quarta-feira, outubro 13, 2004

QUANDO A FICÇÃO ABSORVE A REALIDADE

Premiado no Festival de Sundance de 2003, "Treze - Inocência Perdida" (Thirteen) oferece um peculiar olhar sobre a actual juventude urbana, apresentando um intenso retrato da entrada na adolescência. O filme foca as experiências de Tracy (interpretada pela brilhante Evan Rachel Wood, da série "Começar de Novo - Once and Again"), uma inteligente, simpática e aplicada jovem de 13 anos que começa a aperceber-se das crescentes dificuldades de integração no seu liceu.

Determinada a evitar a exclusão e a aparente invisibilidade de que é alvo, Tracy opta por alterar a sua conduta habitual e inicia uma série de comportamentos inéditos e atípicos até então, na tentativa de conquistar o respeito e a atenção dos que a rodeiam, particularmente de Evie, a jovem mais popular da escola. "Treze" ilustra a complexa, conturbada e dolorosa espiral de novas experiências vividas por Tracy, focando detalhadamente as esferas de influência que orientam os primeiros passos na adolescência e que geram um repentino desejo de afirmação.


Catherine Hardwicke engloba nesta obra diversos elementos indissociáveis dos jovens de hoje, desde a predominância dos telemóveis, o interesse pela moda, o poder das estrelas pop difundidas via MTV, o fascínio das drogas e do álcool, a desagregação familiar e as condicionantes da iniciação sexual.

Ao contrário de múltiplos filmes e séries juvenis recentes, "Treze" recusa uma visão leve e açucarada da adolescência, antes privilegiando um olhar mais realista, ambíguo e desencantado do determinante processo de crescimento. Servido por uma realização dinâmica e efervescente, misto de videoclip e documentário, associada a uma banda-sonora igualmente enérgica e trepidante, "Treze" consegue criar uma linguagem cinematográfica particular e absorvente, traduzindo um forte apelo visual e sonoro.

O resultado torna-se ainda mais convincente quando associado a uma sólida direcção de actores, em particular Holly Hunter no papel de jovem mãe da protagonista. O filme-estreia de Catherine Hardwicke proporciona uma visão credível e realista da juventude actual (ou, pelo menos, de parte dela), distante dos habituais "filmes-para-adolescentes" que se centram em romances previsíveis e moralistas ou em fórmulas de comédia algo gastas e rotineiras.

"Treze" estará mais próximo de algumas emblemáticas obras cinematográficas recentes como o melancólico "As Virgens Suicidas" de Sofia Coppola, o intenso "L.I.E. - Sem Saída" de Michael Cuesta, o irónico e ácido "Ghost World - Mundo Fantasma" de Terry Zwigoff" ou os perturbantes "Ken Park" e "Bully" de Larry Clark (que realizou ainda "Kids - Miúdos", um dos mais viscerais filmes sobre adolescentes dos anos 90 e um dos que ajudou a gerar um subgénero no qual "Treze" se pode integrar).

"Treze - Inocência Perdida" passou algo despercebido entre nós, no entanto justifica que seja descoberto por aqueles que não tiveram oportunidade de o ver no início deste ano (a eventual edição em DVD é sempre uma hipótese), dado que se trata de um inovador e muito recomendável retrato da teen angst actual. Uma das boas surpresas de 2004.

E O VEREDICTO É: 3.5/5 - BOM

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