseguem ser cativantes e contornar quase sempre a monotonia, seja no romantismo enigmático de “If We Kiss”, na agradável canção de embalar “Heavenly”, na hipnótica “Diet of Water and Love” ou no belo momento pop que é “Sit Down”, onde a voz de Anja divide o protagonismo com a de Ulf Nygaard, o programador da banda (a inspiração falha, apesar de tudo, na redundante “Change My Ways”).

“Personal Stereo” não é então daqueles discos que saciará melómanos obcecados pela última novidade, contudo quem procurar um conjunto de canções electroacústicas intimistas e acolhedoras encontra aqui uma proposta consistente de um grupo que, ao contrário de outras referências comparáveis – Zero 7, Imogen Heap, Blue States, Sia ou Thievery Corporation –, continua recomendável e por vezes irresistível.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

quinta-feira, setembro 06, 2007

ESTREIA DA SEMANA: MOTELx

'Homecoming', de Joe Dante (em cima) e 'Imprint', de Takashi Miike (em baixo)

Esta semana, o destaque vai não para um filme mas para um festival, mais concretamente para o primeiro Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, MOTELx. A decorrer no cinema São Jorge até domingo, apresenta um cartaz que inclui uma revisitação da filmografia de Guillermo Del Toro, uma mostra do ícone do cinema trash brasileiro Ivan Cardoso, uma secção dedicada a documentários, outra a curtas-metragens e ainda um olhar sobre algumas novas obras.

O maior motivo de interesse talvez seja, contudo, a exibição (inédita em Portugal) de "Masters of Horror", série idealizada por Mick Garris, realizador que convidou outros a criarem episódios de cerca de uma hora tendo o terror como ponto de partida. John Carpenter, Takashi Miike, Dario Argento ou Joe Dante foram alguns dos nomes que aderiram e cujo resultado poderá ser visto, agora, no grande ecrã. Com estes pesos-pesados, parece que a programação, felizmente, está longe de meter medo. Mais informações no site oficial.



Trailer de "O Labirinto do Fauno", de Guillermo del Toro

quarta-feira, setembro 05, 2007

UMA PEQUENA VINGANÇA

“Alpha Dog” é assinado por Nick Cassavetes, realizador que até aqui tem dado mais nas vistas por ser filho de quem é – John Cassavetes – do que propriamente pelo interesse que as suas obras têm gerado – de “John Q.” a “Diário da Nossa Paixão”, o seu currículo não inclui nada muito auspicioso. Ou não incluía, porque com este filme (o seu quinto) demonstra uma consistência e vitalidade assinaláveis, pegando numa situação verídica – o do rapto de um adolescente por jovens traficantes de droga que pretendem vingar-se do seu irmão – e trabalhando-o de uma forma que consegue conciliar eficazmente realidade e ficção.

Apoiando-se nos moldes do documentário, nas cenas em que inclui entrevistas encenadas às testemunhas do caso, e assumindo-se enquanto exercício ficcional quando segue o percurso dos protagonistas – contendo, contudo, vários paralelos com os factos ocorridos -, “Alpha Dog” apresenta uma história que, não sendo inédita, é bem desenvolvida. A temática de jovens dos subúrbios norte-americanos que entram em episódios conturbados, quer sejam movidos pelo tédio ou pela inexistência de elos com os pais, está longe de ser uma novidade, mas ainda prova ser um terreno fértil, pelo menos aqui.

O relativamente recente “Bully – Estranhas Amizades” (2001), de Larry Clark, já tinha evidenciado que a linha entre o aborrecimento, a irresponsabilidade e o crime pode ser ténue, e inicialmente as personagens de “Alpha Dog” até podiam habitar esse filme: vivem rodeados de droga, álcool e sexo, não parecem ter objectivos além de viverem o prazer imediato e enveredam por uma via cada vez mais desregrada.
No entanto, aos poucos Cassavetes insere variações que afastam a sua película de um sucedâneo fácil, não só pela abordagem em modo docudrama mas pela densidade que vai preenchendo estas figuras aparentemente caricaturais à medida que o ambiente festivo ameaça tornar-se trágico.

Quando o pequeno gang de jovens ricos e pseudo-gangsters dos subúrbios de Los Angeles é forçado a lidar com as consequências dos seus actos, “Alpha Dog” tira-lhes o tapete de debaixo dos pés e deixa-os à deriva, estado onde sempre se encontram contudo nunca de forma tão vulnerável e desprotegida. Mais complexas do que as do filme de Clark, as personagens de Cassavetes não se resumem ao egocentrismo e arrogância que lhes molda a superfície, ainda que tenham um preço a pagar caso optem por outro tipo de atitudes, inquietação que origina alguns dos maiores picos dramáticos do filme.

Felizmente, desta vez o dramatismo é controlado e não manipulador e pegajoso como em alguns trabalhos anteriores do realizador, qualidade que vale a pena assinalar, sobretudo porque o rumo dos acontecimentos era frutífero para o surgimento de rodriguinhos.
Longe disso, “Alpha Dog” norteia-se por um registo suficientemente seco, mérito de Cassavetes e do excelente elenco que escolheu, autêntico who’s who de novos talentos de Hollywood como Emile Hirsh (que não desilude num papel distinto dos que tem assegurado), Ben Foster (óptimo numa personagem à beira da explosão), Anton Yelchin (comovente no retrato de um adolescente raptado mas em êxtase com os ritos de passagem) ou mesmo Justin Timberlake (na pele de um dos protagonistas mais interessantes e, admita-se, com um desempenho à altura, conjugando austeridade e fragilidade).

A “velha guarda” marca presença em papéis secundários interpretados com solidez, e se Bruce Willis e Harry Dean Stanton não têm muitas oportunidades para mostrarem o que valem, Sharon Stone compensa esse escasso tempo de antena com uma das cenas mais pungentes, já perto do final. É pena que depois desta “Alpha Dog” se prolongue desnecessariamente, investindo em episódios algo irrelevantes e previsíveis que reduzem o impacto de sequências anteriores, que deveriam ter sido as derradeiras.
Mas mesmo que Cassavetes não saiba quando terminar o filme, este é ainda uma obra acima da média, um drama complexo e verosímil que - situação que até aqui ainda não se tinha registado - deixa alguma expectativa em relação a futuros trabalhos do realizador.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

domingo, setembro 02, 2007

D.A.N.C.E. E NOISE À FRANCESA

E de repente, após revolucionar o universo da música de dança em meados dos anos 90, França volta a fazer uma forte investida no mapa sonoro actual através de lançamentos de vários novos nomes, a fazer lembrar a entrada em cena de referências agora respeitadas como, entre tantos outros, Alex Gopher, Saint Germain, Air ou Daft Punk.
A influência destes últimos é particularmente evidente em muitos dos novos projectos em ascensão, em especial nos da editora Ed Banger, liderada por Pedro Winter (AKA Busy P), curiosamente – ou nem tanto – o manager da emblemática dupla que lançou portentos como “Around the World” ou “One More Time”.

Xavier de Rosnay e Gaspard Auge, o duo que responde pelo nome Justice, não esconde a determinante herança Daft Punk no seu disco de estreia, “Cross”, pegando na sua amálgama house, funk e noise e triturando-a ao longo de um álbum que abraça outros géneros de forma mais ou menos óbvia, com destaque para o estranho híbrido entre uma reforçada carga disco e flirts de reminiscências metal (mais pela carga austera e crua das canções e na peculiar iconografia do projecto do que pelas sonoridades em si).

Apoiado numa produção tão minuciosa quanto rugosa, dado o estratégico emergir de distorções por entre eficazes batidas, “Cross” apresenta uma série de faixas intrigantes e sombrias, ainda que incitem sempre à pulsão dos corpos e estejam prontas a dinamitar uma pista de dança de gosto ecléctico.
A blogosfera ajudou a espalhar o culto em torno do duo e, no meio da recepção crítica de que o álbum tem sido alvo, há quem o proclame como o “Homework” desta década, epíteto exagerado para uma estreia que, tendo os seus méritos, não terá menos limitações. É verdade que os Justice arrancam aqui alguns bons temas alicerçados numa consistente mescla de referências, que a sua sonoridade que primeiro se estranha e depois se entranha traz alguma frescura ao universo da música de dança, estabelecendo interessantes aproximações a uma linguagem rock, contudo se parte das faixas até resultam bem individualmente torna-se cansativo ouvir o disco na íntegra.

A maioria das canções de “Cross” são instrumentais que assentam quase sempre nos mesmos modelos, apostando em estruturas que geram curiosidade nos momentos iniciais, como “Genesis” ou “Let There Be Light”, mas que em “Waters of Nazareth” ou “One Minute to Midnight” têm já um desagradável sabor a mais do mesmo, afogando-se numa redundância de ruídos que cedo passam de empolgantes a fastidiosos.

Por vezes emergem variações entusiasmantes, como no apropriadamente intitulado “Stress”, onde se sai do clima de festa ensurdecedora para cair no meio de um sufocante filme de suspense, ou em “Phantom” e ”Phantom pt. II”, episódios com uma receita disco noise mais apurada.
É pena que a inspiração destes momentos não se mantenha nas canções que recorrem a vozes, caso de “Ththhee Ppaarrttyy”, uma pouco arriscada colaboração com a colega de editora Uffie, da igualmente inconsequente “DVNO” ou do single “D.A.N.C.E.”, canção que destoa no álbum dada a considerável carga poppy, e mesmo tendo a graça de soar a uns Jackson Five da era digital esgota-se ao fim de quatro ou cinco audições (a menos que devidamente acompanhada do respectivo videoclip, bem mais apelativo).

Sendo uma estreia promissora, “Cross” é demasiado desequilibrado para colocar os Justice como os novos heróis do french touch, até porque o catálogo da Ed Banger Records inclui discos mais recomendáveis – como “Lucky Boy”, de DJ Mehdi – e as mesmas coordenadas já foram revistas de forma superior em “Destroy Rock & Roll”, de Mylo, com maior diversidade e carga lúdica. Mesmo assim, quando acerta a dupla revela um savoir faire que sugere que daqui poderão ainda surgir resultados à altura do hype, pelo que convém continuar a segui-la nos próximos tempos - mas sem histerias precipitadas.

E O VEREDICTO É:
2,5/5 - RAZOÁVEL



Justice - "D.A.N.C.E. (MSTRKRFT Remix)"

sábado, setembro 01, 2007

MARGEM SUL PÓUA!

A doninha não falha... Mais uma vez, os Da Weasel provaram que são uma das melhores bandas nacionais ao vivo, no concerto desta sexta das festas de Corroios. Além de um lote de boas canções, têm a seu favor a capacidade de saberem como passar a festa do palco para o público, dominando-o como poucos - o que não é tarefa fácil, sobretudo neste caso onde havia "pretos, brancos, amarelos e azuis", como referiu PacMan, e um considerável cruzamento de gerações.
E manter a coerência estética ao longo de vários discos num país onde o entretenimento mainstream nacional está, cada vez mais, infestado com floribellas e morangos, é um esforço que merece ser aplaudido. Ainda não ouvi o álbum mais recente - nem foi aqui que fiquei a conhecer muito, já que o alinhamento incidiu mais no anterior "Re-Definições" - mas dispensava o single "Dialectos de Ternura", embora este tenha sido um mal menor de uma actuação inspirada. O tema do vídeo abaixo, outro single de "Amor, Escárnio e Maldizer", foi um dos momentos fortes:




Da Weasel - "Mundos Mudos"