segunda-feira, fevereiro 06, 2006

O MUNDO AO CONTRÁRIO

Centrado em questões polémicas e actuais, “O Pesadelo de Darwin” (Darwin’s Nightmare) é a visão do realizador austríaco Hubert Sauper sobre as consequências de uma experiência científica decorrida durante a década de sessenta, no Lago Victoria, na Tanzânia, onde foi inserida uma nova espécie de peixe, a perca do Nilo, que se alimentou das outras já existentes e provocou alterações consideráveis no ecossistema local.

No entanto, aquilo que por um lado foi um desastre ecológico, mostrou-se comercialmente rentável, pois a perca do Nilo disseminou-se rapidamente e foi alvo de grande procura externa, sendo exportada para os mercados europeu e japonês.
Embora este negócio seja lucrativo, não gerou uma melhoria das condições de vida da maioria da população circundante, entregue a recursos escassos e a perspectivas de vida limitadas, e é o reflexo desta mudança nos habitantes da área que “O Pesadelo de Darwin” explora, não poupando ataques ferozes ao lado mais dúbio da globalização.

Sauper tem aqui um tema rico e pertinente, mas o seu documentário nem sempre o trabalha de forma interessante. O realizador proporciona alguns bons retratos do dia-a-dia de pobreza dos pescadores e prostitutas (as profissões mais recorrentes e viáveis), assim como das inquietações das crianças de rua, captando alguns testemunhos impressionantes mas nunca seguindo a via fácil de um sensacionalismo estridente e manipulador (o resultado é assim mais subtil do que se fosse criado por um Michael Moore).
O problema é que “O Pesadelo de Darwin” nem sempre entrelaça os seus elementos de forma conseguida, contendo muitos momentos dispensáveis e repetitivos, gerando algum marasmo na narrativa.

É um projecto com intenções meritórias, na medida em que coloca questões acerca do conteúdo das cargas dos aviões que transportam, alegadamente, mantimentos para a Tanzânia, por exemplo, ou por contrastar comissários económicos, pilotos ou industriais com problemáticas incómodas e de difícil resposta.
Embora estes aspectos sejam interessantes, não têm um enquadramento formal à altura, já que Sauper tem escassas ideias de cinema e o seu estilo nunca se afasta de um modelo televisivo e indistinto, caindo na rotina.

Mesmo que “O Pesadelo de Darwin” seja um objecto cinematograficamente pobre, consegue oferecer algumas cenas marcantes, fruto da incisiva investigação do realizador, como as que focam a forma como a perca do Nilo é tratada e armazenada (e cujas condições de higiene, segundo o que Sauper mostra, são bastante diferentes das que um comissário europeu defende), as peripécias perturbantes protagonizadas pelos miúdos de rua (sobretudo o episódio em torno da lata de arroz) ou os comentários de um residente da área acerca da guerra.

Infelizmente, momentos destes são apenas pontuais, porque durante grande parte a sua duração “O Pesadelo de Darwin” fica aquém do documentário que poderia ter sido.
Presume-se, então, que as múltiplas distinções de que o filme tem sido alvo – nomeação para os Óscares, Prémio de Melhor Documentário nos Prémios Europeus de Cinema, assim como troféus nos festivais de Veneza, Paris ou Chicago – sejam principalmente devido à ideia-base, porque a concretização, essa, deixa a desejar, o que num caso destes é forte pena.
E O VEREDICTO É: 2/5 - RAZOÁVEL

9 comentários:

Anónimo disse...

Yup, no IMDB diz-se que é um documentário manipulativo e enganador :o.

Abraço

Anónimo disse...

Olá, gostei do teu blog e vinha convidar-te a visitar o meu:

www.portugalalive.blogspot.com

gonn1000 disse...

SOLO: Não achei que o problema do filme fosse esse...

anónimo: Não conhecia, mas parece um bom blog de notícias.

susana disse...

Ísto anda pobresito em comentários!Nota-se logo que os comentadores na maioria serão universitários!!Devem andar a estudar para os exames!!Se é razoável, nem vou ver!!Não tenho assim tanto tempo para perder com coisas razoáveis!!Vou ver o que disseste do Munique!!

gonn1000 disse...

Eu considero-o razoável, mas pode ser que tu gostes (ou não). E não tens tempo para isto mas tens para o "Dick and Jane", não é?? :P

Carlos M. Reis disse...

Apesar da nota, e acredito que o trabalho cinematográfico seja horrendo, o tema de estudo, é para mim, bastante interessante e como tal este será um dos próximos documentários a ver.

Cumprimentos Gonçalo.

gonn1000 disse...

Sim, o tema tem interesse, e por isso pedia um documentário mais conseguido. A ver, mesmo assim, mas longe de prioritário.

Anónimo disse...

Tive o privilégio, de ver o documentário em 2005 numa sala de cinema em França, obvio que por cá, falo por exemplo, em Coimbra tivemos que aguardar 1 ano.. :( No comment
Retrata a única actividade (pesca) para a sobrevivência de um povo extremamente pobre, uma pura realidade…
Imagens chocantes, desde prostituição e a droga, (etc)
O documentário, consegui fazer uma dura crítica aos todos poderosos da Tanzânia..
Aconselho sem duvida… ainda hoje tenho uma pequeno nó no estômago, quando relembro me do filme..
Baciu…

gonn1000 disse...

O filme tem momentos muito fortes, mas não lhe reconheço grandes méritos na realização nem mesmo na organização da narrativa, com cenas algo dispensáveis. O apelo, esse, acaba por passar, e neste caso é o que mais importa.