quarta-feira, janeiro 05, 2005

O AMOR ACONTECE (?)

Obras como "Chungking Express", "Anjos Caídos" (Fallen Angels) ou "Felizes Juntos" (Happy Together) garantiram a Wong Kar-wai um lugar de culto dentro do cinema actual, estatuto ainda mais reforçado com o incensado "Disponível Para Amar" (In the Mood for Love), de 2001, para muitos a sua obra-prima.

Com uma estética peculiar e reconhecível, o cineasta destacou-se, entre outros motivos, pela inquietante carga visual que explora nos seus filmes, dotando-os de um estilo de realização incomum e pessoal. "2046" é considerada a sequela - ou continuação, ou remix, dependendo da perspectiva - de "Disponível Para Amar" e volta a apostar em domínios carregados de tensão emocional e desilusão amorosa.

A película segue as experiências de Chow Mo Wan - interpretado pelo já habitual Tony Leung -, um escritor dos anos 60 que recorda as mulheres que marcaram a sua vida enquanto prepara um novo romance de ficção científica intitulado "2046" (que é, também, o número de um quarto do hotel onde se encontra instalado e que foi habitado por algumas das mulheres que conheceu).
Este é o mote para Wong Kar-wai proporcionar uma reflexão pelos meandros das relações humanas, geralmente caracterizadas por atmosferas emocionais melancólicas e angústias existenciais.

Como é frequente nas obras do realizador oriental, o filme não segue uma narrativa linear e tipificada, antes opta por expor fragmentos e estilhaços que se interconectam e influenciam, gerando um complexo puzzle que se (des)constrói em cerca de duas horas. O resultado, por vezes envolvente e sedutor, é contudo mais redundante do que intrigante, dispersando-se em longas recordações e pedaços de experiências que nem sempre conseguem envolver.

A vertente visual é exímia, ou não fosse Kar-wai um sofisticado e exigente esteta capaz de tornar cada plano numa simbiose de criatividade e requinte, mas o "argumento" não está, infelizmente, à altura dos rasgos hipnóticos do grafismo.

"2046" oferece pontos de interesse como os contrastes entre ambientes retro e territórios futuristas, ambos contaminados com aliciantes doses oníricas e complementados com uma adequada banda-sonora e excelente fotografia. Embora esses elementos contribuam para o deleite contemplativo, a resposta emocional é reduzida, uma vez que as personagens são concentrados de frieza, amargura e solidão, raramente despoletando empatia.
Não se procuraria um tom espirituoso num filme que aborda a perda e a quebra de elos, mas "2046" exibe pouco calor humano, ainda que tenha consideráveis cenas de sexo e intimidade conjugal (que, mesmo habilmente filmadas, não demovem a carga distante da película).

A espaços estimulante, a mais recente obra de Wong Kar-wai é prejudicada por uma narrativa desigual, com diversos altos e baixos, tornando-se numa experiência cinematográfica que, apesar de singular, suscita níveis de entusiasmo apenas medianos.

A beleza e mestria das imagens - carregadas de texturas e contrastes cromáticos - quase disfarçam a pretensão de uma obra cujo resultado está abaixo das expectativas e é tão efémero como as relações da personagem de Tony Leung.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

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