terça-feira, janeiro 16, 2007

O MUNDO AO CONTRÁRIO

Depois de uma vibrante primeira-obra, "Amor Cão", e de uma segura prova de talento com "21 Gramas", o mexicano Alejandro González Iñárritu oferece em "Babel" o seu terceiro tomo sobre a trilogia da dor, uma obra que, à semelhança das anteriores, entrecruza várias histórias e personagens para compor um retrato assente na solidão e na incomunicabilidade dominantes nas sociedades contemporâneas.

A narrativa, mais uma vez baseada numa estrutura em mosaico - resgatada há anos por "Magnolia", de Paul Thomas Anderson, e desde então reutilizada em outros "filmes de prestígio" como "Colisão", de Paul Haggis, ou "Syriana", de Stephen Gaghan - desdobra-se por vários continentes, e se nos títulos anteriores Iñárritu usou um acidente de automóvel como elemento despoletador da acção, aqui tudo se desenvolve a partir de um tiro disparado contra uma turista norte-americana, em Marrocos, por duas crianças locais, no seguimento de uma mera brincadeira.

"Babel" é o mais ambicioso filme do realizador, o que em certos momentos resulta bem, quando consegue de facto tornar-se numa obra desafiante, e noutros nem por isso, pois também não são raras as cenas em que o excesso de pretensão leva a um défice de subtileza, sublinhando o óbvio que surge com uma capa de revelação surpreendente e acutilante.

Menos espontâneo do que "Amor Cão" e sem a densidade emocional que "21 Gramas" conseguia manter do princípio ao fim, possui no entanto motivos que ajudam a compreender as distinções de que tem sido alvo (como o Globo de Ouro de Melhor Filme): Iñárritu volta a confirmar-se como um excelente realizador, emanando um realismo austero, cortante mas sempre envolvente; a montagem serve na perfeição os saltos temporais e geográficos (pelos EUA, Marrocos, Japão e México) entre as várias histórias, impondo um ritmo que nunca cede; e a fotografia aposta em minuciosos e palpáveis cromatismos, capazes de traduzir as diversas atmosferas que a acção percorre.
Evidenciando as capacidades de um esteta apurado e exigente, o filme apresenta uma série de sequências de antologia, sendo a melhor, provavelmente, a que decorre numa discoteca em Tóquio, onde uma irrepreensível manipulação do som e da imagem geram uma magnética experiência sensorial (quase tão boas, as cenas de jovens japoneses no parque partilham das mesmas texturas).

Também no elenco não há reparos a fazer, já que tanto as presenças mediáticas - um Brad Pitt envelhecido, a jogar contra a sua imagem de marca; uma Cate Blanchett que mais uma vez combina classe e autenticidade e um Gabriel Garcia Bernal a comprovar a versatilidade - como as menos conhecidas - Adriana Barraza, num dos desempenhos mais sentidos como ama dedicada; Rinko Kikuchi, protagonista do melhor segmento do filme na pele de uma carente surda-muda; ou as crianças marroquinas e americanas -, são exímias nas suas composições, traduzindo uma intensidade cuja verosimilhança só é colocada em causa por alguns elementos do argumento.
Aqui notam-se as maiores falhas de "Babel", cujo suporte da narrativa na teoria do caos e no "efeito borboleta" (onde um acontecimento aparentemente irrelevante acaba por influenciar a origem de outros de maiores contornos), aliada a um apelo acerca das consequências da globalização, o transformam num filme "de mensagem" veiculada sem a complexidade que julga ter, suscitando episódios presunçosos, forçados ou apenas algo irritantes (como o excessivo calvário a que a criada mexicana e as duas crianças norte-americanas são sujeitas).

Mesmo assim, com ocasionais simplificações e estereótipos, e nunca dando aos actores personagens à altura do seu talento - uma vez que a maior parte destas poderiam ser mais desenvolvidas -, "Babel" tem méritos que o situam num patamar acima da média.
Fica por fazer o grande filme sobre os contrastes culturais, as relações humanas (em especial as familiares) e a comunicação (ou falta dela) que Iñárritu pretendia, mas obtém-se ainda uma recomendável, e a espaços fascinante, experiência cinematográfica, que só ganharia se não tentasse dizer tanto a todo o momento.

E O VEREDICTO É:
3,5/5 - BOM

11 comentários:

Anónimo disse...

Criticas-lhe algum pretensiosismo pouco justificado mas não o vi de todo assim. É um projecto ambicioso, sem dúvida, mas de resultados portentosos!
Um belo filme, com muito para se ver, muito para se sentir também...

Anónimo disse...

revi-o recentemente de novo, e acho que efectivamente é um bom filme, carregado de momentos bons!

gonn1000 disse...

H.: Acho que foca questões importantes, mas a abordagem é por vezes superficial e genérica. Um bom filme, só por vezes portentoso.

membio: Concordo, mas não creio que seja um marco.

Anónimo disse...

O que mais gosto neste blog é a atribuição de notas. Não percebo por que razão tens uma escala de 1 a 5, se só atribuis sempre 3 ou 3,5. Chega a ser ridículo.

gonn1000 disse...

Sempre?? Parece-me que tens de passar cá mais vezes (ou consultar os arquivos) para saberes melhor do que falas, ou então muda-te de vez e não atires mais postas de pescada...

Anónimo disse...

Pronto, 99,5% das vezes. Satisfeito? Por que não mudas a tua a escala para: 0 a 1.
Patético.

gonn1000 disse...

E que tal criares um blog e usares essa escala? És assim tão masoquista que preferes andar a perder tempo em blogs que abominas? Não tens mais com que te entreter?

Anónimo disse...

Ninguém te disse que abomino o teu blog. Acho-o divertido.

gonn1000 disse...

Ainda bem, também acho divertidos comentários como os teus.

Anónimo disse...

Gonn: Tiraste-me as palavras da boca. Em relação ao filme.
E quem é este totó que anda para aqui? Cá para mim é alguma mal amada, ou mal amado...aiaiai meninos, descubram a masturbação.

gonn1000 disse...

Pois é, já tinha visto no Cine7 que tínhamos opiniões parecidas em relação a este.
Quanto aos anónimos, deixa-os estar, coitaditos, sempre dão para rir.