sexta-feira, agosto 25, 2006

A CIDADE DO PECADO

Um dos mais idiossincráticos e controversos escritores latinos dos últimos anos, o cubano Pedro Juán Gutiérrez apresenta em "A Trilogia Suja de Havana", editado em 1998, a sua primeira obra em prosa, iniciando uma série de títulos dedicados a um olhar cortante e verista sobre os meandros da capital de Cuba.

Concentrando vários pequenos contos que têm em comum o facto de serem todos narrados (e, a maioria) protagonizados pelo próprio escritor (ou um por alter-ego), o livro proporciona uma série de episódios assentes em vivências do quotidiano urbano, vincados por uma visão demolidora, crua e cáustica.

Gutiérrez aposta numa escrita simples e directa, um estilo que reflecte a sua experiência como jornalista, uma das muitas profissões que adoptou ao longo do seu percurso errático em Havana (e que, de resto, o livro documenta).
O facto desta ser uma leitura acessível, à base de uma linguagem prosaica e seca, não implica contudo que não se cultive aqui um singular gosto pelo detalhe, já que o autor retrata com plausibilidade e eficácia assinaláveis os traços da gente, locais e ambientes que o rodeiam.

A interligação de um realismo sujo com um violento mas irresistível humor negro gera crónicas simultaneamente amarguradas e espirituosas, à semelhança do ritmo imprevisível da vida do escritor e das daqueles que se encontram nos seus relatos.
Com um dia-a-dia pouco auspicioso, onde as condições de vida se tornam cada vez mais precárias, o sexo, o álcool (em particular o rum, a bebida mais barata, com o qual o escritor se embriagou antes de escrever alguns contos do livro) e por vezes as drogas destacam-se como os únicos portos de abrigo capazes de ajudar à sobrevivência.
Gutiérrez é exímio na tradução destas atmosferas, descrevendo os sabores, sons e odores de uma cidade onde a luxúria, a pobreza, o calor, a insegurança e tons féericos se entrecruzam naturalmente.

No entanto, apesar da presença recorrente do turismo sexual, de negócios no mercado negro, do individualismo e de crimes de faca e alguidar, "A Trilogia Suja de Havana" está longe de ser um panfleto contra a capital cubana, uma vez que o próprio autor revela várias vezes que não conseguiria enquadrar-se em nenhum outro local (apesar das oportunidades que teve para o fazer), pelo que o livro funciona enquanto uma ambivalente ode à cidade que o acolhe. A sua descoberta recomenda-se e corre o risco de ser tão inquietante como viciante.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

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