Títulos mediáticos como "Fahrenheit 9/11", de Michael Moore, ou "Super Size Me - 30 Dias de Fast Food", de Morgan Spurlock, foram dois dos documentários mais polémicos de 2004, lançando a discussão e o contraste de perspectivas.
"Os Friedman" (Capturing the Friedmans), de Andrew Jarecki, foi alvo de atenções mais discretas entre nós, mas aborda também um tema pertinente e muito actual: a pedofilia.
É certo que este foi um assunto recorrente nos media nacionais recentemente, suscitando análises e abordagens por vezes algo sensacionalistas e oportunistas, mas Andrew Jarecki consegue criar um absorvente documentário que, embora surpreenda e inquiete, nunca recorre a manobras que promovam detalhes "escabrosos" e "chocantes".
A película debruça-se sobre as acusações de múltiplos abusos sexuais dirigidas a dois elementos de uma família da classe média norte-americana, situação que foi alvo de considerável destaque nos media no início dos anos 90 e deixou a América estupefacta.
O caso é ainda mais surpreendente tendo em conta que Arnold Friedman era um respeitado professor, com uma conduta até então (aparentemente) idónea, e o seu filho Jesse era ainda um adolescente.
Na sua investigação, Andrew Jarecki recorre a depoimentos dos próprios familiares (excepto ao de um dos filhos, Seth, que recusou fazer comentários), assim como a relatos de muitos dos intervenientes do caso - tanto de ex-alunos de Arnold, amigos da família, polícias, advogados e jornalistas, entre outros - gerando uma diversidade de pontos-de-vista que contribuem para a criação de uma intrincada teia de acontecimentos contrastantes.
Neste sentido, o documentário é um intrigante quebra-cabeças que coloca a verdade em causa e reavalia premissas, tornando-se num desconcertante estudo sobre o real e o aparente, o quotidiano da "pacata" vida suburbana, os laços familiares ou a fragilidade do sistema judicial.
O contraponto entre o normal e o disfuncional é intensificado pelos registos de vídeo dos Friedman, que apresentam momentos banais daquela família, iguais aos de tantas outras, registos esses que Jarecki utiliza estrategicamente para desconstruir as coordenadas e gerar cenários de ambivalência.
Mais curioso ainda é o facto da família ter filmado também os momentos privados ocorridos depois das acusações de pedofilia, suscitando cenas de tensão emocional como os antagonismos entre os irmãos e a mãe.
Complexo e pertinente, "Os Friedman" é um poderoso documentário que foca temáticas actuais, destacando-se como uma das mais interessantes experiências acerca dos flagelos da pedofilia que o cinema proporcionou nos últimos anos (o drama indie "L.I.E. - Sem Saída", de Michael Cuesta, é outro bom exemplo).
Esta obra de Andrew Jarecki comprova também a fase de vitalidade de um género cinematográfico em ascensão e cada vez mais próximo do grande público, aumentando a diversidade da oferta audiovisual. Um título a (re)descobrir.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
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